Notícias > Valor Econômico | IRPF,INSS | 09/10/2009
TRIBUTO CRIADO A PARTIR DE ANALOGIA
"Escritórios de advocacia e empresas que se organizaram, sob a forma de sociedade simples, prevista nos artigos 997 e seguintes do Código Civil, aprovado pela Lei Nº 10.406, de 2002, mostraram-se preocupados com recente pronunciamento da Superintendência Regional da Receita Federal da 6ª Região Fiscal, manifestando-se no sentido que a distribuição dos lucros atribuídos às quotas de serviço sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda na Fonte e da contribuição previdenciária.
Esse pronunciamento surgiu na resposta conferida à Solução de Consulta nº 116, de 4 de setembro de 2009. A ementa da mencionada solução de consulta resume o entendimento da autoridade administrativa para quem a isenção sobre distribuição de lucros e dividendos prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249, de 1995, alcança tão-somente os lucros e dividendos pagos aos sócios de capital, não se estendendo àqueles pagos aos sócios de serviço, eis que têm a natureza jurídica de rendimentos pagos pelo trabalho.
No tocante à incidência da contribuição previdenciária, alega-se que o sócio de serviço é segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social na qualidade de contribuinte individual. Sendo assim, a contribuição previdenciária incide sobre os rendimentos auferidos em decorrência de seu trabalho, respeitado o limite máximo de contribuição.
A sociedade simples é uma inovação do Código Civil de 2002, cujo artigo 997, inciso V, admite que os sócios possam integralizar suas quotas no capital social através de prestação de serviços. O fato de os sócios terem essa faculdade não os transforma, entretanto, em empregados da sociedade, nem descaracteriza sua condição de titulares de parcelas do capital social.
Mas tem-se a impressão que a autoridade administrativa da Receita Federal da 6ª Região Fiscal partiu do pressuposto que os titulares das quotas de serviço são sócios travestidos de trabalhadores, cujos dividendos devem se sujeitar à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 27,5%, como se fossem rendimentos do trabalho assalariado, enquanto que os sócios capitalistas continuam usufruindo de isenção.
Esse raciocínio foi construído com base na analogia entre a sociedade simples e a sociedade de capital e indústria, ou seja, um tipo de sociedade mista composta por sócios que contribuem com capital e o trabalho para exploração de determinado empreendimento.
O artigo 12, inciso V, alínea f, da Lei nº 8.212, de julho de 1991, estabelece que o sócio de indústria é segurado obrigatório da previdência social e, como tal, obrigado ao recolhimento da contribuição social compulsória sobre o rendimento do trabalho.
Ocorre que o artigo 10 da Lei nº 9.249, de 1995, que prevê a não incidência do imposto de renda sobre lucros ou dividendos, não faz qualquer distinção entre lucros e dividendos distribuídos a sócios capitalistas e lucros e dividendos distribuídos a sócios prestadores de serviços, estabelecendo que os capitalistas são contemplados pela não incidência, mas não os sócios prestadores de serviços. Ora, se a lei não faz essa distinção, não cabe ao intérprete fazê-lo, principalmente se a mesma for baseada na analogia, conforme parece ser o caso.
A analogia é o processo pelo qual o intérprete utiliza certa norma, com base nos princípios de semelhança, para solução de um caso concreto não previsto especificamente no ordenamento jurídico. A norma, na hipótese, seria o artigo 12, inciso V, alínea f, da Lei nº 8.212, de 1991, que prevê a incidência da contribuição social sobre os frutos do trabalho do sócio de indústria, que está sendo utilizada pelo intérprete, para justificar, com fundamento na analogia, a tributação pelo imposto de renda dos dividendos pagos ao sócio prestador de serviço, eis que a Lei nº 9.249, de 1991, não prevê essa possibilidade.
Ocorre que a pretensão do intérprete esbarra com a vedação constante do parágrafo 1º do artigo 108 do Código Tributário Nacional, segundo a qual, o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
É preciso lembrar que todo e qualquer tributo sujeita-se ao princípio da tipicidade cerrada, que é um desdobramento natural do princípio da reserva legal estatuído pelo artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, pelo qual a utilização da analogia para instituir tributo é expressamente proibida.
Portanto, é de se concluir que o entendimento da 6ª Região não encontra amparo algum na legislação e até se contrapõe às vedações contidas no Código Tributário Nacional e na Constituição.
Tanto é verdade, que o entendimento adotado através da Solução de Consulta nº 116, de 2009, foi reformado pela Solução de Consulta nº 140, de 1 de outubro, publicada no Diário Oficial da União de 5 de outubro, que confirma que a isenção do imposto de renda aos sócios, sejam estes de capital ou de serviço, é mantida, desde que observadas determinadas regras. Uma dessas regras é a seguinte: se a pessoa jurídica apurar o imposto de renda com base no lucro real e a distribuição ultrapassar o montante contabilizado a esse título, haverá incidência sobre o valor que exceder aquele apurado com base na escrituração.
Outra é se o imposto de renda for apurado com base no lucro presumido ou arbitrado, a parcela de lucro distribuída aos sócios que exceder o valor da base de cálculo do imposto de renda pessoa jurídica, diminuída de todos os impostos e contribuições a que estiver sujeita a pessoa jurídica, não se sujeitará à incidência do imposto de renda. Isso desde que a pessoa jurídica demonstre, por meio de regular escrituração contábil, que o lucro efetivo é maior do que o determinado segundo as normas de apuração da base de cálculo do lucro presumido ou arbitrado.
A Superintendência Regional da Receita Federal da 6ª Região Fiscal não precisava ter estabelecido as condições acima estipuladas, porque já constam da legislação de regência do imposto de renda. Bastava revogar a Solução de Consulta nº 116, de 2009.
Com efeito, tecnicamente não existe a hipótese de distribuição de lucros por antecipação, posto que não se pode distribuir o que não se tem. Para que haja distribuição de lucros, primeiro, é imperativo que a empresa comprove a existência de lucros apurados no período ou acumulados; segundo que a lei permita que os lucros possam ser distribuídos e, terceiro, que haja dinheiro disponível para distribuição.
Convém lembrar, por último, que enquanto as pessoas jurídicas estiverem em débito não garantido por falta de recolhimento de imposto no prazo legal, estarão impedidas de dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios, bem como a seus dirigentes e demais membros da administração, conforme o artigo 889 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999.
Maria Lucia Américo dos Reis
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