STJ autoriza restituição de ICMS pago a mais
Por Alessandro Cristo
Se um produto sob o regime de substituição tributária é vendido por preço abaixo da tabela de valores estipulada pelo governo estadual, a empresa tem direito a receber de volta o ICMS pago a mais? Para o ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça, a resposta é sim, pelo menos quando a operação se dá no estado de São Paulo.
O ministro deu provimento ao recurso de uma empresa paulista que apenas pedia que o caso fosse analisado pela corte. O resultado foi melhor que a encomenda. O ministro concedeu, imediatamente, o direito à compensação dos valores. Segundo ele, o estado não assinou um convênio nacional entre as fazendas estaduais (Convênio 13/97) que proíbe a devolução dos valores mesmo por preços de venda abaixo da tabela. Além de São Paulo, também não assinaram o convênio Pernambuco, Santa Catarina e Paraná.
O recurso que chegou às mãos do ministro foi um Agravo de Instrumento contra o Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores paulistas negaram o direito a um posto de gasolina de ser restituído de valores pagos a mais ao fisco a título de ICMS. De acordo com os advogados da empresa, Nelson Monteiro Junior e Rodrigo Helfstein, do escrítório Monteiro & Neves Advogados Associados, os combustíveis foram vendidos por preço inferior ao usado pelo fisco para o cálculo do imposto pago antecipadamente, pelo sistema de substituição tributária.
A substituição é usada pelas Fazendas para tributar, na origem dos produtos, toda a carga que seria paga ao longo da cadeia de vendas. Assim, na primeira operação, o vendedor paga todo o imposto que o governo calcula que chegaria aos seus cofres, o que evita sonegações ao longo do percurso. As seguintes fases comerciais, porém, também arcam com a despesa, já que pagam sua parcela respectiva do imposto ao comprar o produto do fornecedor. O preço das vendas, dessa forma, fica todo regulado nas mãos da Fazenda.
O questionamento dos setores sobre os quais o pagamento antecipado recai obrigatoriamente é que o imposto é calculado com base em preços presumidos pelos fiscos. Foi o que alegou o posto, que considerou que seu preço estava abaixo do tomado pelo governo paulista para o arbitramento do ICMS. O setor de combustíveis está entre os que são obrigados a recolher o ICMS sob o regime de substituição tributária.
A empresa pediu à Justiça a chamada repetição do imposto ou seja, sua devolução em forma de compensação ou restituição. Segundo seus advogados, ela não possui escrituração de débitos e créditos de ICMS pelo fato de trabalhar com produtos sob o regime de substituição. Devido a normas internas da Fazenda, a restituição do imposto precisa ser comprovada com notas fiscais de venda, que mencionem os créditos documento que os postos de gasolina estão desobrigados de emitir, já que fazem o controle com base no Livro de Movimentação de Combustíveis, instituído pela Portaria 26/92 do antigo Departamento Nacional de Petróleo, hoje Agência Nacional de Petróleo. Por esse motivo, está tecnicamente impedida de reaver valores pagos a maior, ficando com créditos acumulados.
A primeira instância da Justiça paulista atendeu ao pedido feito em Mandado de Segurança, mas um recurso ajuizado pela Procuradoria-Geral do Estado na Seção de Direito Público do TJ provocou a reforma da decisão. Ao tentar reverter a situação, a empresa recebeu um não como resposta, conforme Apelação 333.948.5/8 do TJ-SP. No ano passado, pediu então à Presidência do TJ-SP que pudesse recorrer da decisão ao STJ, mas não teve sucesso novamente. Foi então diretamente à corte superior, por meio do Agravo de Instrumento.
O ministro Campbell Marques lembrou que o Convênio ICMS 13/97, assinado pelos fiscos estaduais, proíbe a repetição dos recolhimentos no regime de substituição tributária para frente, a não ser quando o fato gerador não ocorre, sendo irrelevante se o preço da venda foi inferior à base de cálculo presumida. O Supremo Tribunal Federal já havia apreciado a matéria em 2002, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.851. Na ocasião, por maioria, o Plenário reconheceu a constitucionalidade do convênio, afirmando que sua cláusula segunda não viola o artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição Federal.
No entanto, o estado de São Paulo não é signatário do convênio, pelo que a determinação da ADI 1.851 não poderia ser usada como justificativa pelo fisco. Assim entendeu a 1ª Seção do STJ em julgamento de 2006 sobre os Embargos no Recurso Especial 773.213, de relatoria da ministra Eliana Calmon. No Supremo, a restituição na substituição tributária está para ser decidida pelo ministro Carlos Britto, responsável pelo voto de desempate na ADI 2.777. Ele está com o processo desde 2007.
Dessa forma, como a jurisprudência da corte já era favorável aos contribuintes paulistas, o ministro, relator do processo, admitiu o agravo de instrumento do posto de gasolina e julgou antecipadamente a causa a favor da empresa.
Agravo de Instrumento 1.148.887
DECISÃO
Superior Tribunal de Justiça
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.148.887 - SP (2009/0012398-3)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
AGRAVANTE : AUTO POSTO CHAVANTES LTDA
ADVOGADO : RODRIGO HELFSTEIN E OUTRO(S)
AGRAVADO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : CARLA PEDROZA DE ANDRADE E OUTRO(S)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. VENDA
POR PREÇO INFERIOR AO PRESUMIDO. ESTADO DE SÃO
PAULO. CONVÊNIO 13/97. INAPLICABILIDADE. ADIN
1.851-4/AL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO PARA,
DESDE LOGO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Auto Posto Chavantes Ltda. no intuito
de reformar decisão que inadmitiu recurso especial intentado contra acórdão proferido pelo TJSP,
assim ementado (fl. 251):
IMPOSTO - CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS -
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA - VENDA POR PREÇO INFERIOR AO
PRESUMIDO - RESTITUIÇÃO IMEDIATA ATRAVÉS DE TRANSFERÊNCIA
DE CRÉDITOS - INADMISSIBILIDADE - SEGURANÇA CONCEDIDA -
RECURSOS OFICIAL E DA FAZENDA DO ESTADO PROVIDOS.
Embargos de declaração rejeitados (fl. 271).
No apelo nobre, interposto pelas alíneas "a", "b" e "c", do permissivo constitucional,
aponta-se violação dos arts. 165, 458 e 535, II, do CPC, 118 c/c 126 do CTN e 10 da LC n.
87/96. Defende, em síntese, a possibilidade de restituição imediata dos créditos de ICMS oriundos
de operações de venda de combustíveis, sob o regime de substituição tributária.
Nas razões de agravo, pugna pelo processamento do recurso especial, porquanto foram
preenchidos os requisitos de admissibilidade.
Contraminuta às fls. 393/397.
É o relatório. Passo a decidir.
Verifico que estão presentes os requisitos gerais e intrínsecos de admissibilidade, razão
pela qual conheço do agravo de instrumento e passo à análise do recurso especial.
Com razão a recorrente.
Primeiramente, registro que
Primeiramente, registro que os arts. 165 e 458 do CPC não foram, sequer
implicitamente, enfrentados no aresto a quo recorrido, a despeito da oposição dos aclaratórios.
Incide, nesse caso, a Súmula 211/STJ.
Outrossim, não houve a alegada violação do art. 535, II, do CPC. O aresto combatido
está claro e contém suficiente fundamentação para solver integralmente a controvérsia.
Mesmo com o escopo de prequestionamento, os embargos declaratórios devem
obedecer aos ditames traçados no art. 535 do CPC, ou seja, só serão cabíveis caso haja no
decisório embargado omissão, contradição e/ou obscuridade.
Ressalte-se que o simples fato de não terem sido abordados os dispositivos legais
indicados pela parte embargante não configura omissão, desde que haja fundamentação
adequada capaz de sustentar a conclusão da decisão.
Sobre a questão de fundo, importa destacar que o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da ADI 1.851/AL, ao interpretar o art. 150, § 7°, da CF/88, entendeu que o
contribuinte somente tem direito à repetição dos valores recolhidos, no regime de substituição
tributária para frente, na hipótese de não-ocorrência do fato gerador, sendo irrelevante o fato do
preço de venda ser inferior à base de cálculo presumida. Frise-se que a questão foi analisada em
face do Convênio n. 13/97.
No entanto, a Primeira Seção desta Corte assentou a inaplicabilidade da utilização da
ADI 1.851-4/AL ao Estado de São Paulo, visto que não é signatário do referido convênio (EREsp
773.213/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 20.11.2006).
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. RESTITUIÇÃO.
VENDA POR PREÇO INFERIOR AO PRESUMIDO. ADESÃO DO ESTADO
DE SÃO PAULO AO CONVÊNIO 13/97, OBJETO DA ADIN 1.851-4/AL.
INEXISTÊNCIA.
1. "O STF, na ADIn 1.851-4/AL, analisou a questão da substituição tributária em
face do Convênio 13/97, concluindo que, de acordo com o art. 150, § 7º, da
CF/88, somente haveria direito à restituição caso não realizado o fato gerador
presumido. Contudo, não sendo o Estado de São Paulo signatário do referido
convênio, descabe a incidência do mencionado precedente aos autos" (EREsp
773.213/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 20.11.06).
2. Embargos de divergência providos (EREsp 937.301/SP, Rel. Min. Castro
Meira, Primeira Seção, DJ de 7.4.2008).
Isso posto, autorizado pelo art. 557, § 1º-A, do CPC, CONHEÇO do agravo de
instrumento para, desde logo, DAR PROVIMENTO ao recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 24 de junho de 2009.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
Relator
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