Jurisprudência consolidada
Leia motivos da lei do Mandado de Segurança
Por Lilian Matsuura
A lei que regulamenta o Mandado de Segurança (Lei 12.016), individual e coletivo, sancionada na última sexta-feira (7/8), nasceu da análise da jurisprudência nos tribunais feita por grandes nomes do Direito contemporâneo brasileiro. O objetivo da proposta feita pela Comissão de Juristas (e aprovada sem restrições pela Câmara, pelo Senado e pela Presidência da República) foi dar maior coerência ao sistema legislativo vigente, por meio da consolidação em uma única norma da jurisprudência, do regimento interno de tribunais e das leis que regiam a matéria.
Criada em 1996, a comissão foi presidida pelo professor Caio Tácito. A proposta foi relatada por Arnoldo Wald e revisada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Menezes Direito. Também integraram o grupo os professores Ada Pelegrini Grinover, Álvaro Villaça de Azevedo e Antonio Jamyr Dall'Agnol; o ministro Gilmar Mendes, atual presidente do STF; o constitucionalista Luiz Roberto Barroso, além de Manoel André da Rocha, Roberto Rosas, Ruy Rosado de Aguiar Júnior e o ministro do STJ Herman Benjamin.
O Mandado de Segurança foi criado pela Constituição Federal de 1934. A primeira lei que regulamentou o instrumento foi editada 17 anos depois (Lei 1.533/51). Depois de décadas de existência, a comunidade jurídica entendeu que era preciso atualizá-la, inclusive para prever a figura do Mandado de Segurança Coletivo, previsto na Constituição, mas até então sem regulamentação. Em agosto de 2001, o projeto de lei foi levado pela Presidência da República para a análise da Câmara dos Deputados.
Na exposição de motivos da proposta, a comissão explica que manteve restrições impostas em leis especiais, ao impedir a concessão de liminar que tenha por objetivo a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Há restrição também para a execução da decisão antes de seu trânsito em julgado.
A proposta transformada em lei também previu a possibilidade de a pessoa jurídica de direito público pedir a suspensão de liminar ou sentença ao presidente do tribunal superior, quando o pedido for negado pelo presidente do órgão julgador de segunda instância, com base em precedente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Críticas da Advocacia
A OAB critica veemente a regulamentação. Para a Ordem, ao impedir a concessão de liminar para determinar o pagamento de qualquer natureza, a medida não leva em conta a função do vencimento para garantir a alimentação do trabalhador. O vencimento tem caráter alimentar e, portanto, precisa ser resguardado pela Justiça liminarmente, declarou o presidente da entidade, Cezar Britto. Ele pretende entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo para questionar a norma porque entende que ela restringe o uso do instrumento.
O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) também questionou a lei e chegou a pedir ao presidente Lula o veto de determinados dispositivos, mas não foi atendido.
Mais agilidade
A Comissão de Juristas usou normas previstas em Regimentos Internos para regular o Mandado de Segurança nos casos de competência originária dos tribunais. Nesses casos, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento. Da decisão, caberá agravo. Se o acórdão demorar mais de 30 dias para ser publicado, poderá ser substituído pelas notas taquigráficas, independente de revisão.
Outra forma de dar agilidade pensada pelos juristas foi a decretação de caducidade da medida liminar quando, por omissão de atos, houver a paralisação do andamento do processo. O Cesa também questionou esse dispositivo da lei.
Como forma de dar mais eficiência ao instrumento, os integrantes da comissão entenderam necessário equiparar o não cumprimento pelas autoridades administrativas das decisões ao crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, sem prejuízo de aplicação de sanções administrativas.
Com essas medidas, além de complementar a legislação ordinária em matérias nas quais é omissa, o projeto cuida de garantir maior eficiência ao instituto, conferindo poder coercitivo específico às decisões nela proferidas e organizando mais adequadamente os serviços judiciários de modo a permitir o julgamento rápido das ações mandamentais, explica a proposta.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
E.M.I. n5! 00006 - AGUIMJ
Em 16 de abril de 2001.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que
"Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo, e dá outras providências", calcado
em proposta da Comissão de juristas constituída pela Portaria n5! 634, de 23 de outubro de 1996,
presidida pelo Professor Caio Tácito e da qual foram relator e revisor, respectivamente, o
Professor Amoldo Wald e o Ministro Carlos Alberto Direito.
2. Decorridos mais de sessenta e cinco anos da introdução do instituto do
mandado de segurança no direito processual pela Carta Política de 1934 e quase meio século
após a edição da Lei n5! 1.533, de 31 de dezembro de 1951, que o regulamentou de modo
sistemático, evidenciou-se a necessidade de atualizar a legislação sobre a matéria, considerando
as modificações constitucionais acerca do tema e as alterações legais que sofreu. Não bastasse
isso, o mandado de segurança gerou ampla jurisprudência sobre seus mais variados aspectos, que
está sedimentada em súmulas dos tribunais.
3. Nesse contexto, o projeto se integra no movimento de reforma legal que
busca a maior coerência do sistema legislativo, para facilitar o conhecimento do direito vigente
aos profissionais da área e ao cidadão, mediante a atualização, por consolidação em diploma
único, de todas as normas que regem a mesma matéria.
4. Também inspiraram a Comissão importantes conquistas jurisprudenciais,
como, por exemplo, sobre impetração contra decisões disciplinares e por parte de terceiro contra
decisões judiciais, bem como a adequada defesa pública, de modo a oferecer ao Poder Judiciário
os elementos necessários a um julgamento imparcial, com a preservação dos interesses do
Tesouro Nacional.
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5. Em princípio, foram mantidas a redação e a sistemátiCa das regras vigentes, a
fim de evitar divergências de interpretação em matérias sobre as quais a jurisprudência já se
consolidou.
6. Ao conceituar o mandado de segurança e definir o seu campo de atuaçào, o
projeto mantém, em linhas gerais, o direito anterior, indicando como destinatário qualquer
pessoa fisica ou jurídica, em garantia de direito líquido e c1erto. Equipara ao conceito de
autoridade os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades da
administração descentralizada e delegada, excluídos, contudo, do âmbito do instituto, os atos
comerciais de empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionários de serviços
públicos (art. 15!, § 22).
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7. No caso de urgência da impetração e da comunicação da decisão, a proposta
admite o uso de fax e de outros meios eletrônicos de autenticidade comprovada, adotando o
disposto na Lei n2 9.800, de 26 de maio de 1999, que "permite às partes a utilização de sistema
de transmissão de dados para a prática de atos processuais" (arts. 42 e 13).
8. Na esteira da jurisprudência dos tribunais, o mandado de segurança é cabível
contra sanções disciplinares ou, independentemente de recurso hierárquico, contra omissões da
autoridade, após sua notificação judicial ou extrajudicial. Igualmente calcado na doutrina e na
jurisprudência, o projeto considera autoridade coatora a que praticou o ato e aquela de quem
emanou a ordem. Se suscitada pelo indicado coator a ilegitimidade passiva, admite-se a emenda
da inicial no prazo de dez dias (art. 62).
9. Para que a pessoa jurídica de direito público interessada possa apresentar a
defesa de seu ato, o projeto determina que esta receba cópia da petição inicial, extraída dos autos
pelo cartório, sem documentos, sendo-lhe facultado o ingresso no feito (art. 72). Tal medida já é
utilizada em alguns Estados e se justifica em virtude das determinações da Constituição vigente,
que separaram as funções do Ministério Público e da Advocacia-Geral da União.
10. São mantidas, no projeto, as restrições impostas em leis especiais, que, em
determinados casos, vedam tanto a concessão da medida liminar como a execução da decisão
antes de seu trânsito em julgado. Também está prevista a possibilidade de o juiz exigir garantia
do impetrante para que possa ser concedida liminar (art. 72, m, e § 2lL).
11. Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, são mantidos até
a prolação da sentença, dando-se prioridade aos feitos nos quais tenha sido concedida (art. r-, §§
32 e 42).
12. As vedações relacionadas com a concessão de liminares estendem-se à tutela
antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil (art. 7°, § 5°).
13. Na hipótese de paralisação do andamento d~-processo, por culpa do
impetrante, ou omissão de atos ou diligências a seu cargo, o projeto prevê que seja decretada a
perempção ou caducidade da medida liminar (art. 82).
14. A fim de assegurar a adequada defesa da Administração, a proposta
determina que a autoridade coatora remeta ao Ministério ou ao órgão ao qual está subordinada e
à Advocacia-Geral da União ou entidade local correspondente o mandado notificatório com as
informações cabíveis (art. ~).
15. Os casos de indeferimento da petição inicial e do recurso cabível são
esclarecidos, de modo adequado, assim como o momento até o qual será admitido o
litisconsórcio ativo, a fim de respeitar o princípio do juiz natural (art. 10).
16. Decorrido o prazo para que o coator preste as informações e a entidade,
querendo, apresente a sua defesa, os autos serão encaminhados ao Ministério Público, se a
matéria for de interesse público ou social, com o prazo improrrogável de dez dias, para opinar.
Em seguida, o processo será concluso, com ou sem parecer, para que o magistrado profira
sentença, no prazo de trinta dias (art. 12). Assim, em tese, o julgamento em primeiro grau de
jurisdição deverá ocorrer em dois meses a partir do ingresso do impetrante em juízo.
17. O projeto assegura à autoridade coatora o direito de recorrer, matéria ainda
controversa na jurisprudência (art. 14, § 2~.
18. Com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça, a proposta prevê a possibilidade de a pessoa juridica de direito público
solicitar a suspensão de medida liminar, ou sentença, ao presidente de um dos tribunais
superiores, quando denegado pelo Presidente do órgão julgador da segunda instância ou em
agravo contra decisão deste (art. 15).
19. Abrigando matéria que, em grande parte, apenas consta dos Regimentos
Internos, o projeto regula o processo do mandado de segurança nos casos de competência
originária dos tribunais (art. 16).
20. Não sendo publicado o acórdão no prazo de trinta dias contados da data do
julgamento, é facultada sua substituição pelas notas taquigráficas, independentemente de revisão.
21. Regulam-se os recursos contra as decisões do mandado de segurança
proferidas em única instância (art. 18).
22. O projeto trata, ainda, do mandado de segurança coletivo que, embora criado
pela Constituição de 1988, ainda não mereceu disciplina pela legislação ordinária (arts. 21 e 22).
23. Constam, ainda, outras disposições a respeito do prazo para a impetração do
mandado de segurança, da inviabilidade da interposição dos embargos infringentes e do
descabimento da condenação ao pagamento dos honorários de sucumbência, sem prejuízo da
aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé (arts. 23 e 25).
24. O projeto equipara o não cumprimento pelas autoridades administrativas das
decisões proferidas em mandado de segurança ao crime de desobediência previsto no art. 330 do
Código Penal, sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas cabíveis (art. 26).
25. Com essas medidas, além de complementar a legislação ordinária em
matérias nas quais é omissa, o projeto cuida de garantir maior eficiência ao instituto, conferindo
poder coercitivo específico às decisões nele proferidas e organizando mais adequadamente os
serviços judiciários de modo a permitir o julgamento rápido das ações mandamentais.
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26. Estas, em síntese, Senhor Presidente, as normas que ora submetemos ao
elevado descortino de Vossa Excelência, destinadas a atualízar e aprimorar o sistema judiciário
vigente, em relação a instituto que tem garantido adequadamente os direitos individuais e se
tomou um dos instrumentos mais importantes do Estado de Direito e do sistema democrático.
Respeitosamente,
GILMAR FERREIRA MENDES
Advogado-Geral da União
JOSÉ GREGORI
Ministro de Estado da Justiça
Aviso n!l 905 - C. Civil.
Em 7 de agosto de 2001 .
Senhor Primeiro Secretário,
Encaminho a essa Secretaria Mensagem do Excelentíssimo Senhor Presidente da
República relativa ao projeto de lei que "Dísciplina o mandado de segurança individual e coletivo,
e dá outras providências".
Atenciosamente,
d~ Chefe da Casa Civil
da Presidência da República
A Sua Excelência o Senhor
Deputado SEVERTNO CA VALCANTf
Primei~o Secretário da Câmara dos Deputados
BRASILIA-DF.
Secretaria Especial de Editoração e Publicações do
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