Notícias > Valor Econômico | Carga | 01/09/2009
ENCOLHE ESPAÇO PARA REDUZIR IMPOSTOS
Com o festival de aumentos de gastos correntes promovidos neste ano e já contratados para os próximos, o governo vai perder espaço para conceder novas desonerações tributárias daqui para frente. Arma eficaz para estimular a atividade econômica e melhorar a competitividade das empresas, a flexibilidade para reduzir impostos poderia ser um instrumento útil para compensar, pelo menos em parte, o impacto do câmbio valorizado sobre companhias que exportam ou competem por aqui com produtos importados.
Para bancar as despesas crescentes com pessoal, aposentadorias e custeio da máquina, alguns analistas apostam até mesmo que novos tributos poderão ser criados nos próximos anos - a iniciativa recente para ressuscitar a CPMF, com outro nome (Contribuição Social para a Saúde, CSS) e uma alíquota mais baixa (0,1%, em vez de 0,38%), já indicaria essa disposição. Mesmo que não surjam novos impostos, ficou mais distante a possibilidade de o governo diminuir o peso do sistema tributário.
Nos últimos anos, o governo Lula promoveu uma série de medidas de desoneração tributária, como a Lei do Bem, que entrou em vigor em novembro de 2005. Houve resultados positivos principalmente para o setor de computadores pessoais, como mostrou reportagem de André Borges, publicada pelo Valor na sexta-feira. A lei isentou de cobrança do PIS/Cofins os PCs montados no Brasil, barateando as máquinas em 9,25%. Em 2004, foram vendidos pouco mais de 4 milhões de computadores no país, dos quais 74% de origem ilegal, segundo estimativas do IT Data. No ano passado, as vendas ficaram em 11,7 milhões, dos quais 34% foram contrabandeadas. A ampla oferta de crédito e o dólar barato também ajudaram nesse processo, mas a redução de impostos também tem peso significativo para explicar esses números.
Para o professor Aloisio Araújo, da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse exemplo bem-sucedido mostra que o país deveria promover desonerações semelhantes em setores da economia em que há grande evasão tributária, como alguns segmentos de confecções, eletrônicos e informática. O governo perderia parte da arrecadação, mas haveria ganhos importantes com a redução da informalidade, afirma ele, um analista ortodoxo que, ao contrário de muito de seus pares, não vê com maus olhos desonerações para setores específicos, num cenário em que não há condições políticas para a aprovação da reforma tributária. Para Araújo, a prioridade deveria ser a redução de encargos trabalhistas pagos pelas empresas. Com a medida, poderia haver um choque de formalização, com efeitos bastante positivos sobre a produtividade da economia.
Professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o economista Júlio Gomes de Almeida diz que a desoneração da folha de salários é hoje um "imperativo", sendo fundamental para melhorar a competitividade das empresas brasileiras. O impacto do dólar barato, por exemplo, poderia ser pelo menos atenuado. Outra vantagem é que a medida, em estudo há um bom tempo na Fazenda, beneficiaria empresas de todos os segmentos da economia.
Para Almeida, os resultados favoráveis da recente redução do IPI para veículos, linha branca e material de construção são a maior prova de que a desoneração tributária "funciona", produzindo efeitos positivos sobre a atividade, desde que chegue aos preços. Ele diz, por fim, que as várias medidas adotadas nos últimos anos para desonerar o custo do investimento, como as presentes na Lei do Bem, beneficiaram o setor de bens de capital, ainda que seja mais difícil mensurar o resultado nesse caso.
O ritmo de aumento de gastos públicos, porém, diminui sensivelmente a possibilidade de que o governo conceda desonerações como essas. De janeiro a julho, as despesas não financeiras da União aumentaram 15,91% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo 18,07% do PIB, muito acima dos 16,07% do PIB registrados nos sete primeiros meses de 2008. Nesse intervalo, os gastos com pessoal subiram 19,13% e as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais do INSS, 12,66%. Para os próximos anos, já estão contratados reajustes generosos para o funcionalismo - são mais R$ 29 bilhões para 2010 e R$ 35 bilhões para 2011, segundo o Bradesco - e também para os gastos com aposentadorias - o salário mínimo, que corrige cerca de dois terços dos benefícios, deve aumentar perto de 10% em 2010. Para completar, o governo fez um acordo com as centrais sindicais garantindo um aumento real nos próximos dois anos também para quem recebe acima do piso.
Nesse cenário, o o governo precisará de um caixa cheio para fazer frente à alta forte das despesas correntes. É verdade que a arrecadação deverá reagir em 2010, quando a economia voltar a crescer a taxas mais fortes, mas o nível de gastos permanentes já contratados sugere que a carga tributária terá de permanecer elevada ao longo dos próximos anos, provavelmente na casa de 35% do PIB.
Ainda que elevados para padrões internacionais, o Brasil sai da crise com juros mais próximos de níveis civilizados. O mesmo não pode ser dito do peso do sistema de impostos sobre a economia. É pena.
Sergio Lamucci >
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