FOLHA DE S. PAULO - BRASIL
Justiça apreende 40 milhões de bens de acusados de crimes
Em menos de dez meses, a Justiça brasileira registrou a apreensão de 40 milhões de bens adquiridos por meio de práticas ilícitas ou utilizados em atividades criminosas. São helicópteros, carros, lanchas, joias e imóveis, entre outros itens, estimados em aproximadamente R$ 929 milhões.
O dado é do SNBA (Sistema Nacional de Bens Apreendidos), criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para unificar, pela primeira vez, todos os bens e valores bloqueados em processos criminais que tramitam na Justiça Federal e na Estadual por todo o país.
Segundo o CNJ, hoje a maior parte desse material está guardada em depósitos e pátios, o que dificulta o controle e aumenta o risco de deterioração ou de desvio. Normalmente, a apreensão é mantida até o final do processo, o que pode levar anos, para, só então, ser revertida em definitivo para a União ou, em caso de absolvição, para o proprietário.
Após a finalização da lista de bens, o próximo passo, segundo o juiz auxiliar da presidência do CNJ e integrante do comitê gestor do SNBA, Marcelo Berthe, é transferir para o sistema a administração dos bens.
Para isso, a Justiça espera que o Congresso aprove um projeto de lei que regula a venda antecipada de bens apreendidos em processos criminais, mesmo que estes não sejam baseados na lei de combate ao tráfico de entorpecentes (lei nº 11.343) -essa é uma das poucas que prevê a venda imediata e o depósito para o Funad (Fundo Nacional Antidrogas).
O Código de Processo Civil prevê a alienação antecipada de bens penhorados quando estes estiverem sujeitos a deterioração ou depreciação, mas o projeto de lei irá detalhar o tema.
Exceção
Foi com base no Código de Processo Civil que o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, determinou, em caráter "absolutamente excepcional", a venda de todos os bens apreendidos do narcotraficante J.C. R.A., condenado a 30 anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção, entre outros crimes.
Segundo o juiz, a decisão foi motivada por declaração do próprio A., que, no curso do processo, disse "abrir mão" de todos os bens adquiridos por ele no Brasil por reconhecer a origem ilícita dos mesmos.
Em abril de 2008, todos os bens de A. foram leiloados em um bazar beneficente e 35% dos R$ 8,76 milhões arrecadados foram doados a instituições de caridade.
A FIC (Fraternidade Irmã Clara), que funciona de forma precária embaixo de um viaduto, em São Paulo, cuidando de pessoas com grau severo de paralisia cerebral, e a Ação Social Claretiana, que abriga cerca de 200 crianças carentes, em Embu (SP), receberam R$ 1,2 milhão cada uma.
"Sem esse valor, não seria possível concluir a nova sede da FIC, que irá abrigar, de forma muito mais humana, até 70 portadores de paralisia cerebral", afirmou o presidente da entidade, Eduardo Barros.
Além das ONGs, R$ 1,6 milhão do arrecadado no leilão foi destinado a reforçar o sistema de segurança do prédio da Polícia Federal de São Paulo, que prendeu o traficante.
De uma forma geral, o juiz Sergio Fernando Moro, da Justiça Federal de Curitiba, especializada em lavagem de dinheiro, disse que os bens apreendidos "podem e devem, com as cautelas devidas, ser revertidos para reforçar a segurança pública e em investimentos sociais".
"Perde-se importante fonte de recursos com a deterioração dos bens no curso dos processos judiciais, usualmente demorados. Não é raro vermos, por exemplo, cemitérios de automóveis apodrecendo em pátios de delegacias", disse Moro.
Delação premiada gera doações para entidades sociais
Um dos instrumentos da Justiça que tem sido usado para gerar doações a entidades sociais é a delação premiada -instituto que prevê a redução da pena de um acusado desde que este ajude na investigação criminal.
Nos últimos três anos, réus acusados na 6ª Vara Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, pagaram cerca de R$ 5,7 milhões de indenização para 20 instituições de caridade.
O acordo com o réu é fechado pelo Ministério Público e homologado pela Justiça. Além do pagamento, o acusado deve colaborar com a investigação de forma efetiva, revelando comparsas e apresentando provas.
O valor da doação depende da capacidade de pagamento do réu, da dimensão do crime e da culpabilidade. O réu entrega o dinheiro à entidade e mostra a nota à Justiça.
Para ser escolhida, a instituição deve apresentar um projeto definido de investimento, ter localização prioritária na periferia, ter evidente dificuldade de manutenção, atender crianças, idosos ou portadores de problemas crônicos e ter toda a documentação regular.
Um dos maiores acordos de delação premiada fechado na 2ª Vara Federal de Curitiba envolveu o empresário Antonio Celso Garcia, que foi condenado por administrar de forma criminosa um consórcio de automóveis.
Após acordo com o Ministério Público Federal, homologado pelo juiz Sergio Fernando Moro, o réu pagou cerca de R$ 10 milhões para os consorciados lesados (reparação parcial), e revelou diversos fatos criminais importantes, incluindo a interceptação ilegal do telefone do magistrado e o envolvimento de desembargadores federais em esquemas de corrupção.
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
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