ENTREVISTA COM O DR. MAURO CAMPBELL MARQUES DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DIGITALIZAÇÃO É SAÍDA PARA
ACELERAR PROCESSOS
Investimento em tecnologia pode dar celeridade à Justiça; segundo
magistrado, poder está tentando barrar criação de novos tributos
São tantos impostos, contribuições e tributos que não há nem mesmo
consenso sobre o número exato deles. Setores técnicos do governo
afirmam que são 75 enquanto organizações não-governamentais
(ONGs) dizem que já passaram de 81. De qualquer maneira, o Brasil
é o país que mais tira contribuições do povo. Hoje, os impostos
representam 36% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 1997,
representavam 27,8%. Segundo cálculos do Instituto de Direito
Tributário de Londrina (IDTL), somados aos impostos cobrados nos
produtos que consome, o brasileiro deixa 48% do salário para os
cofres da União.
O Poder Judiciário vem tentando participar e barrar projetos que
venham a criar novos impostos. Uma batalha difícil que está
contando agora com uma ajuda virtual: a digitalização de processos
que tramitam lentamente na Justiça. O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) tomou a frente e já contabiliza 171 mil processos arquivados
em computadores e já liberados para consulta de qualquer
interessado.
Para o ministro do STJ Mauro Campbell Marques, a digitalização dos
processos está provocando uma revolução no órgão. Em salas onde
trabalham 240 deficientes auditivos, estrategicamente selecionados
porque conseguem produção e qualidade 30% maior que a média dos
trabalhadores no setor, 200 escâneres funcionam sem parar,
recebendo todos os processos despachados aos ministros.
''Antes, um processo demorava até nove meses para sair de um
tribunal para chegar ao gabinete do ministro. Agora, demora três
minutos. Atualmente, graças ao processo de digitalização, são
pautados cerca de 500 processos para serem julgados nos dias de
plenária'', afirmou Marques, reforçando que a celeridade vai ajudar o
povo a cobrar judicialmente o maior réu do País. Confirma mais na
entrevista.
O STJ foi o precursor do projeto que visa digitalizar todos os
processos judiciais que lá chegam. Quanto já foi gasto até
agora?
De janeiro até novembro todas as despesas somaram R$ 2,5 milhões
para que 171 mil recursos fossem digitalizados. Tudo que chega ao
Superior Tribunal passa pelo sistema. Cada processo judicial demora
oito dias para ser digitalizado.
Essas despesas devem diminuir com o tempo?
A tendência é uma queda vertiginosa desses custos. Por exemplo, a
Justiça de São Paulo gasta com os Correios cerca de R$ 6,5 milhões
por mês para encaminhar processos. Quando aderir ao nosso projeto
e passar a digitalizar todo o acervo, não deverá gastar mais que isso
de uma só vez. O STJ gasta, por ano, R$ 20 milhões com os Correios
e isso tende a diminuir. Imagine esse dinheiro convertido em novas
varas judiciais, novas estruturas. Temos que acabar com a mania de
aumentar quadro de servidores. A informatização vem para
contrapor-se a isso: o funcionário, hoje, deve otimizar o trabalho e
seguir o sistema e critérios para que tudo flua corretamente.
O resultado será maior agilidade nos julgamentos?
Antes, as pessoas esquentavam a cadeira horas e horas em um
tribunal querendo apenas obter informação de um processo que é
público. Hoje você pode, desde que tenha a certificação digital do
STJ, ter informações que eram supostamente privilégio do Judiciário.
Isso pode soar com uma conotação política, mas é de política pública.
Não creio que exista algum juiz ou tribunal que queira ficar à margem
de um processo que permitirá que o cidadão tenha orgulho do
trabalho da magistratura deste país.
No final de novembro foi aprovada uma proposta na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara Federal que afirma: criação ou
aumento de tributos agora só por meio de lei complementar, isto é,
com maioria absoluta na Câmara e no Senado. Esta medida deve
ajudar a brecar o aumento do número de tributos?
Isso nada mais é senão reafirmar o princípio da legalidade. É uma
matéria que debatemos constantemente no STJ. O Estado tem o
contribuinte como responsável para fechar o caixa. O Estado não
pode buscar no contribuinte a solução de suas mazelas ou de sua
incompetência na gestão do sistema tributário. A cada episódio e a
cada crise, uma lei nova. Isso não vale em nenhum ramo do Direito.
Ainda falando sobre impostos, no último dia 30 venceu o prazo de
negociação dado pela União aos contribuintes que não conseguem ou
não querem pagar o que devem. O que o senhor acha disso?
Para o STJ é preocupante. Ao mesmo tempo em que nós louvamos a
atitude de que haja a renegociação da dívida, nós estamos premiando
o sonegador e punindo aquele que cumpriu com seu dever. Para O
STJ, isso é prenúncio de uma avalanche de recursos para ver quem
entrou e quem foi barrado nesta negociação. Isso demonstra que não
temos uma sistematização tributária no País.
E o Poder Judiciário pode fazer algo sobre as decisões
governamentais, já que é o Executivo que define a criação e é
o Legislativo que aprova ou não um novo imposto?
É uma situação curiosa porque somos chamados para participar de
diversas discussões de ordem legal pelos outros poderes, mas,
curiosamente, não somos chamados em situações como esta. Como é
sabido, municípios, Estados e União são nossos maiores clientes,
aqueles que mais aparecem nos processos do STJ. Com a
informatização processual, quem com certeza mais ganhará é a
população. E quem deve estar mais preocupado é o Estado como um
todo porque ele finalmente será compelido a comparecer à corte em
pé de igualdade com o cidadão comum.
Emerson Dias
Especial para Folha
(Entrevista publicada no Jornal FOLHA DE LONDRINA Edição de 13
de dezembro de 2009 Seção FOLHA OPINIÃO
|