23/10/2009
STJ quer acabar com ação em papel

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

STJ quer acabar com ação em papel


Um armário novo por dia para acomodar mais e mais processos. Cerca de 50 portas restauradas mensalmente, destruídas pelo vaivém de carrinhos de ferro abarrotados de documentos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estava mergulhado em um mar de folhas de papel. A situação começou a mudar no início do ano com a implantação do projeto "Justiça na Era Virtual", que estabeleceu alguns procedimentos para acabar com a papelada e tornar mais rápida e eficiente a tramitação de processos na corte. Além do envio eletrônico de recursos - que já teve a adesão da maioria dos tribunais de segunda instância, à exceção das cortes estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul -, o projeto prevê a digitalização de todas as ações em trâmite.

Dos cerca de 340 mil processos que entraram no STJ, cerca de 135 mil já foram virtualizados. Nessa primeira fase, estão sendo escaneadas as ações que chegaram à corte neste ano. Com a eliminação do papel, aos poucos corredores e gabinetes dos ministros começam a ser desocupados. O hall de acesso a um elevador privativo dos magistrados, que estava tomado por documentos, foi liberado esta semana. E uma das saídas de emergência do prédio será retomada em breve.

O processo de digitalização envolve um exército de 250 pessoas que trabalha em dois turnos de seis horas no subsolo do STJ - ou nas "catacumbas", como batizaram os funcionários. Diariamente, cerca de 200 mil páginas são convertidas em imagens. Neste grupo, trabalham 64 surdos-mudos, contratados por meio de um instituto de Brasília, pessoas com alto grau de concentração e que alcançam uma produtividade 30% maior em relação aos demais trabalhadores. A brasiliense Dayane de Araújo, única deficiente auditiva na família, é uma das mais jovens do grupo. Com 21 anos, está no seu segundo emprego. "Adoro o trabalho. É muita responsabilidade. Mas é uma chance de mostrar do que sou capaz", diz Dayane, por meio de uma das quatro intérpretes de linguagem de sinais contratadas para acompanhar o trabalho dos deficientes.

A ideia do STJ era terceirizar parte do serviço por meio de pregão eletrônico. Mas depois de duas tentativas frustradas, com a desclassificação das concorrentes, decidiu-se manter na atividade servidores e deficientes auditivos. O trabalho foi iniciado há oito meses e a expectativa do presidente do tribunal, ministro Cesar Asfor Rocha, é de que todo o estoque de processos gerado este ano seja digitalizado até meados de novembro. "Vamos ficar só com os processos anteriores a 2009 e os que chegam diariamente ao STJ", diz o ministro, que pretende contratar mais 60 deficientes auditivos para ampliar o trabalho.

Diariamente, caminhões dos Correios despejam cerca de 900 processos no STJ. Cada um com uma média de 400 páginas. O número de recursos em papel que chegam à corte caiu consideravelmente - eram cerca de 1.200 por dia - com a implantação da remessa eletrônica de processos e a realização de julgamentos pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos, editada em agosto de 2008. Mas para que todo o trâmite processual seja informatizado e a corte possa economizar os R$ 20 milhões anuais gastos com o transporte de toda essa papelada, falta a adesão ao projeto dos principais tribunais de Justiça do país - São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, responsáveis por quase 80% de todos os processos que chegam à corte. "Cerca de 25% deste custo é gerado por São Paulo. Tenho muita esperança de que estes tribunais venham a aderir ao projeto até o fim do ano", afirma Asfor Rocha.

Com a digitalização, as montanhas de papel espalhadas pelos gabinetes dos ministros e pelos corredores do STJ estão desaparecendo. Virtualizados, os processos em papel são enviados de volta aos tribunais de origem. Antes, no entanto, todo o trabalho é minuciosamente conferido. Cada ação escaneada é indexada para facilitar a leitura pelo ministros que, agora, não correm mais o risco de encontrar surpresas no meio da papelada. Cupins e até escorpiões já foram achados pela equipe que cuida da "higienização", etapa para a retirada de grampos dos processos que serão convertidos em imagens .

O STJ pretende ser o primeiro tribunal nacional do mundo a eliminar o papel, melhorando o desempenho e o ambiente de trabalho dos ministros e dos magistrados convocados pela corte. Com a digitalização e o envio eletrônico de recursos - que reduziu de meses para apenas alguns minutos a classificação e a distribuição a um relator -, os magistrados conseguem ter uma noção exata do estoque de processos. Foi possível detectar, por exemplo, 1.652 processos que estavam lançados para julgamento de ministros aposentados e até falecidos.

Quem anda pelas salas do gabinete do desembargador gaúcho Vasco Della Giustina, convocado desde de janeiro para integrar a 3ª Turma e a 2ª Seção, fica impressionado com os paredões de ações em papel à espera de julgamento. "Era tanta papelada que tinha ministros já pensando em construir quartinho em sua vaga de garagem", diz Asfor Rocha. O processo eletrônico trará economia financeira - custo com os processos deve cair 20% já em 2010 - e de espaço físico para armazenamento, possibilitando uma melhor utilização de recursos e de servidores em todo o Judiciário. "Os ministros terão o dobro do espaço sem os processos", calcula o presidente do STJ, que visita diariamente a equipe responsável pelo processo de digitalização. "É um caminho sem volta. O processamento eletrônico é um círculo virtuoso que, brevemente, estará consolidado em todas as instâncias do Judiciário. O STJ será conhecido como um tribunal em que a Justiça é viável."

Número de recursos na corte tem queda de 26%

O mecanismo dos recursos repetitivos tem colaborado significativamente para reduzir o trâmite de processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O instrumento, criado no ano passado, permite que ações com o mesmo tema sejam suspensas nas outras instâncias do Poder Judiciário até uma decisão final da corte. De acordo com o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, o uso do mecanismo reduziu em 26% o envio de recursos para o tribunal.

Ao mesmo tempo que o rito dos recursos repetitivos evita a subida de novos recursos, faz com que milhares de ações sobre o mesmo tema sejam julgadas de uma só vez na corte. "Ao fim do meu mandato, espero ter menos de cem mil processos na corte", diz Asfor Rocha. Segundo ele, outro fator que tem colaborado para a redução de processos no STJ são os mutirões constantes realizados pelos ministros aos sábados.

No entanto, ainda há descumprimento por parte de tribunais de segunda instância em acatar as decisões tomadas em recursos repetitivos. Isso acontece porque, ao contrário do Supremo Tribunal Federal (STF), as decisões tomadas em recursos repetitivos não têm o "efeito vinculante", ou seja, não obrigam os tribunais a segui-las, mesmo que se saiba qual será a posição da corte superior. "Podemos dizer que 99% desse problema ocorre em algumas câmaras do Rio Grande do Sul, que resistem em adotar os entendimentos do STJ", afirma Asfor Rocha.

"O percentual citado pelo presidente é uma surpresa para mim", diz o desembargador Voltaire de Lima Moraes, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Segundo Moraes, trata-se de uma fase de adaptação que ocorreu no tribunal, pois, quando o STJ definiu certos temas em recurso repetitivo, o tribunal já possuía diversos processos que haviam sido julgado em sentido contrário e que acabaram "subindo" ao STJ. "É mais fácil que a decisão seja modificada no STJ para evitar recursos processuais desnecessários no tribunal e no próprio STJ", diz Moraes.

De acordo com o desembargador, isso não vem ocorrendo com novos julgamentos do tribunal, que têm adotado a linha do STJ. "Não somos um tribunal rebelde", afirma. Na opinião dele, a alta litigância no Estado - de onde vem o maior número de recursos do país - se explica tanto pela cultura do gaúcho em reivindicar seus direitos, quanto pela celeridade da Justiça no Estado.

Arthur Rosa e Luiza de Carvalho, de Brasília

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