Caso Berezovsky
Supremo suspende multa aplicada a criminalistas
Por Lilian Matsuura
Os advogados criminalistas Alberto Zacharias Toron e Roberto Podval estão liberados, pelo menos por enquanto, de pagar multar de R$ 37 mil, cada um, por litigância de má-fé. A multa foi imposta pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, no processo contra o empresário russo Boris Berezovsky. A liminar que suspende a multa foi dada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, primeiro para Toron e depois estendida para Podval.
Na Reclamação enviada ao Supremo, Toron argumentou que De Sanctis desrespeitou decisão em que o STF anulou a Ação Penal contra o empresário russo desde a fase de interrogatórios. Ele apresentou Incidente de Exceção de Suspeição contra o juiz da 6ª Vara Federal Criminal. Como já havia alegado a suspeição do juiz, antes da decisão do STF, e há recurso pendente no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, De Sanctis considerou que Toron estava agindo de má-fé. Na sentença em que julgou extinta a exceção, o juiz aplicou a multa, determinou que a Procuradoria Nacional da Fazenda fosse oficiada para a cobrança do débito e que a OAB-SP e o Conselho Nacional de Justiça fossem informados de sua decisão.
Contra o que disse o juiz em seu despacho, o advogado afirmou que a apresentação do novo incidente de exceção de suspeição se deu porque todos os atos processuais desde a fase de interrogatórios foram suspensos pela 2ª Turma do Supremo. E pediu para que o TRF-3 reconhecesse a perda de objeto do recurso que lá estava pendente. Não obstante o apelo interposto, referida decisão, além de disparatada, negou a autoridade da decisão deste egrégio Supremo Tribunal Federal que anulou o feito a partir dos interrogatórios, inclusive. Por essa razão, justifica-se a interposição da presente reclamação, argumentou o advogado.
O ministro Celso de Mello, em seu despacho, não entrou no mérito da discussão. Afirmou apenas que não se pode questionar o uso de Reclamação no caso, diante do argumento de que houve desrespeito a decisão por ele mesmo relatada na suprema corte. Invalidado o processo, desde o interrogatório, inclusive, parece não subsistir a exceção de suspeição oposta em momento posterior a referido interrogatório, escreveu.
Diante disso, o ministro concluiu que o descumprimento, por qualquer juiz ou tribunal, de decisões proferidas pelo Supremo autoriza o uso de Reclamação, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à suprema corte, a integridade, a autoridade e a eficácia dos comandos que emergem de seus atos decisórios, na linha do magistério jurisprudencial consagrado por este tribunal. Para analisar o mérito da questão, o ministro pediu informações ao juiz Fausto Martin De Sanctis. O mesmo entendimento foi estendido no caso de Podval.
O Conselho Federal da OAB, em sessão plenária na segunda-feira (17/8), aprovou desagravo ao secretário-geral adjunto da entidade, Alberto Zacharias Toron, e ao advogado Roberto Podval. A proposição foi feita pelo conselheiro federal por Rondônia, Orestes Muniz Filho, sob a justificativa de que Toron foi ofendido no seu exercício profissional. Os 81 conselheiros federais criticaram a decisão do juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo.
Abaixo a decisão do ministro Celso de Mello.
MED. CAUT. EM RECLAMAÇÃO 8.744-1 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
RECLAMANTE(S) : BORIS ABRAMOVICH BEREZOVSKY
ADVOGADO(A/S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)
ADVOGADO(A/S) : HELOISA ESTELLITA
RECLAMADO(A/S) : JUIZ FEDERAL DA 6ª VARA CRIMINAL FEDERAL
DE SÃO PAULO (PROCESSO Nº
2009.61.81.006145-8)
DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida
liminar, na qual se sustenta que o ato judicial ora questionado
emanado do MM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo -
teria desrespeitado a autoridade da decisão que o Supremo Tribunal
Federal proferiu no julgamento do HC 94.016/SP, de que sou Relator.
O ato de que ora se reclama (fls. 231/300), alegadamente
transgressor da autoridade da decisão que esta Suprema Corte
proferiu no julgamento do HC 94.016/SP, ao declarar extintas, sem
resolução de mérito, as exceções de suspeição opostas pelo ora
reclamante, por Kiavash Joorabchian e Nojan Bedroud, determinou as
seguintes medidas (fls. 299/300):
Isto posto, como se trata de evidente má-fé por parte
de ambas as Defesas porquanto opuseram arguições
anteriormente opostas e que se encontram pendentes de
julgamento junto ao Egrégio Tribunal Regional Federal,
APLICO A PENA de litigância de má-fé, condenando os
excipientes, cada qual, a pagar multa no valor de
R$ 37.200,00 (correspondente a 80 salários mínimos),
aplicado neste patamar diante do patente abuso de direito
nos termos dos artigos 17 e 18, ambos do Código de Processo
Civil, artigos 265 e 3º, ambos do Código de Processo Penal,
aplicáveis analogicamente, e ainda, nos termos dos
artigos 32, 33 e 34, VI, 1ª figura (advogar contra literal
disposição de lei) e XIV (deturpar o teor de dispositivo de
lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de
depoimentos, documentos e alegações da parte contrária,
para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa),
todos da Lei n.º 8.906, de 04.07.1994, bem como os
artigos 2º, parágrafo único, VII, e 6º, ambos do Código de
Ética e Disciplina.
Ante o exposto, JULGO EXTINTAS AS EXCEÇÕES opostas, sem
resolução de mérito, com fundamento no artigo 267,
inciso V, do Código de Processo Civil, c.c. o artigo 3º do
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estatuto processual penal, encaminhando-se cópia integral
para ciência da Excelentíssima Senhora Desembargadora
Federal, Cecília Mello, Relatora das Exceções já ajuizadas
pelos excipientes sob nº 2007.61.81.014761-7 e
2007.61.81.014762-9.
.......................................................
Oficie-se à Procuradoria da Fazenda Nacional para
inscrição em débito e expedição da respectiva Certidão de
Dívida Ativa para cobrança, nos termos da Lei n.º 6.830 de
22.09.1980.
Oficie-se ao Conselho Nacional de Justiça CNJ e à
Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo -
OAB/SP, para ciência, encaminhando-se cópia da presente
decisão. (grifei)
Aduz, a parte reclamante, para justificar o alegado
desrespeito à autoridade do julgamento proferido por esta Suprema
Corte, em síntese, as seguintes considerações (fls. 04/09):
Comunicado o resultado do julgamento dos embargos no
HC 94.016 (acórdão ainda pendente de publicação), o Reclamado
determinou a retomada imediata do andamento do feito e, em
conformidade com as novas regras procedimentais, a intimação
dos acusados para apresentarem resposta à acusação nos termos
do artigo 396 do CPP (doc. 8).
6. Apesar de ainda não publicado o acórdão dos embargos
de declaração, o ora Reclamante, em mais uma demonstração de
boa-fé e jamais imaginando que o que ora se narra poderia
acontecer (se soubesse, teria manejado antes a reclamação),
cumpriu a determinação do magistrado, apresentando sua
resposta à acusação, juntamente com nova exceção de suspeição
do julgador (docs. 9 e 10).
7. E eis que, em 17 de julho de 2009, o Reclamante é
surpreendido pela insólita decisão ora guerreada, julgando
extinta a exceção de suspeição e aplicando-lhe pena
pecuniária de litigância de má fé ao ora Reclamante (...):
......................................................
O Reclamante apresentou nova exceção de suspeição pela
singela, clara e lógica razão de que, tendo o processo sido
anulado desde os interrogatórios (inclusive), nos exatos
termos do v. acórdão proferido no julgamento do HC 94.016, é
evidente que a mácula atingiu também a exceção de suspeição
anteriormente apresentada, sob a égide do revogado
procedimento, ou seja, juntamente com a defesa prévia (esta
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também alvo da anulação) que, como é comezinho, era sempre
apresentada após os interrogatórios (...).
......................................................
Destarte, ainda que a decisão de recebimento da
denúncia, que era a principal - mas não a única - causa da
primeira exceção de suspeição, não tenha sido anulada, a
argüição da suspeição, que é posterior aos interrogatórios
anulados (protocolada em 14/11/2007), pela regra inserida
no artigo 573, § 1°, do CPP, fora alvo da nulidade.
13. Mas não é só. A primeira exceção de suspeição
também se baseou em atos judiciais praticados após a
realização dos interrogatórios, especificamente, argüiu-se
que a negativa de acesso a provas mencionadas na denúncia
e na decisão que a recebeu, datada de outubro de 2007,
também demonstraria ausência de isenção para apreciar a
causa (...).
14. Ou seja, por qualquer ângulo que se examine a
questão, o Reclamante tinha farta fundamentação legal e
fática para entender que a primeira exceção de suspeição,
já em processamento perante o e. TRF da 3ª Região, viria a
ser julgada prejudicada assim que transitasse em julgado o
v. acórdão proferido no HC 94.016 por essa egrégia Corte, e
que, portanto, deveria reapresentar a questão em sua
primeira manifestação nos autos da ação penal assim que
retomasse seu curso. É evidente, ao contrário do que
sustentou o Reclamado, a boa-fé do Reclamante e de seus
defensores.
15. E nesse ponto, eminente Ministro, parece ter-se
valido o nobre Magistrado de Primeiro Grau de dois pesos e
duas medidas para atender à decisão dessa Corte. Porque,
se assim não fosse, ou seja, se não entendesse estivessem
anulados todos os atos processuais - do juiz e das partes -
a partir dos interrogatórios (inclusive), por que o
magistrado determinou que os acusados apresentassem
resposta à acusação? Por que, simplesmente, não manteve as
defesas prévias anteriormente apresentadas? A resposta é
evidente: não poderia fazê-lo, pois tais atos foram
anulados por esse Excelso Pretório.
16. Assim, à evidência, não está configurada a hipótese
de incidência invocada pelo magistrado - a litispendência -
pelo simples fato de que a única exceção de suspeição
válida é aquela à qual, agora, ilegalmente recusou
seguimento o Reclamado. A primeira foi atingida pela
nulidade declarada por esse egrégio Excelso Pretório e seu
processamento só não foi julgado prejudicado porque, como
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já se disse, o acórdão dessa Corte no HC 94.016 ainda não
transitou em julgado.
.......................................................
19. Assim, com o claro, franco e límpido intuito,
expressamente manifestado, de preservar o direito do
Reclamante a um processo justo, conduzido por magistrado
claramente imparcial, é que argüiu nova exceção de
suspeição, na oportunidade legalmente adequada, ou seja, em
sua primeira manifestação após a (indevida) retomada do
curso do processo determinada pelo próprio Reclamado.
20. A decisão ora combatida desafia reclamação para
essa egrégia Corte Constitucional, e por duplo fundamento.
21. O primeiro deles consubstanciado na necessidade de
garantir autoridade de decisão dessa egrégia Corte no
HC 94.016 (art. 13, segunda parte, Lei n. 8.038/90).
Porque, o magistrado, ao julgar extinta a exceção, limitou
a decisão dessa egrégia Corte, o que equivale a negar,
ainda que parcialmente, a autoridade da decisão que anulou
o feito a partir dos interrogatórios (inclusive).
22. O segundo, para preservar a competência dessa Corte
quanto aos efeitos da nulidade declarada nos autos do
HC 94.016 (art. 13, primeira parte, Lei n. 8.038/90).
Porque, conforme determinação do artigo 573, § 3º, do CPP,
o juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que
ela se estende. Ou seja, tendo sido esse egrégio Supremo
Tribunal Federal o juiz que pronunciou a nulidade,
somente a essa Corte compete declarar os atos a que ela se
estende, e jamais ao juízo de primeiro grau. Daí o segundo
fundamento da presente reclamação. (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de medida
liminar.
E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos na
presente sede reclamatória parecem evidenciar o alegado desrespeito
ao que decidido, por esta Suprema Corte, no julgamento do
HC 94.016/SP, de que sou Relator, revelando-se suficientes para
justificar, na espécie, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida
pelo reclamante.
Com efeito, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, ao apreciar o HC 94.016/SP, de que sou Relator, concedeu,
de ofício, a ordem de habeas corpus, para anular, desde os
interrogatórios judiciais dos demais co-réus, inclusive, realizados
sem a co-participação da defesa do ora reclamante, o ProcessoRcl
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-crime nº 2006.61.81.008647-8, em curso perante a 6ª Vara Federal
Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo.
O julgamento em questão, que foi confirmado em sede de
embargos de declaração, restou consubstanciado em acórdão assim
ementado:
HABEAS CORPUS SÚMULA 691/STF INAPLICABILIDADE AO
CASO OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AFASTA A
RESTRIÇÃO SUMULAR - ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL
IRRELEVÂNCIA - CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA
COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS E LEGAIS - PLENITUDE DE ACESSO, EM
CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA
LIBERDADE NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS
PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO
CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA - A GARANTIA
CONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW COMO EXPRESSIVA
LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO
PENAL E PROCESSO PENAL) - O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA
DE GARANTIA DO DUE PROCESS - INTERROGATÓRIO JUDICIAL -
NATUREZA JURÍDICA MEIO DE DEFESA DO ACUSADO -
POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS
PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS CO-RÉUS,
NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM
COLIDENTES - PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE
DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA - PRECEDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (PLENO) - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA -
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO HABEAS CORPUS
CONCEDIDO EX OFFICIO, COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AOS
CO-RÉUS.
DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR SÚMULA 691/STF
SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
admitido o afastamento, hic et nunc, da Súmula 691/STF,
em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da
jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule
situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta
ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie.
O SÚDITO ESTRANGEIRO, MESMO AQUELE SEM DOMICÍLIO NO
BRASIL, TEM DIREITO A TODAS AS PRERROGATIVAS BÁSICAS QUE
LHE ASSEGUREM A PRESERVAÇÃO DO STATUS LIBERTATIS E A
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OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL
DO DUE PROCESS.
- O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no
Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio
constitucional do habeas corpus, em ordem a tornar
efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito
subjetivo, de que também é titular, à observância e ao
integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas
que compõem e dão significado à cláusula do devido processo
legal.
- A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a
circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em
nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de
qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório.
Precedentes.
- Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo
ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos
básicos que resultam do postulado do devido processo legal,
notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla
defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as
partes perante o juiz natural e à garantia de
imparcialidade do magistrado processante.
A ESSENCIALIDADE DO POSTULADO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL,
QUE SE QUALIFICA COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA PRÓPRIA
PERSECUTIO CRIMINIS.
- O exame da cláusula referente ao due process of law
permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua
configuração como expressiva garantia de ordem
constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua
inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a)
direito ao processo (garantia de acesso ao Poder
Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio
do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e
célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao
contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa
e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e
julgado com base em leis ex post facto; (f) direito à
igualdade entre as partes; (g) direito de não ser
processado com fundamento em provas revestidas de
ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade;
(i) direito à observância do princípio do juiz natural;
(j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-
-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de
presença e de participação ativa nos atos de
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interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais
passivos, quando existentes.
- O direito do réu à observância, pelo Estado, da
garantia pertinente ao due process of law, além de
traduzir expressão concreta do direito de defesa, também
encontra suporte legitimador em convenções internacionais
que proclamam a essencialidade dessa franquia processual,
que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de
defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que
amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal,
mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em
território brasileiro, aqui processado por suposta prática
de delitos a ele atribuídos.
O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU.
- Em sede de persecução penal, o interrogatório
judicial notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003
qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não
ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo
magistrado processante, também não pode sofrer qualquer
restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício,
sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina.
Precedentes.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE UM DOS LITISCONSORTES PENAIS
PASSIVOS, INVOCANDO A GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW, VER
ASSEGURADO O SEU DIREITO DE FORMULAR REPERGUNTAS AOS CORÉUS,
QUANDO DO RESPECTIVO INTERROGATÓRIO JUDICIAL.
- Assiste, a cada um dos litisconsortes penais
passivos, o direito fundado em cláusulas constitucionais
(CF, art. 5º, incisos LIV e LV) de formular reperguntas
aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a
respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-
-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a
essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária
recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas,
qualifica-se como causa geradora de nulidade processual
absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto
constitucional do direito de defesa. Doutrina. Precedente
do STF.
(HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A parte ora reclamante alega, na presente causa, que a
primeira exceção de suspeição foi posterior aos interrogatórios
anulados e que, por isso, fora alvo da nulidade (fls. 06).
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Esse específico aspecto da presente reclamação afigura-se-me
relevante, pois, invalidado o processo, desde o interrogatório,
inclusive, parece não subsistir a exceção de suspeição oposta em
momento posterior a referido interrogatório.
A ocorrência de possível desrespeito à autoridade da
decisão ora invocada como paradigma estaria a legitimar a
utilização, na espécie, do instrumento constitucional da reclamação.
Com efeito, todos sabemos que a reclamação, qualquer que
seja a natureza que se lhe atribua - ação (PONTES DE MIRANDA,
Comentários ao Código de Processo Civil, tomo V/384, Forense),
recurso ou sucedâneo recursal (MOACYR AMARAL SANTOS, RTJ 56/546-548;
ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, O Poder Judiciário e a Nova
Constituição, p. 80, l989, Aide), remédio incomum (OROSIMBO NONATO,
apud Cordeiro de Mello, O processo no Supremo Tribunal Federal,
vol. 1/280), incidente processual (MONIZ DE ARAGÃO, A Correição
Parcial, p. 110, 1969), medida de direito processual constitucional
(JOSÉ FREDERICO MARQUES, Manual de Direito Processual Civil,
vol. 3º, 2ª parte, p. 199, item n. 653, 9ª ed., l987, Saraiva) ou
medida processual de caráter excepcional (Ministro DJACI FALCÃO,
RTJ 112/518-522) -, configura instrumento de extração constitucional
destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de
ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia
da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102,
I, l), consoante tem enfatizado a jurisprudência desta Corte
Suprema (RTJ 134/1033, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Vale referir, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal tem enfatizado que a reclamação reveste-se de
idoneidade jurídico-processual, quando utilizada com o objetivo de
fazer prevalecer a autoridade decisória dos julgamentos emanados
desta Corte, notadamente quando impregnados de eficácia vinculante
(RTJ 169/383-384 RTJ 183/1173-1174 RTJ 187/150-152, v.g.).
A destinação constitucional da via reclamatória, portanto -
segundo acentua, em autorizado magistério, JOSÉ FREDERICO MARQUES
(Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV/393, 2ª ed.,
Forense) -, além de vincular esse meio processual à preservação da
competência global do Supremo Tribunal Federal, prende-se ao
objetivo específico de salvaguardar a extensão e os efeitos dos
julgados desta Suprema Corte.
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Esse saudoso e eminente jurista, ao justificar a
necessidade da reclamação - enquanto meio processual vocacionado à
imediata restauração do imperium inerente à decisão
desrespeitada -, assinala, em tom de grave advertência, a própria
razão de ser desse especial instrumento de defesa da autoridade
decisória dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal (Manual
de Direito Processual Civil, vol. 3/199-200, item n. 653, 9ª ed.,
1987, Saraiva):
O Supremo Tribunal, sob pena de se comprometerem as
elevadas funções que a Constituição lhe conferiu, não pode
ter seus julgados desobedecidos (por meios diretos ou
oblíquos), ou vulnerada sua competência. Trata-se (...) de
medida de Direito Processual Constitucional, porquanto tem
como causa finalis assegurar os poderes e prerrogativas que
ao Supremo Tribunal foram dados pela Constituição da
República. (grifei)
Mostra-se irrecusável concluir, desse modo, que o
descumprimento, por quaisquer juízes ou Tribunais, de decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal autoriza a utilização da
via reclamatória, vocacionada, em sua específica função processual,
a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema Corte,
a integridade, a autoridade e a eficácia dos comandos que emergem de
seus atos decisórios, na linha do magistério jurisprudencial
consagrado por este Tribunal (RTJ 187/150-152, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, v.g.).
Plenamente justificável, assim, a utilização, no caso, do
instrumento constitucional da reclamação.
Como precedentemente assinalado, tenho por demonstrada,
ainda que em juízo de estrita delibação, a plausibilidade jurídica
da pretensão cautelar deduzida pela parte ora reclamante, que também
comprovou a ocorrência, na espécie, de situação configuradora de
periculum in mora (fls. 15, item n. 42).
Sendo assim, e sem prejuízo de ulterior reapreciação da
matéria, quando do julgamento final da presente reclamação,
defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender,
cautelarmente, a eficácia e a execução da decisão proferida nos autos
do Processo n. 2009.61.81.006145-8 (Incidente de Exceção de Suspeição)
até o julgamento final desta reclamação (fls. 15 - grifei).
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Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente
decisão ao MM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo
(Exceção de Suspeição nº 2009.61.81.006145-8) e à eminente Senhora
Desembargadora Federal CECÍLIA MELLO, Relatora, no E. Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, das Exceções de Suspeição nº 2007.61.81.014761-7 e
nº 2007.61.81.014762-9.
2. Requisitem-se informações à autoridade judiciária que
figura como reclamada na presente causa.
Publique-se.
Brasília, 20 de agosto de 2009.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
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