13/09/2006
Bancos pagam feriado na praia de Comandatuba para 47 Ministros e Desembargadores

Brasília, 11/09/2006  O presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia, do Conselho Federal da OAB, Fábio Konder Comparato, condenou hoje (11) a viagem feita no último final de semana por 47 juízes ao balneário de Comandatuba, no litoral baiano e financiada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Após afirmar que os magistrados não enxergaram nenhuma inconveniência em aceitar o convite de banqueiros para discutir a questão do spread na cobrança de juros em empréstimos bancários o jurista fez uma indagação aos juízes: Aceitariam eles, porventura, passar o fim de semana prolongado debaixo das tendas de algum acampamento do MST para discutir a reforma agrária?"



Bancos pagam feriado na praia para 47 juízes ...

Febraban gasta R$ 182 mil e leva magistrados e suas famílias a Comandatuba, na Bahia, para discutir "spread" e crédito

Encontro contou ainda com outros 60 participantes; banqueiros dizem que evento visa um diálogo aberto com os juízes

O feriado de Sete de Setembro foi especial para 16 ministros (dois aposentados) do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e 31 desembargadores de sete Estados: eles receberam passagem e estada grátis no resort de luxo Transamérica da Ilha de Comandatuba, no litoral baiano, para assistirem a algumas palestras sobre como funciona a arquitetura do crédito do sistema bancário brasileiro.

O patrocínio do evento foi da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que arcou com uma fatura de ao menos R$ 182 mil com hospedagem e transporte dos 47 juízes. Esse valor é estimado com base no número de magistrados presentes e de seus acompanhantes multiplicado pelo preço básico promocional cobrado pelo pacote.

Os magistrados podiam trazer familiares para o hotel. A lista completa de participantes não foi divulgada.

A agenda em Comandatuba foi leve. As palestras começavam às 16h. Terminavam por volta de 20h30, com jantar e algum show. O restante do tempo era livre. O domingo também foi aberto para passeios.

O seminário "A importância do crédito como fator de desenvolvimento econômico e social" teve como ponto alto, logo na sessão de abertura -às 18h30 do dia 7 de setembro- uma palestra de Pedro Moreira Salles, presidente e acionista do Unibanco. Com gráficos e tabelas projetadas num telão, o banqueiro tentou explicar aos juízes que o spread cobrado nas operações de crédito no Brasil não é tão alto como se pensa.

O spread é a diferença entre o que o banco paga para captar o dinheiro e a taxa que cobra de quem pede recursos emprestados. Para Moreira Salles, esse spread, após descontados custos do banco e impostos, seria próximo de 1%. O banqueiro disse que o lucro médio sobre o patrimônio líquido médio das dez maiores instituições financeiras do país seria menor do que o apurado em mineração, siderurgia, transportes e concessões e petróleo.

Os juízes só chegaram a Comandatuba na tarde de 7 de setembro num Air Bus fretado da TAM que atrasou a saída de São Paulo. O avião fez escala em Brasília para pegar magistrados de tribunais superiores. Aterrissou na pista do hotel Transamérica por volta das 16h.

Além dos magistrados, o evento contou com outras 60 autoridades. Além de Pedro Moreira Salles, compareceram o presidente do Bradesco e da Febraban, Marcio Cypriano, o presidente do Itaú, Roberto Setúbal, o presidente do Banco Real, Fábio Barbosa, e até Ivan Moreira e Rodrigo Pacheco, do Banco Rural, instituição que teve o nome ligado ao mensalão.

Quando indagados, os banqueiros explicam o evento como um diálogo com os juízes. Uma maneira de "um conhecer melhor o outro", na explicação de Marcio Cypriano. Esse é o terceiro encontro realizado nesse formato nos últimos três anos, sempre num resort de luxo e com o patrocínio da Febraban. Nada é feito de maneira escondida e a imprensa tem acesso a todos os debates.

No segundo dia, os juízes assistiram à apresentação "Spread bancário: trabalho científico sobre sua composição", feita pelo professor Alexandre Assaf, da FEA-USP, contratado pela Febraban e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras.

Com transparências projetadas na tela do auditório, Assaf concluiu que o spread anual médio dos bancos ficaria em até 2%. No meio da apresentação, um quadro mostrava que o lucro líquido dos bancos subiu de 2002 a 2005 de 10,6% para 15,6% em relação ao chamado "valor adicionado" (todas as riquezas produzidas pelo setor). Um juiz que pediu anonimato, saiu da sala e ironizou: "Bom, o tal do spread eles estão dizendo que é baixo, mas o lucro deles cresceu 50% em quatro anos".

Frase

"Aqui os magistrados confraternizam. Os banqueiros dizem que o spread não é alto, e os juízes, que a Justiça não é lenta", JOÃO OTÁVIO NORONHA, ministro do Superior Tribunal de Justiça que participou do evento da Febraban em Comandatuba.

Presidente do STJ parabeniza organizadores

O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Raphael de Barros Monteiro, foi o juiz com cargo mais elevado presente ao encontro da Bahia. Foi acompanhado da mulher e de uma filha.

"Este evento representa um canal de comunicação. Estão de parabéns os organizadores", disse Monteiro na sessão de encerramento, sábado à noite. Abordado pela Folha, declarou que o patrocínio da Febraban "não deixa de ser um risco", pois pode "melindrar o Poder Judiciário". Ele disse, porém, que "o objetivo foi a troca de idéias e informações". Portanto, "não influi na imparcialidade dos juízes".

Além de Monteiro, esteve no local e fez uma palestra o ministro Antonio de Pádua Ribeiro, do STJ e também corregedor nacional do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão cuja função é fiscalizar os atos do Judiciário.

Na sua fala, Ribeiro destacou a preponderância das ações relacionadas ao setor bancário na Justiça brasileira. Segundo ele, de 2001 a 2006, o número de casos recebidos pelo STJ ligados questões dos bancos foi de 322.588, ou 29,85% do total de ações analisadas.

Custos do evento

Para cada hóspede no resort, a Febraban negociou um preço promocional. A diária baixou de R$ 684 para R$ 540. Como o hotel cobrou três dias, a hospedagem individual de cada juiz custou aos bancos R$ 1.620. Quem veio com o cônjuge custou R$ 580 por dia; com uma criança no quarto, R$ 720.

Além de R$ 70 por um translado, o custo individual médio de cada passageiro no Air Bus fretado da TAM foi de R$ 1.004. Total individual gasto pela Febraban com um magistrado, sem acompanhantes: R$ 2.694,00.

A Folha foi convidada mas pagou os gastos do repórter.

Não há ilegalidade no encontro da Febraban. Em 2005, os banqueiros promoveram evento similar, com a presença do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim.

Fonte: Folha de S.Paulo, por Fernando Rodrigues




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