31/08/2006
STF - ÍNTEGRA DO VOTO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO NO CASO DA COFINS SOBRE ICMS

24/08/2006 TRIBUNAL PLENO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 240.785-2 MINAS GERAIS
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECORRENTE : AUTO AMERICANO S/A DISTRIBUIDOR DE PEÇAS
ADVOGADO : ROQUE ANTONIO CARRAZZA
ADVOGADOS : RAQUEL CRISTINA RIBEIRO NOVAIS E OUTROS
RECORRIDA : UNIÃO
ADVOGADA : PFN - ELYADIR FERREIRA BORGES
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - O recurso
extraordinário foi interposto, com alegada base na alínea a do
permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal
Regional Federal da 3ª Região que implicou a manutenção de
entendimento sufragado em sentença, no sentido da harmonia da
contribuição prevista na Lei Complementar nº 70/91 com a Carta
(folha 88 a 90).
Exsurgiram sucessivos embargos de declaração, nos
quais a contribuinte pretendeu ver examinado o pedido sucessivo
formulado na ação, relativo à exclusão da base de cálculo da Cofins
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Ambos foram
desprovidos mediante os acórdãos de folhas 99 a 101 e 115 a 118. O
Colegiado consignou ter sido a matéria amplamente analisada e
discutida no âmbito desta Corte quando do julgamento da Ação
Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, inclusive no que
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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tange à previsão de se incluir o ICMS na base de cálculo do tributo,
consoante disposto no artigo 2º da Lei Complementar nº 70/91, lei
esta, reafirme-se, cuja constitucionalidade foi declarada e que, por
força do artigo 102, § 2º, da Constituição Federal, não é mais
passível de discussão por órgãos jurisdicionais ou administrativos
(folha 116).
Nas razões do recurso, articula-se com a ofensa ao
artigo 195, inciso I, do Diploma Maior, insistindo-se na
inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo único, da citada lei
complementar, no que autorizada a inclusão do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços na base de cálculo da Cofins,
questão que não teria sido apreciada na ação declaratória de
constitucionalidade. Salienta-se que se desvirtuou o conceito
técnico de faturamento, ao incluir-se o referido tributo na base de
cálculo. Noutro passo, assevera-se que, acaso esta Corte conclua
pela falta de prequestionamento, deverá, antes, declarar a nulidade
do julgado por ofensa aos princípios da ampla defesa e do devido
processo legal (incisos LIV e LV do rol das garantias
constitucionais), em face da recusa do Tribunal de origem de
analisar a controvérsia (folha 120 a 134).
A União apresentou as contra-razões de folha 137 a
140, ressaltando o envolvimento de matéria legal e a harmonia da
conclusão adotada com a jurisprudência de nossos Tribunais.
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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O Juízo primeiro de admissibilidade disse da natureza
infraconstitucional da discussão (folha 140), decorrendo o
processamento do recurso do provimento dado a agravo, oportunidade
na qual consignei:
Quando do julgamento da Ação Declaratória de
Constitucionalidade nº 1, o Relator, ministro Moreira
Alves, apontou para o envolvimento, na espécie, apenas dos
artigos 1º, 2º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar nº 70, de
30 de dezembro de 1991. Por isso mesmo, não foi objeto de
deslinde a circunstância de o artigo 2º, parágrafo único,
da mencionada lei englobar, na base do cálculo da COFINS,
o ICMS. A referência feita no voto do ministro Sepúlveda
Pertence ganhou contornos de simples opinião de Sua
Excelência a respeito da matéria, no que, aludindo a
memoriais distribuídos, afirmou estar a definição de
faturamento no âmbito da legislação infraconstitucional.
Confira-se com o acórdão publicado na Revista Trimestral
de Jurisprudência nº 156, página 722 a 755. Por outro
lado, o tema está a merecer o crivo de Colegiado desta
Corte, definindo-se o alcance do inciso I do artigo 195 da
Constituição Federal.
A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer de
folha 166 a 169, preconizando o não-conhecimento do recurso.
É o relatório.
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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V O T O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Na
interposição deste recurso, foram observados os pressupostos de
recorribilidade. Os documentos de folhas 33 e 135 revelam a
regularidade da representação processual e do preparo. A recorrente
indicou o permissivo constitucional à folha 120, nos termos do
artigo 321 do Regimento Interno da Corte. Quanto à oportunidade, o
acórdão proferido na apelação restou publicado no órgão oficial de
imprensa do dia 27 de setembro de 1994 (folha 91), terça-feira. A
recorrente protocolou embargos de declaração em 4 de outubro de 1994
(folha 92), terça-feira, já que o dia 3, segunda-feira, foi feriado
forense. As conclusões do acórdão prolatado nos embargos foram
veiculadas no Diário da Justiça de 23 de maio de 1995 (folha 102),
terça-feira. Em 29 imediato, segunda-feira, a recorrente interpôs
novos embargos de declaração (folha 104), sendo que o acórdão daí
resultante foi publicado no Diário da Justiça de 22 de agosto de
1995 (folha 119), terça-feira. Protocolou-se o extraordinário em 4
seguinte (folha 120), segunda-feira. Portanto, exsurge a
tempestividade deste recurso, considerada a interrupção instituída
pela Lei nº 8.950/94, que deu nova redação ao artigo 538 do Código
de Processo Civil. Resta examinar o específico, ou seja, a violência
ao artigo 195, inciso I, da Constituição Federal.
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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Sob o ângulo do prequestionamento, não procede o óbice
apontado pela Procuradoria Geral da República. Se é certo que o
acórdão inicialmente prolatado mostrou-se de simplicidade
franciscana, apenas consignando que esta Corte assentou a
constitucionalidade da Cofins, isso ao apreciar a Ação Declaratória
nº 1-1/DF (folha 88 a 90), não menos correto é que a recorrente,
atenta ao passo que se avizinhava, no sentido de adentrar a sede
extraordinária, protocolou os embargos declaratórios de folha 92 à
94, reclamando manifestação sobre a inconstitucionalidade de
incluir-se, na base de incidência da Cofins, o ICMS (folha 92 a 94).
Pois bem, analisando estes embargos, o Colegiado
concluiu que seria de se presumir o exame do tema no julgamento da
declaratória de constitucionalidade, aludindo à eficácia vinculante
do pronunciamento. Já aqui entendeu, portanto, a Turma julgadora
pela inexistência da pecha quanto à inclusão combatida (folha 99 a
101). Mesmo assim, voltou a empresa a protocolar novos embargos
declaratórios, mais uma vez reclamando prequestionamento explícito
do tema (folha 104 a 112). Aí, a Quarta Turma do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, na forma do acórdão de folha 115 a 117,
refutou a argüição de inconstitucionalidade, tudo a partir, é certo,
da premissa de que assim o teria feito este Plenário ao apreciar a
Declaratória nº 1. Portanto, tem-se como prequestionada a matéria. A
defesa sustentada pela recorrente foi rechaçada pela Corte de
origem, consagrando-se, destarte, a óptica de que a Cofins incide
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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sobre o ICMS. Sob o ângulo do prequestionamento, exigir mais do que
isso é adotar o fetichismo da forma, a utilização de formas
sacramentais. A Corte já assentou que o prequestionamento, a
encerrar o debate e a decisão prévios do tema jurígeno explorado,
nas razões do recurso, como causa de pedir, a viabilizarem o cotejo,
prescinde de referência a artigo, parágrafo, inciso e alínea 
Recurso Extraordinário nº 128.519-2/DF.
Também não vinga o óbice relativo ao envolvimento, na
espécie, de interpretação de norma estritamente legal. O que
sustenta a recorrente é que o decidido pela Corte de origem discrepa
da tipologia do tributo, tal como prevista no artigo 195, inciso I,
alínea b, da Constituição Federal, considerado o teor primitivo do
preceito, ou seja, anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, no
que, na citada alínea, fez inserir como base de incidência da
contribuição devida pelo empregador, juntamente com o faturamento, a
receita, utilizando a adjuntiva ou. Há de se examinar, assim, se a
conclusão a que chegou a Corte de origem, refutando a defesa sobre a
inconstitucionalidade de ter-se a incidência do tributo sobre o
ICMS, incluindo este no que se entende como faturamento, conflita,
ou não, com o dispositivo constitucional. A tríplice incidência da
contribuição para financiamento da previdência social, a cargo do
empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da
lei, foi prevista tendo em conta a folha dos salários, o faturamento
e o lucro. As expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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comento hão de ser tomadas no sentido técnico consagrado pela
doutrina e jurisprudencialmente. Por isso mesmo, esta Corte glosou a
possibilidade de incidência da contribuição, na redação primitiva da
Carta, sobre o que pago àqueles que não mantinham vínculo
empregatício com a empresa, emprestando, assim, ao vocábulo
salários, o sentido técnico-jurídico, ou seja, de remuneração
feita com base no contrato de trabalho  Recurso Extraordinário nº
128.519-2/DF. Jamais imaginou-se ter a referência à folha de
salários como a apanhar, por exemplo, os acessórios, os encargos
ditos trabalhistas resultantes do pagamento efetuado. Óptica diversa
não pode ser emprestada ao preceito constitucional, revelador da
incidência sobre o faturamento. Este decorre, em si, de um negócio
jurídico, de uma operação, importando, por tal motivo, o que
percebido por aquele que a realiza, considerada a venda de
mercadoria ou mesmo a prestação de serviços. A base de cálculo da
Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento,
o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação
mercantil ou similar. O conceito de faturamento diz com riqueza
própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda
de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso
mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como
receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins
faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um
desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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competência para cobrá-lo. A conclusão a que chegou a Corte de
origem, a partir de premissa errônea, importa na incidência do
tributo que é a Cofins, não sobre o faturamento, mas sobre outro
tributo já agora da competência de unidade da Federação. No caso dos
autos, muito embora com a transferência do ônus para o contribuinte,
ter-se-á, a prevalecer o que decidido, a incidência da Cofins sobre
o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando
a própria Lei Complementar nº 70/91, fiel à dicção constitucional,
afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da
Cofins, o valor devido a título de IPI. Difícil é conceber a
existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que
mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é
o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último
não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à
incidência da Cofins, pois não revela medida de riqueza apanhada
pela expressão contida no preceito da alínea b do inciso I do
artigo 195 da Constituição Federal. Cumpre ter presente a
advertência do ministro Luiz Gallotti, em voto proferido no Recurso
Extraordinário nº 71.758: se a lei pudesse chamar de compra e venda
o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o
que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na
Constituição - RTJ 66/165. Conforme salientado pela melhor
doutrina, a Cofins só pode incidir sobre o faturamento que,
conforme visto, é o somatório dos valores das operações negociais
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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realizadas. A contrário sensu, qualquer valor diverso deste não
pode ser inserido na base de cálculo da Cofins. Há de se atentar
para o princípio da razoabilidade, pressupondo-se que o texto
constitucional mostre-se fiel, no emprego de institutos, de
expressões e de vocábulos, ao sentido próprio que eles possuem,
tendo em vista o que assentado pela doutrina e pela jurisprudência.
Por isso mesmo, o artigo 110 do Código Tributário Nacional conta com
regra que, para mim, surge simplesmente pedagógica, com sentido
didático, a revelar que:
A lei tributária não pode alterar a definição,
o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas
de direito privado utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos
Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou
dos Municípios para definir ou limitar competências
tributárias.
Da mesma forma que esta Corte excluiu a possibilidade
de ter-se, na expressão folha de salários, a inclusão do que
satisfeito a administradores, autônomos e avulsos, não pode, com
razão maior, entender que a expressão faturamento envolve, em si,
ônus fiscal, como é o relativo ao ICMS, sob pena de desprezar-se o
modelo constitucional, adentrando-se a seara imprópria da exigência
da contribuição, relativamente a valor que não passa a integrar o
patrimônio do alienante quer de mercadoria, quer de serviço, como é
o relativo ao ICMS. Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e
TEXTO SUJEITO A REVISÃO
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não o vendedor da mercadoria. Admitir o contrário é querer, como
salientado por Hugo de Brito Machado em artigo publicado sob o
título Cofins - Ampliação da base de cálculo e compensação do
aumento de alíquota, em CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS - PROBLEMAS
JURÍDICOS, que a lei ordinária redefina conceitos utilizados por
norma constitucional, alterando, assim, a Lei Maior e com isso
afastando a supremacia que lhe é própria. Conforme previsto no
preceito constitucional em comento, a base de cálculo é única e diz
respeito ao que faturado, ao valor da mercadoria ou do serviço, não
englobando, por isso mesmo, parcela diversa. Olvidar os parâmetros
próprios ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação
geradora de insegurança e, mais do que isso, a duplicidade de ônus
fiscal a um só título, a cobrança da contribuição sem ingresso
efetivo de qualquer valor, a cobrança considerado, isso sim, um
desembolso.
Por tais razões, conheço deste recurso extraordinário
e o provejo para, reformando o acórdão proferido pela Corte de
origem, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação
declaratória intentada, assentando que não se inclui na base de
cálculo da contribuição, considerado o faturamento, o valor
correspondente ao ICMS. Com isso, inverto os ônus da sucumbência,
tais como fixados na sentença prolatada.
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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Na
interposição deste recurso, foram observados os pressupostos de
recorribilidade. Os documentos de folhas 33 e 135 revelam a
regularidade da representação processual e do preparo. A recorrente
indicou o permissivo constitucional à folha 120, nos termos do
artigo 321 do Regimento Interno da Corte. Quanto à oportunidade, o
acórdão proferido na apelação restou publicado no órgão oficial de
imprensa do dia 27 de setembro de 1994 (folha 91), terça-feira. A
recorrente protocolou embargos de declaração em 4 de outubro de 1994
(folha 92), terça-feira, já que o dia 3, segunda-feira, foi feriado
forense. As conclusões do acórdão prolatado nos embargos foram
veiculadas no Diário da Justiça de 23 de maio de 1995 (folha 102),
terça-feira. Em 29 imediato, segunda-feira, a recorrente interpôs
novos embargos de declaração (folha 104), sendo que o acórdão daí
resultante foi publicado no Diário da Justiça de 22 de agosto de
1995 (folha 119), terça-feira. Protocolou-se o extraordinário em 4
seguinte (folha 120), segunda-feira. Portanto, exsurge a
tempestividade deste recurso, considerada a interrupção instituída
pela Lei nº 8.950/94, que deu nova redação ao artigo 538 do Código
de Processo Civil. Resta examinar o específico, ou seja, a violência
ao artigo 195, inciso I, da Constituição Federal.
Sob o ângulo do prequestionamento, não procede o óbice
apontado pela Procuradoria Geral da República. Se é certo que o
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acórdão inicialmente prolatado mostrou-se de simplicidade
franciscana, apenas consignando que esta Corte assentou a
constitucionalidade da Cofins, isso ao apreciar a Ação Declaratória
nº 1-1/DF (folha 88 a 90), não menos correto é que a recorrente,
atenta ao passo que se avizinhava, no sentido de adentrar a sede
extraordinária, protocolou os embargos declaratórios de folha 92 à
94, reclamando manifestação sobre a inconstitucionalidade de
incluir-se, na base de incidência da Cofins, o ICMS (folha 92 a 94).
Pois bem, analisando estes embargos, o Colegiado
concluiu que seria de se presumir o exame do tema no julgamento da
declaratória de constitucionalidade, aludindo à eficácia vinculante
do pronunciamento. Já aqui entendeu, portanto, a Turma julgadora
pela inexistência da pecha quanto à inclusão combatida (folha 99 a
101). Mesmo assim, voltou a empresa a protocolar novos embargos
declaratórios, mais uma vez reclamando prequestionamento explícito
do tema (folha 104 a 112). Aí, a Quarta Turma do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, na forma do acórdão de folha 115 a 117,
refutou a argüição de inconstitucionalidade, tudo a partir, é certo,
da premissa de que assim o teria feito este Plenário ao apreciar a
Declaratória nº 1. Portanto, tem-se como prequestionada a matéria. A
defesa sustentada pela recorrente foi rechaçada pela Corte de
origem, consagrando-se, destarte, a óptica de que a Cofins incide
sobre o ICMS. Sob o ângulo do prequestionamento, exigir mais do que
isso é adotar o fetichismo da forma, a utilização de formas
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sacramentais. A Corte já assentou que o prequestionamento, a
encerrar o debate e a decisão prévios do tema jurígeno explorado,
nas razões do recurso, como causa de pedir, a viabilizarem o cotejo,
prescinde de referência a artigo, parágrafo, inciso e alínea 
Recurso Extraordinário nº 128.519-2/DF.
Também não vinga o óbice relativo ao envolvimento, na
espécie, de interpretação de norma estritamente legal. O que
sustenta a recorrente é que o decidido pela Corte de origem discrepa
da tipologia do tributo, tal como prevista no artigo 195, inciso I,
alínea b, da Constituição Federal, considerado o teor primitivo do
preceito, ou seja, anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, no
que, na citada alínea, fez inserir como base de incidência da
contribuição devida pelo empregador, juntamente com o faturamento, a
receita, utilizando a adjuntiva ou. Há de se examinar, assim, se a
conclusão a que chegou a Corte de origem, refutando a defesa sobre a
inconstitucionalidade de ter-se a incidência do tributo sobre o
ICMS, incluindo este no que se entende como faturamento, conflita,
ou não, com o dispositivo constitucional. A tríplice incidência da
contribuição para financiamento da previdência social, a cargo do
empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da
lei, foi prevista tendo em conta a folha dos salários, o faturamento
e o lucro. As expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em
comento hão de ser tomadas no sentido técnico consagrado pela
doutrina e jurisprudencialmente. Por isso mesmo, esta Corte glosou a
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possibilidade de incidência da contribuição, na redação primitiva da
Carta, sobre o que pago àqueles que não mantinham vínculo
empregatício com a empresa, emprestando, assim, ao vocábulo
salários, o sentido técnico-jurídico, ou seja, de remuneração
feita com base no contrato de trabalho  Recurso Extraordinário nº
128.519-2/DF. Jamais imaginou-se ter a referência à folha de
salários como a apanhar, por exemplo, os acessórios, os encargos
ditos trabalhistas resultantes do pagamento efetuado. Óptica diversa
não pode ser emprestada ao preceito constitucional, revelador da
incidência sobre o faturamento. Este decorre, em si, de um negócio
jurídico, de uma operação, importando, por tal motivo, o que
percebido por aquele que a realiza, considerada a venda de
mercadoria ou mesmo a prestação de serviços. A base de cálculo da
Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento,
o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação
mercantil ou similar. O conceito de faturamento diz com riqueza
própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda
de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso
mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como
receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins
faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um
desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a
competência para cobrá-lo. A conclusão a que chegou a Corte de
origem, a partir de premissa errônea, importa na incidência do
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tributo que é a Cofins, não sobre o faturamento, mas sobre outro
tributo já agora da competência de unidade da Federação. No caso dos
autos, muito embora com a transferência do ônus para o contribuinte,
ter-se-á, a prevalecer o que decidido, a incidência da Cofins sobre
o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando
a própria Lei Complementar nº 70/91, fiel à dicção constitucional,
afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da
Cofins, o valor devido a título de IPI. Difícil é conceber a
existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que
mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é
o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último
não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à
incidência da Cofins, pois não revela medida de riqueza apanhada
pela expressão contida no preceito da alínea b do inciso I do
artigo 195 da Constituição Federal. Cumpre ter presente a
advertência do ministro Luiz Gallotti, em voto proferido no Recurso
Extraordinário nº 71.758: se a lei pudesse chamar de compra e venda
o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o
que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na
Constituição - RTJ 66/165. Conforme salientado pela melhor
doutrina, a Cofins só pode incidir sobre o faturamento que,
conforme visto, é o somatório dos valores das operações negociais
realizadas. A contrário sensu, qualquer valor diverso deste não
pode ser inserido na base de cálculo da Cofins. Há de se atentar
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para o princípio da razoabilidade, pressupondo-se que o texto
constitucional mostre-se fiel, no emprego de institutos, de
expressões e de vocábulos, ao sentido próprio que eles possuem,
tendo em vista o que assentado pela doutrina e pela jurisprudência.
Por isso mesmo, o artigo 110 do Código Tributário Nacional conta com
regra que, para mim, surge simplesmente pedagógica, com sentido
didático, a revelar que:
A lei tributária não pode alterar a definição,
o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas
de direito privado utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos
Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou
dos Municípios para definir ou limitar competências
tributárias.
Da mesma forma que esta Corte excluiu a possibilidade
de ter-se, na expressão folha de salários, a inclusão do que
satisfeito a administradores, autônomos e avulsos, não pode, com
razão maior, entender que a expressão faturamento envolve, em si,
ônus fiscal, como é o relativo ao ICMS, sob pena de desprezar-se o
modelo constitucional, adentrando-se a seara imprópria da exigência
da contribuição, relativamente a valor que não passa a integrar o
patrimônio do alienante quer de mercadoria, quer de serviço, como é
o relativo ao ICMS. Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e
não o vendedor da mercadoria. Admitir o contrário é querer, como
salientado por Hugo de Brito Machado em artigo publicado sob o
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título Cofins - Ampliação da base de cálculo e compensação do
aumento de alíquota, em CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS - PROBLEMAS
JURÍDICOS, que a lei ordinária redefina conceitos utilizados por
norma constitucional, alterando, assim, a Lei Maior e com isso
afastando a supremacia que lhe é própria. Conforme previsto no
preceito constitucional em comento, a base de cálculo é única e diz
respeito ao que faturado, ao valor da mercadoria ou do serviço, não
englobando, por isso mesmo, parcela diversa. Olvidar os parâmetros
próprios ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação
geradora de insegurança e, mais do que isso, a duplicidade de ônus
fiscal a um só título, a cobrança da contribuição sem ingresso
efetivo de qualquer valor, a cobrança considerado, isso sim, um
desembolso.
Por tais razões, conheço deste recurso extraordinário
e o provejo para, reformando o acórdão proferido pela Corte de
origem, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação
declaratória intentada, assentando que não se inclui na base de
cálculo da contribuição, considerado o faturamento, o valor
correspondente ao ICMS. Com isso, inverto os ônus da sucumbência,
tais como fixados na sentença prolatada.
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