16/07 - Crise no Senado é tema de artigo do presidente da Seccional Paraná
Os jornais Folha de Londrina e Diário do Norte do Paraná publicaram nesta quarta-feira (15) um artigo do presidente da OAB Paraná, Alberto de Paula Machado, sobre a crise no Senado e a estrutura de clientelismo do Congresso Nacional.
Confira a íntegra do texto:
O Parlamento que queremos
Quando eu virei senador, ninguém me deu um manual de como é que eu tinha de usar passagem de avião. Falaram: ´A passagem é sua. Use-a como quiser.` (...)Olha, você pode ter gente no seu gabinete trabalhando em Belo Horizonte, trabalhando no Triângulo Mineiro`. De repente, isso vira crime, você ter alguém trabalhando lá, fazendo política, que é o que esta Casa faz?
A manifestação acima não foi registrada em uma gravação telefônica sem o consentimento da parte envolvida. Trata-se, em verdade, de pronunciamento feito, da tribuna do Senado, pelo senador Wellington Salgado de Oliveira, defendendo o colega José Sarney. O pronunciamento indica uma concepção de Estado, nele compreendendo legislativo, executivo e judiciário. O perigoso conceito manifestado é compartilhado por muitos que ocupam cargos e funções públicas, especialmente no parlamento, porém a maioria não tem coragem de dizer o que pensa, como fez Wellington de Oliveira. Estamos chegando ao ponto de admitir publicamente que a estrutura do Senado está a servir os próprios senadores, aos seus interesses pessoais e particulares, e não ao povo.
Afinal, a democracia precisa de toda essa superestrutura que por força do hábito parece tão necessária aos nossos parlamentares? Polícia legislativa, serviço médico exclusivo para o Senado, assessores fora da sede do parlamento, cota para combustível, apartamentos funcionais, aposentadorias especiais. Uma lista interminável de benefícios consolidados sob o pretexto de serem garantias mínimas para o exercício legislativo. Conforme informou recentemente um consultor da Fundação Getúlio Vargas, o Senado conta hoje com 10.000 colaboradores remunerados pelos cofres públicos, entre funcionários, cargos em comissão e terceirizados. Já é mais do que chegada a hora de enxugarmos essa estrutura de proporções exageradas, origem de distorções em relação à própria razão de existir do parlamento.
Que tal simplificarmos? Cada parlamentar com uma secretária e três ou quatro assessores e nada mais. Não seria má idéia conceder a eles os mesmos benefícios que os de um cidadão comum. Uma aposentadoria pelo regime geral de previdência, o que significa dizer que apenas após cumprir todos os requisitos que um trabalhador comum tem que cumprir é que senadores também teriam direito de se aposentar; férias por período nunca superior a de 30 dias; passagens, apenas para o próprio parlamentar; assessores, apenas aqueles que trabalhem no próprio Senado. As bases políticas deveriam ser formadas pelos correligionários, aqueles que acreditam e perfilham das ideias dos parlamentares e não funcionários remunerados pelo parlamento. A medida poderia ter o efeito de uma vacina capaz de imunizar o Senado contra a política arcaica fundamentada no clientelismo.
A hipertrofia, além de dispendiosa aos cofres públicos, atrapalha, cria o sentimento de que o Senado vive em torno de si mesmo, distancia ainda mais a casa legislativa dos anseios do povo brasileiro. Não é esse o parlamento que queremos. A democracia deve ser algo simples e de fácil compreensão. Ela não precisa de estruturas suntuosas, de numerosos aparatos ou de um exército de serviçais. A democracia é apenas um meio de darmos voz à opinião do povo. Nada mais do que isso.
Também merece reflexão o sistema que permite reeleições sucessivas. Mesmo bons parlamentares com o tempo correm o risco de se acomodar, de perder o poder de indignação e, em consequência, tolerar as distorções e o mau uso do dinheiro público. Que tal se permitíssemos apenas uma reeleição para todos os mandatos no Brasil?
A renúncia do senador José Sarney é efetivamente necessária. Não se pode imaginar que denúncias como as que têm vindo à tona sejam ignoradas. Mas é forçoso reconhecer que apenas a renúncia pouco mudará o futuro do Senado ou da nossa democracia. Vale lembrar que Jader Barbalho, Renan Calheiros e Fernando Collor também renunciaram, mas voltaram e, o que é pior, pelo voto popular. A mudança efetiva depende de uma atitude concreta do povo, a quem pertence o poder irrevogável de derrotar nas urnas todos que construíram as suas carreiras como ilusionistas e malfeitores do interesse público. Feliz a expressão do filósofo espanhol radicado na América do Norte George Santayana: aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo.
ALBERTO DE PAULA MACHADO é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná
Folha de Londrina/ O Diário do Norte do Paraná
Fonte: OAB/PR
|