VOTO-VISTA MINISTRO CARLOS VELLOSO. INTEIRO TEOR. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS.
(16/9/2004)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.105-8 DISTRITO FEDERAL RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE REQUERENTE(S): ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONAMP ADVOGADO(A/S): ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA E OUTRO(A/S) REQUERIDO(A/S): CONGRESSO NACIONAL
TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.105-8 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Relator): Sustento, Sr. Presidente, de longa data, que o constituinte derivado deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, que constituem garantias constitucionais da segurança jurídica.
Ainda sob o pálio da Constituição pretérita, que não estabelecia, expressamente, como cláusula pétrea, os direitos e garantias individuais, sustentei, no ano de 1971, como juiz federal em Minas, que uma emenda constitucional não poderia afrontar as garantias do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. É que, consagrando a Constituição tais garantias, não seria possível ao constituinte derivado afrontá-las, certo que a afirmativa no sentido de que a emenda constitucional passa a integrar o texto constitucional e, assim, seria a própria Constituição que estaria a excepcionar a regra, há de ser entendida cum grano salis. É que, se fosse admissível a afirmativa, ficaria a Constituição contraditória com ela própria. É nesse sentido, aliás, a lição de Caio Mário da Silva Pereira (Caio Mário da Silva Pereira, "Instituições de Direito Civil", Forense, Rio, 1961, vol. I, pág. 125). Naquela época, poucos constitucionalistas se dedicavam ao tema. Interessante que o ilustre Procurador da entidade de direito público ??a UFMG ? que sustentara tese contrária, está presente nesta sessão. Transformei a sentença em artigo de doutrina, que o saudoso Geraldo Ataliba publicou na Rev. de Direito Público nº 21/174. O artigo sob o título "Servidor Público - Aposentadoria - Direito Adquirido - Das Limitações do Poder Constituinte Derivado" está reproduzido no meu "Temas de Direito Público", Del Rey Ed., Belo Horizonte, lª ed., 2ª tiragem, 1997, págs. 457 e segs.).
Tenho, pois, Sr. Presidente, compromisso com a tese jurídica acima exposta.
Todavia, Srs. Ministros, a questão aqui debatida assume contornos diferentes, contornos diversos.
Com efeito.
Desde o meu tempo de juiz federal em Minas e, sobretudo, de ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos e do Superior Tribunal de Justiça, que perfilho o entendimento, na linha dos melhores mestres de Direito Constitucional Tributário ??Geraldo Ataliba, Aliomar Baleeiro, Rubens Gomes de Souza, Sacha Calmon, Paulo de Barros Carvalho, Misabel Derzi, Roque Carrazza, José Souto Maior Borges, Luciano Amaro, Hugo de Brito Machado, dentre outros ?, de que as contribuições previdenciárias constituem espécie tributária. Até a promulgação da Constituição de 1988, a questão apresentava polêmica. Existiam os que, ardorosos fiscalistas, não emprestavam às contribuições previdenciárias caráter tributário. A Constituição de 1988 acabou com a polêmica, consagrando o caráter tributário dessas contribuições.
O Sistema Tributário inscrito na Carta Política vigente tem como componentes os tributos, que são 1) os impostos (C.F., art. 145, I: arts. 153, 154, 155, 156), 2) as taxas de serviço e de polícia (C.F., art. 145, II), 3) as contribuições, que se constituem em 3.1. contribuições de melhoria (C.F., art. 145, III), 3.2. contribuições parafiscais, que se classificam em 3.2.1 contribuições sociais (C.F., art. 149), que se desdobram em 3.2.1.1. contribuições de seguridade social (C.F., art. 195), 3.2.1.2. contribuições de seguridade social decorrentes de novas fontes (C.F., art. 195, § 4º) e 3.2.1.3. contribuições sociais gerais (salário educação, art. 212, § 5º, FGTS, PIS, contribuições do sistema "S", SENAI, SENAC, SESI (C.F., arts. 239, 240). Finalmente, as contribuições parafiscais podem ser 3.2.2. especiais, que são as contribuições 3.2.2.1. de intervenção (C.F., art. 149) e 3.2.2.2. corporativas (C.F., art. 149). Recentemente, a EC 39/2002, diante de decisão do Supremo Tribunal Federal, declarando inconstitucional a taxa de iluminação pública, instituiu a contribuição municipal e distrital para o custeio do serviço de iluminação pública (C.F., art. 149-A).
Ao cabo, compõem o Sistema Tributário Constitucional os empréstimos compulsórios (C.F., art. 148, I e II).
Não há mais dúvida, não há mais polêmica: as contribuições previdenciárias, hoje denominadas contribuições de seguridade social, são espécies tributárias.
O Código Tributário Nacional estabelece, no art. 4º, que "A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificála: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação."
No que concerne, entretanto, às contribuições parafiscais, essa regra, constante de norma infraconstitucional, não prevalece. É que, por força de disposição constitucional, a destinação do produto da arrecadação dessas contribuições constitui característica destas (C.F., art. 149 e 149-A). A lição da professora Misabel Derzi é significativa: escrevendo sobre as contribuições parafiscais, acentua a eminente mestra que "a sua peculiaridade reside essencialmente na destinação do produto arrecadado, que é constitucionalmente determinada."
Mais: "A Constituição de 1988 não denomina os tributos, finalisticamente afetados, de impostos, mas de contribuições ou de empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhes é própria relevância não apenas do ponto de vista do Direito Financeiro ou Administrativo, mas igualmente do Direito Tributário (ou Constitucional)." (Misabel Derzi, em Aliomar Baleeiro, "Direito Tributário Brasileiro", que Misabel atualizou, Ed. Forense, 11ª ed., 1999, pág. 1033).
No mesmo sentido: Hugo de Brito Machado, "Curso de Direito Tributário", Malheiros Ed., 23ª ed., pág. 72; Roque Carrazza, "Curso de Direito Constitutional Tributário", Malheiros Ed., 19ª ed., 2003, pág. 515.
Assim, a contribuição de seguridade social financia a seguridade social (C.F., art. 195; art. 167, VII e XI), as contribuições sociais gerais visam financiamentos específicos, como, por exemplo, o salário-educação, que financia o ensino fundamental público (C.F., art. 212, § 5°). As contribuições de intervenção constituem instrumento de atuação da União (C.F., art. 149). A contribuição denominada CIDE, contribuição de intervenção no domínio econômico, o produto de sua arrecadação tem destinação certa (C.F., art. 177, § 4º, II, a, b, c). Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, julgou inconstitucional ato normativo que destinava citada contribuição para finalidade outra que não a prevista na Constituição. As contribuições corporativas financiam entidades representativas das categorias profissionais, como, por exemplo, a contribuição para a OAB (C.F., art. 149).
Examinemos a contribuição de seguridade social. Esta, conforme foi dito, financia a seguridade social: C.F., art. 195; art. 167, VIII e XI. A contribuição do trabalhador e demais segurados não objetiva financiar apenas um certo benefício ou certos benefícios. Financiam, sim, a seguridade social. Vale transcrever o art. 195, II, da Constituição Federal:
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (EC 20/98 e EC 42/2003) I. - .......................................... II. - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;"
O financiamento da seguridade social tem uma marca, o da solidariedade: toda a sociedade participa desse financiamento, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios, e das contribuições sociais, dentre essas, a dos trabalhadores e demais segurados.
O conceito de seguridade social está na Constituição, art. 194, que proclama: "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social."
É dizer, a seguridade social, segundo a Constituição, art. 194, assenta-se numa tripeça: saúde, previdência social e assistência social.
A contribuição de seguridade social, espécie tributária, é instituída, portanto, não para o fim específico de obtenção do benefício aposentadoria, mas para o financiamento da seguridade social, nesta compreendida a previdência social, certo que são diversos os benefícios que podem ser concedidos, registrou o Ministro Eros Grau, mesmo porque, vale repetir, a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.
Estabelecido, então, que a contribuição aqui tratada é um tributo e que ela se destina a financiar a seguridade social, compreendendo esta a saúde, a previdência social e a assistência social, examinemos se seria possível afastar da incidência do tributo, sem previsão expressa, uma certa classe de servidores públicos, a dos inativos, certo que no julgamento do RE 163.204/SP, invoquei lição do professor Haroldo Valadão no sentido de que "a aposentadoria e a reforma acham-se, também, ligadas diretamente ao cargo ou ao posto do inativo, como direito ou vantagem dele conseqüente. Os aposentados são funcionários públicos de uma categoria especial, são funcionários inativos" (RTJ 166/267- 274).
Sr. Presidente, não há direito em não ser tributado, a menos que esteja a pessoa, física ou jurídica, abrangida por imunidade tributária. Uma lei que institua, com observância dos princípios constitucionais tributários, um tributo, que descreva em abstrato a hipótese de incidência, a base de cálculo ou base imponível, a alíquota, o sujeito ativo e o sujeito passivo, atinge a todos os sujeitos passivos que realizarem, em concreto, a hipótese de incidência descrita, em abstrato, na lei.
Os servidores públicos ??ativos e inativos ??não são contemplados por imunidade tributária relativamente à contribuição de seguridade social. As imunidades, relativamente à essa contribuição, são estas: 1) do art. 195, § 7º, posta na Constituição como isenção, mas que, na realidade, é imunidade tributária: "São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei." (C.F., art. 195, § 7º); 2) a dos aposentados e pensionistas do regime geral da previdência social de que trata o art. 201 da Constituição, que gozam de imunidade tributária relativamente à contribuição de seguridade social (C.F., art. 195, II). No texto primitivo da Constituição vigente não havia proibição expressa da incidência da contribuição sobre os proventos dos servidores públicos. A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, incluiu, no art. 40, o § 6º, com a seguinte redação: "§ 6°. As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores públicos, na forma da lei."
Esse dispositivo constitucional foi trazido à apreciação do Supremo Tribunal Federal nas ADIs 1.441/DF, Relator o Ministro Octavio Gallotti, e 1.430/BA, Relator o Ministro Moreira Alves.
Na ADI 1.441-MC/DF, Relator o Ministro Octavio Gallotti, o Supremo Tribunal Federal indeferiu a cautelar de suspensão da eficácia das normas legais objeto da causa.
Assim a ementa do acórdão:
"EMENTA: - Extensão, aos proventos dos servidores públicos inativos, da incidência de contribuição para o custeio da previdência social. Insuficiente relevância, em juízo provisório e para fins de suspensão liminar, de argüição de sua incompatibilidade com os artigos 67; 195, II; 40, § 6º; 194, IV e 195, §§ 5º e 6°, todos da Constituição Federal. Medida cautelar indeferida, por maioria." ("DJ" de 18.10.96) No seu voto, o eminente Ministro Octavio Gallotti acentuou:
"(...) Chego, assim, ao âmago da proposição dos requerentes, que exclui os servidores aposentados da permissão contida no § 6º, acrescentado, ao art. 40 da Constituição, pela Emenda n° 3, de 17 de março de 1993: '§ 6º. As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei."
Ao contrário dos trabalhadores na iniciativa privada, que nenhum liame conservam com seus empregadores após a rescisão do contrato de trabalho pela aposentadoria, preservam os servidores aposentados um remarcado vínculo de índole financeira, com a pessoa jurídica de direito público para que hajam trabalhado. Não é por outro motivo que interdições, tais como a imposição do teto de remuneração e as proibições de vinculação ou equiparação de vencimentos, do cômputo de acréscimos pecuniários percebidos ao mesmo título, bem como a de acumulação remunerada (incisos XI, XIII, XIV e XVI do art. 37 da Constituição), são por igual aplicáveis tanto a servidores ativos como a inativos, no silêncio da Constituição.
Essa perfeita simetria, entre vencimentos e proventos, é realçada pela disposição do § 4° do art. 40 da Constituição:
"§ 4°. Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei."
Contraste-se essa norma, concernente aos servidores públicos, com a do art. 201, § 2°, destinada aos segurados do regime geral da Previdência Social, e ver-se-á que, enquanto para estes últimos é somente estatuída a preservação do valor real do benefício original, são àqueles são estendidos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos funcionários em atividade, até mesmo os decorrentes de transformação ou reclassificação do cargo ou função.
Dita correlação, capaz de assegurar aos inativos aumentos reais, até os motivados pela alteração das atribuições do cargo em atividade, compromete o do argumento dos requerentes, no sentido de que não existiria causa eficiente para a cobrança de contribuições do aposentado, cujos proventos são suscetíveis, como se viu, de elevação do próprio valor intrínseco, não apenas da sua representação monetária, como sucede com os trabalhadores em geral.
Entendo, por fim, que a cláusula de vigência a partir da publicação não está a merecer a crítica de inconstitucionalidade por omissão que lhe irrogam os requerentes. A vigência antecipada da norma instituidora da contribuição é o pressuposto necessário do termo inicial do prazo de noventa dias, indispensável à sua exigibilidade, jamais podendo ser, por isso mesmo, com esta incompatível.
Se efetuada antes do prazo, será de arguir-se a inconstitucionalidade da execução da cobrança precoce, jamais a do diploma que haja julgado dispensável tornar expressa a recomendação de dar-se cumprimento à Constituição, em seu art. 195, § 6°.
Falta portanto, a meu ver, no juízo provisório próprio da apreciação de liminar, relevância jurídica para a sua concessão, não sendo demais observar, ainda, que da execução da norma impugnada, não decorre a ineficácia da decisão de mérito que venha, porventura, a dar pela procedência da ação.
Indefiro, dessarte, o requerimento cautelar."
Na ADI 1.430-MC/BA, Relator o Ministro Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal indeferiu a cautelar, portando o acórdão a seguinte ementa:
"EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Argüição de inconstitucionalidade de expressões e de incisos constantes da Lei nº 6.915, de 10.11.95, do Estado da Bahia. Custeio da previdência mediante contribuição dos servidores inativos e dos pensionistas. - A fundamentação jurídica do pedido não tem a relevância necessária para a concessão da cautelar requerida. Precedente do S.T.F. (ADIN 1.441, em que se indeferiu o pedido de liminar) com relação à contribuição social para os servidores inativos da União. Pedido de liminar indeferido." ("DJ" de 13.12.96)
A EC 20, de 1998, entretanto, introduziu a nãoincidência da contribuição sobre os aposentados e pensionistas.
Quando do julgamento da ADI 2.010-MC/DF, alinheime entre os que concederam a cautelar para suspensão da eficácia do art. 1º da Lei 9.783, de 1999, sobre o fundamento de que a EC 20, de 1998, não permitia a cobrança de contribuições sobre os proventos dos servidores aposentados e dos pensionistas.
Disse eu no voto que proferi na citada ADI 2.010- MC/DF:
"Gostaria de dizer duas palavras a respeito, não obstante a questão já estar decidida. Quero documentar a minha posição. Na redação do § 6° do art. 40 da CF, sem a EC 20, de 15.12.98, a questão se limitava a esta indagação: os servidores inativos estariam abrangidos entre os 'servidores públicos' ali referidos? É que o citado § 6° do art. 40, sem a EC 20, de 1988, estabelecia que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais seriam custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei.
Acontece que a EC 20, de 1988, eliminou o citado § 6º do art. 40. É dizer, retirou a regra que poderia emprestar legitimidade constitucional à contribuição dos servidores aposentados. Com a redação da EC 20, no caput do art. 40 da CF, estabeleceu-se que aos servidores titulares de cargos efetivos 'é assegurado o regime de previdência de caráter contributivo.' Indada-se: o servidor aposentado seria titular de cargo efetivo? A resposta parece-me negativa, já que o servidor aposentado não é mais titular de cargo efetivo. A conclusão, então, é que a Constituição, com a EC 20, de 1998, não autoriza cobrar contribuição do servidor inativo. Esta conclusão mais se reforça diante do disposto do § 12 do art. 40, redação da EC 20, ao estabelecer que 'além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.'
Vamos, então, ao regime da seguridade social, inscrito na Constituição, arts. 194 e seguintes. O art. 195, com a redação da EC 20, dispõe exatamente sobre o financiamento da seguridade social (art. 195, I e II). E no que toca às contribuições dos demais segurados da previdência social, entre os quais se incluem os servidores públicos ??art. 195, II ??expresso está que não 'incidirá contribuição sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.'
A conclusão, pois, é que não há autorização constitucional para a cobrança de contribuição de seguridade social dos servidores aposentados e dos pensionistas.
Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator e defiro, no ponto, a cautelar." Vejam bem. Deferi a suspensão cautelar do art. 1º da Lei 9.783, de 1999, simplesmente porque a EC 20, de 1998, não autorizava a incidência da contribuição sobre os proventos dos servidores aposentados.
Especulou-se, muito, com esse meu voto. A mídia veiculou, diversas vezes, que o meu voto, nesta ação direta que estamos julgando, deveria ser em favor dos aposentados e pensionistas, porque eu já me manifestara dessa forma na ADI 2.010/DF, cujo voto foi acima transcrito.
Mas o que acontece, Sr. Presidente, é que, no caso, estamos diante de Emenda Constitucional, a EC 41, de 2003. Na ADI 2.010/DF, argüiu-se a inconstitucionalidade de lei ordinária frente à Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Agora, não há apenas autorização constitucional para a instituição da contribuição; agora, a EC 41, de 2003, expressamente estabelece a incidência do tributo (EC 41/2003, art. 4º).
Não há como deixar de reconhecer, Sr. Presidente, a constitucionalidade do referido artigo 4º, da EC 41, de 2003, por isso que não há falar em direito adquirido a não ser tributado, a não submeter-se a um tributo instituído por lei com observância dos princípios constitucionais tributários. Somente escapam da incidência tributária legitimamente instituída, vale dizer, instituída com observância dos princípios constitucionais tributários, as pessoas, físicas e jurídicas, abrangidas por imunidade tributária. Imunidade tributária não há, no caso. Uma palavra, Sr. Presidente, em termos metajurídicos, argumentos metajurídicos que, entretanto, nenhuma influência tiveram na elaboração deste voto, mas que devem ser ditos tendo em vista que muitos trouxeram para o debate considerações dessa ordem.
A seguridade social é financiada, em termos solidários, por toda a sociedade, pelas contribuições e pelos orçamentos federais, estaduais, municipais e distritais. Se a previdência social está amargando déficit no pagamento das aposentadorias e pensões dos servidores públicos, muitas e muitas delas com pingues proventos ??centenas de aposentados ainda moços, que trabalham em diversos setores do mercado de trabalho ??esses proventos estariam sendo financiados pela sociedade. O trabalhador de salário-mínimo, que paga, por exemplo, IPI e ICMS sobre o cigarro miserável que fuma, estaria financiando, indiretamente, tais proventos. É que não há almoço de graça. Alguém há de pagar. Parece-me adequado que seja esse pagamento realizado, então, mediante contribuição razoável, pelos beneficiários.
Este, entretanto, é um raciocínio metajurídico, que não cabe ao Judiciário fazer e que certamente foi feito pelos poderes políticos, o Executivo e o Legislativo.
Concluindo a primeira parte deste voto, dou pela constitucionalidade do art. 4º, caput, da EC 41/2003.
No que concerne à alegada inconstitucionalidade de expressões inscritas nos incisos I e II do parágrafo único do citado artigo 4°, por ofensivos ao princípio isonômico, adiro ao magnífico voto do Ministro César Peluso. No inciso I, dou pela inconstitucionalidade das expressões: "cinqüenta por cento do"; no inciso II, de igual expressão: "sessenta por cento do". Assim, para os servidores públicos aposentados e os pensionistas, federais, estaduais e municipais, a contribuição incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere o "limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 21 da Constituição Federal".
É como voto.
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