Rebeldia administrativa
Cessão de créditos tributários afronta legislação
Por Zelmo Denari
O governador do estado de São Paulo encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 749 de 2009, já aprovado e convertido na Lei 13.723, de 29 de setembro de 2009, que autoriza o Poder Executivo a ceder, a título oneroso, os direitos creditórios originários de créditos tributários e não-tributários, objetos de parcelamentos administrativos ou judiciais.
Os referidos direitos serão cedidos em favor de uma entidade financeira a ser criada e servirão de lastro para a emissão de títulos mobiliários, com vistas ao levantamento de recursos junto ao mercado de capitais, conforme o artigo 1º da norma.
Da leitura do texto colhe-se que, na hipótese de inadimplemento das parcelas, a retomada da execução ficará a cargo da Procuradoria-Geral do Estado, de acordo com o artigo 2º. Implica dizer que a futura entidade administrativa, na qualidade de cessionária dos direitos creditórios, é que arcará com os ônus da inadimplência.
Que dizer, em breve aceno e linhas gerais, da constitucionalidade da referida lei?
Muito embora o governador, preocupado com ditames da legalidade, coloque em destaque que a cessão apenas atinge os créditos tributários devidamente constituídos, com fato gerador já ocorrido, não incidindo, pois, na vedação constante do art. 37, I, da Lei Complementar 101/2000 ( Lei de Responsabilidade Fiscal ), que proíbe a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributos cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, queremos observar que a lei passa ao longo dessas operações.
De fato, leitura atenta da malsinada norma revela que, para além dessa preocupação, ofende frontalmente o disposto no artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, vazado nos seguintes termos:
Art. 36 É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
Da mensagem do governador à Assembléia Legislativa, colhe-se que a cessionária dos direitos creditórios poderá ser a Companhia Paulista de Parcerias, ou qualquer outra instituição financeira controlada pelo Estado.
Ora, o texto legal é de extrema clareza: veda que um ente da federação, ou seja, o estado de São Paulo, possa criar ou se utilizar de entidade administrativa sob seu controle para realizar operações de crédito onde figure como beneficiário dos respectivos recursos financeiros.
O Antigo Testamento nos ensina que, desde tempos primevos, a começar por Adão e Eva, as criaturas sempre se revoltam contra o seu Criador.
Esta parábola que, mais de um milênio depois, serviu de embasamento às aventuras de Pinóchio, talvez explique a preocupação do legislador, revelada na clara dicção do artigo 36 da Lei Complementar 101/00 que, de forma irretorquível, acaba por demonstrar a inconstitucionalidade da nova lei.
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