30/09/2006
STF- ADIN 2558-1DF - VOTO VISTA DO MIN. MARCO AURÉLIO - IRPJ- CSLL - CONTROLADAS E COLIG NO EXTERIOR

28/09/2006 TRIBUNAL PLENO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.588-1 DISTRITO FEDERAL
V O T O V I S T A
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO  O ato normativo
atacado mediante esta ação direta de inconstitucionalidade é o
artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001:
Art. 74 - Para fim de determinação da base de
cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do
artigo 25 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do
artigo 21 desta medida provisória, os lucros auferidos por
controlada ou coligada no exterior serão considerados
disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil
na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma
do regulamento.
Parágrafo único. Os lucros apurados por
controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de
2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro
de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das
hipóteses de disponibilização previstas na legislação em
vigor.
Na inicial, citando-se trecho de voto do ministro Luiz
Gallotti por mim referido no Recurso Extraordinário nº 150.764-1/PE,
aponta-se que esta Corte já estabeleceu o conceito constitucional de
renda, fazendo-o mediante decisão unânime no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 117.887-6/SP, relatado pelo ministro Carlos
Velloso, no que veio a ser interpretado o artigo 15, inciso IV, da
Constituição de 1946, cujo teor se afirma praticamente igual ao do
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artigo 153, inciso III, da Carta Política de 1988. Então, sustentase
que as normas atacadas conflitam com os seguintes dispositivos da
Lei Maior:
a) artigo 62, ante a falta de urgência para chegar-se
à disciplina da matéria mediante medida provisória;
b) artigos 153, inciso III, e 195, inciso I, alínea
c, no que exigidos imposto e contribuição sobre situação jurídica
que não configura renda ou lucro;
c) artigo 150, inciso III, alíneas a e b, no que o
parágrafo único do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01
teria implicado a tributação de lucros acumulados relativos a
períodos anteriores à edição e também de lucros do mesmo exercício
financeiro.
Na inicial, alude-se a voto do ministro Sepúlveda
Pertence na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.753-2/DF, no
sentido de o Supremo jamais haver afastado o exame dos requisitos de
relevância e urgência previstos no texto constitucional para ter-se
a disciplina de certa matéria mediante medida provisória.
Sob o ângulo da urgência, faz-se a seguinte colocação
(folha 7):
4.4 Suponha-se, por exercício de abstração, que
a regra do artigo 74 ora em questão seja materialmente
constitucional  o que não é, como veremos adiante. Qual a
urgência que se pode imaginar para dar, em julho de 2001
(o artigo foi introduzido na 34ª Edição da MP, em julho do
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corrente ano), a disciplina jurídica de situações que só
ocorrerão, pela literalidade do artigo, em 31 de dezembro
de 2002?
Argumenta-se que poderia ter sido encaminhado projeto
de lei em que observada a separação e o equilíbrio de Poderes. Daí
afirmar-se faltar, no caso, o requisito urgência, indispensável à
edição da medida provisória.
No tocante ao desrespeito ao artigo 153, inciso III,
da Constituição Federal, assevera-se que a matéria em discussão
guarda similitude com o caso do imposto de renda sobre o lucro
líquido, criado pelo artigo 35 da Lei nº 7.713/88, que foi examinado
pelo Supremo quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº
172.058-1/SC. Na assentada, o Tribunal teria proclamado a
inconstitucionalidade, no que previsto o imposto de renda na
modalidade desconto na fonte relativamente aos acionistas, na
simples apuração, pela sociedade, e na data do encerramento do
período-base do lucro líquido, já que o fenômeno não implicaria
qualquer das espécies de disponibilidade versadas no artigo 43 do
Código Tributário Nacional, isso diante da Lei nº 6.404/76. Glosara
a Corte o artigo 35 da Lei nº 7.713/88, por não guardar sintonia com
o Código Tributário Nacional e, inexistindo lei complementar a
ampará-lo, configurada estaria a violação do artigo 146, inciso III,
do Diploma Máximo. Então, alega-se que nessa oportunidade não houve
o exame do citado artigo 35 à luz do disposto no mencionado artigo
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153, inciso III, e parte-se para a elucidação de precedente em que
apreciada a constitucionalidade de lei de imposto de renda anterior
ao Código Tributário Nacional  Recurso Extraordinário nº 117.887-
6/SP -, reproduzindo-se o seguinte trecho do voto proferido pelo
relator ministro Carlos Velloso:
Convém esclarecer, de início, que a Lei 4.506,
de 30.11.64, foi tirada a lume anteriormente ao Código
Tributário Nacional, Lei 5.172, de 25.10.66, com vigência
a partir de 01.01.67. Não obstante isso, não me parece
possível a afirmativa no sentido de que possa existir
renda ou provento sem que haja acréscimo patrimonial,
acréscimo patrimonial que ocorre mediante o ingresso ou o
auferimento de algo, a título oneroso. Não me parece,
pois, que poderia o legislador, anteriormente ao CTN,
diante do que expressamente dispunha o art. 15, IV, da
CF/46, estabelecer, como renda, uma ficção legal.
Segundo as razões expendidas, ter-se-ia disciplina a
extravasar o que previsto no artigo 153, inciso III, da Constituição
Federal, sendo que, para chegar-se à instituição de um novo imposto,
deveria ser atendida a forma prescrita no artigo 154, inciso I, da
Carta da República:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não
previstos no artigo anterior, desde que sejam nãocumulativos
e não tenham fato gerador ou base de cálculo
próprios dos discriminados nesta Constituição;
[...]
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O artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35
encerraria ficção jurídica em que enquadrada como renda situação que
não revela renda em si. Isso estaria evidenciado ao se prever a
consideração, como disponibilizados, para a controladora ou coligada
no Brasil, lucros constantes do balanço formalizado pela controlada
ou coligada no exterior, ou seja, a simples apuração do resultado. O
conceito constitucional de renda direcionaria à disponibilidade. Daí
o Supremo ter decidido que resultado de atividade de pessoa jurídica
não distribuído a acionistas e cotistas não constitui
disponibilidade, deixando, assim, de se ter como legítima a cobrança
de imposto de renda, salvo no caso de firma em nome individual,
subsidiária integral ou sociedade de cotas em que haja, no contrato
social, previsão de distribuição obrigatória de resultados.
No item 5.7.6 da inicial, ressalta-se a extravagância
maior do que previsto quanto às empresas coligadas, porque
inexistente o que se poderia tomar como definição, pela empresa
sediada no Brasil, da oportunidade de se distribuir, ou não, os
resultados. O pedido inicial visa a conferir interpretação conforme
a Carta da República ao artigo 43, § 2º, do Código Tributário
Nacional, acrescentado pela Lei Complementar nº 104/01, para, sem
redução de texto, afastar-se interpretação que ignore a
possibilidade única de se definir, no campo da legislação ordinária,
o momento de ocorrência do fato gerador, em se tratando de receita
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ou rendimento auferidos no exterior, jungido ao fenômeno da
aquisição por disponibilidade econômica ou jurídica.
A seguir, procede-se à análise referente ao parágrafo
único do mencionado artigo 74, afirmando-se que violado estará o
princípio da anterioridade tributária estabelecido no artigo 150,
inciso III, alínea b, da Constituição Federal, caso se confira ao
preceito o alcance de viabilizar a cobrança no período compreendido
entre a edição da Medida Provisória nº 2.138-35 e 31 de dezembro de
2001, dos lucros apurados mas não distribuídos ou, de forma mais
alargada, desde épocas remotas até 31 de dezembro de 2001. Evoca-se
o que decidido pela Corte ao apreciar o Recurso Extraordinário nº
138.284-8/CE, também relatado pelo ministro Carlos Velloso, quando,
à unanimidade, o Colegiado concluiu pela inconstitucionalidade do
artigo 8º da Lei nº 7.689, no que instituíra contribuição sobre o
lucro apurado em 31 de dezembro de 1988, datando a lei do dia 15 do
citado mês.
As informações do Chefe do Poder Executivo fizeram-se
calcadas em pronunciamento da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, revelando não se ter excepcionalidade maior a levar o
Tribunal a glosar a medida provisória pela falta de urgência. No
tocante à disponibilidade, remete-se ao artigo 43 do Código
Tributário Nacional, asseverando-se que (folha 219):
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15. [...] realizado o balanço da pessoa
jurídica controlada ou coligada no exterior - e verificada
a existência de lucro  estes já estão na esfera de
disponibilidade da controladora ou coligada no Brasil, que
decidirá o destino de tais lucros.
Conclui-se (folha 220):
18. Tanto lhe estão disponíveis que podem ser
estes lucros. A) efetivamente pagos ou creditados a elas
(disponibilidade econômica); ou podem elas deliberarem, p.
ex, B) a sua destinação ao fundo de reserva da controlada
ou coligada, implicando aumento na distribuição de ações
ou majoração do valor das já existentes, hipótese esta em
que o patrimônio da controladora ou coligada também
sofrerá acréscimo (disponibilidade jurídica).
A previsão do artigo 74 em comento teria como escopo
evitar a protelação do recolhimento por deliberação da controladora
ou coligada interessadas, sendo para elas indiferente pagar antes ou
quando da percepção dos rendimentos. Sustenta-se a impropriedade dos
precedentes mencionados na inicial. O primeiro, de minha lavra,
porque relativo a sócios acionistas cotistas e titulares de empresas
individuais, e o segundo, porquanto ligado ao imposto de renda a ser
recolhido por pessoas jurídicas sobre lucros distribuídos aos
sócios. Sob o ângulo da anterioridade, as informações consignam que
simplesmente a disciplina cuidou do momento de incidência do imposto
de renda sobre bases de cálculos já sujeitas a cobrança. Não teria
sido criado pela Medida Provisória nº 2.158-35/2001 tributo novo,
não ocorrendo também a majoração, mas a simples definição do momento
da incidência.
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Ao processo veio a manifestação da Advocacia-Geral da
União em idêntico sentido às informações do Chefe do Poder
Executivo.
O parecer do então Procurador-Geral da República, Dr.
Geraldo Brindeiro, é pela constitucionalidade da medida provisória.
A certidão de julgamento de folhas 287 e 288 revela a
rejeição, pela relatora, da preliminar de ilegitimidade e acolhida
parcial do pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da
expressão ou coligada duplamente contida na cabeça do artigo 74 da
Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e o voto do
ministro Nelson Jobim, julgando improcedente para dar interpretação
conforme a Constituição, ao que tudo indica, havendo ocorrido o
equívoco ao grafar-se improcedente, em vez de procedente e, no
tocante à preliminar, legitimidade, ao invés de ilegitimidade.
Estabelecidas as balizas deste processo, rememorandoas
ante a passagem do tempo, passo ao voto propriamente dito.
Da disciplina da matéria mediante medida provisória.
O sistema constitucional revela atuações precípuas dos
Poderes, incumbindo, de regra, ao Poder Legislativo, normatizar; ao
Executivo, executar as leis e, ao Judiciário, definir, mediante
julgamento, o alcance do arcabouço normativo, fixando, nos processos
subjetivos, a regra jurídica incidente, em face do conflito de
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interesses. A mesclagem das atividades consubstancia sempre exceção
e apenas surge legítima quando harmônica com a Constituição Federal.
O Poder Executivo tem a iniciativa de leis complementares e
ordinárias, sendo que, em alguns casos, há a exclusividade  artigo
61, § 1º, da Carta. O Presidente da República pode solicitar
urgência para apreciação de projetos da própria iniciativa e, não se
manifestando a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, cada qual
sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, ficam sobrestadas
todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com
exceção das que têm um prazo constitucional determinado, até que se
ultime a votação  artigo 64, § 1º e § 2º, da Constituição
Federal.
Acresce que o trato de matérias por meio de medida
provisória surge no campo precário e efêmero. Presente a
circunstância de a normatividade visar, acima de tudo, à segurança
jurídica, essa via ganha contornos de excepcionalidade ímpar, não
devendo ser acionada senão em situação a exigir, pela relevância e
repercussão, urgência de tratamento. A não ser assim, é admitir-se
que o Presidente da República pode substituir-se ao Congresso,
atuando como se legislador fosse. Está-se diante de quadro a levar à
conclusão sobre o desrespeito ao texto do artigo 62 da Constituição
Federal, quer considerado o fator cronológico, quer o tema de fundo
propriamente dito que, a todos os títulos, requer definição cabal
advinda do Poder Legislativo.
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Sob o aspecto cronológico, perceba-se que a
problemática do imposto de renda encontrava-se, em 2001, devidamente
disciplinada. Os contribuintes  no caso, as pessoas jurídicas 
atuavam a partir da legislação de regência já sedimentada. Não
obstante, a partir de óptica singular - para dizer o mínimo -
emprestada ao artigo 43 do Código Tributário Nacional, na redação
decorrente da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, em
julho do citado ano, quando havia ainda seis meses para o
encaminhamento e aprovação de projeto objetivando a eficácia da nova
disciplina no exercício subseqüente, lançou-se mão da medida
provisória para dispor-se como se dispôs, desatendendo-se ao artigo
62 da Carta da República e alterando-se substancialmente a matéria
relativa ao imposto de renda quanto a coligadas e controladoras de
empresas no exterior, criando-se quadro de incerteza. É de registrar
que, por isso ou por aquilo, alfim, por opção político-legislativa,
passados quatro anos da edição da medida provisória, até hoje não
ocorreu o crivo que lhe é peculiar, o pronunciamento das duas Casas
do Congresso Nacional, emprestando-se ao artigo 2º da Emenda
Constitucional nº 32, de 2001, alcance invulgar, alcance totalmente
desprovido de razoabilidade, no que o citado artigo assim preceitua:
Art. 2º As medidas provisórias editadas em data
anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor
até que medida provisória ulterior as revogue
explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso
Nacional.
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Assim, a medida provisória em questão é contrária à
Constituição Federal, ante:
a) a ausência de relevância maior da matéria nela
versada;
b) a falta do concurso do requisito urgência no
trato do tema em tal via;
c) a circunstância de, em questão de alcance maior a
repercutir na vida econômico-financeira de pessoas jurídicas,
passados mais de quatro anos da edição da medida, não se contar, até
aqui, com o crivo do Congresso Nacional, presente o fato de o artigo
2º da Emenda Constitucional nº 32/2001 longe haver ficado de colar
às medidas provisórias pendentes de apreciação, em setembro de 2001,
a indeterminação de prazo de validade, ao sabor de conveniências de
toda a ordem. Surge a incongruência. Com a Emenda Constitucional nº
32/2001, substituiu-se a previsão de que a apreciação da medida
ocorreria dentro de 30 dias, verificando-se a perda de eficácia, se
não convertida em lei dentro desse prazo  parágrafo único do artigo
62 da Carta Federal -, por disciplina reveladora da citada conversão
em 60 dias, prazo prorrogável uma única vez, sendo que, não
apreciada em 45 dias, fica submetida ao regime de urgência,
sobrestando-se, até que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando - § 3º e
§ 6º do mesmo artigo 62. Logo, descabe o empréstimo da
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indeterminação de prazo de vigência àquelas medidas então pendentes
de exame quando da nova disciplina, cujo escopo maior foi, sem
dúvida, acabar com a indefinida pendência de medidas, observando-se
a própria natureza que é revelada pelo adjetivo provisório. Há de
se convir não coabitarem o mesmo teto a provisoriedade da medida e a
projeção no tempo  de mais de quatro anos -, sem considerar-se o
envolvimento do tema que, a todos os títulos, reclama segurança
jurídica.
Do imposto de renda e da contribuição sobre o lucro
líquido.
Nunca é demasia lembrar que a Constituição Federal
contém regência inafastável quanto à tipicidade desses tributos. Sob
o ângulo da contribuição, o artigo 195, inciso I, alínea c, remete
ao lucro, ou seja, ao resultado da pessoa jurídica, dadas as
receitas e as despesas do período. Sob o prisma formal, surge a
necessidade, assim, de se considerar o resultado do próprio balanço,
o resultado positivo, em termos de lucro do que verificado no
período de apuração. No tocante ao imposto, é da maior importância a
própria nomenclatura que o reveste - imposto sobre a renda e
proventos de qualquer natureza -, pressupondo haja a integração de
riqueza, na forma de renda e de proventos de qualquer natureza, ao
patrimônio do contribuinte. Por isso mesmo, o Código Tributário
Nacional, a legislação, nas diversas gradações, a doutrina e a
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jurisprudência consagraram, para dizer-se da incidência do citado
imposto, a disponibilidade econômica ou jurídica. O fenômeno há de
estar presente não só em vista da renda em si, no que inconfundível
com o patrimônio, como também da pessoa individualizada do
contribuinte. Descabe a sinonímia, descabe a despersonalização,
confundindo-se pessoas jurídicas individualizadas, porque
devidamente, sob os ângulos formal e material, constituídas.
Não bastasse a tipicidade do tributo, decorrente da
Carta da República, a circunstância de se tratar de imposto sobre a
renda, o legislador complementar foi pedagógico, simplesmente
pedagógico, ao prever que a lei tributária não pode alterar a
definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas
de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela
Carta Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis
Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou
limitar competências tributárias  artigo 110 do Código Tributário
Nacional. O preceito alcança o ato extravagante que é o da edição de
medida provisória. Descabe o embaralhamento de institutos,
expressões e vocábulos, como se cada qual não tivesse o sentido
próprio indispensável a caminhar-se com segurança jurídica. A
empresa possuidora de personalidade jurídica não se confunde com
outra, pouco importando se tenha a coligação ou o controle, espécies
societárias que não levam à simbiose a ponto de, em promiscuidade
ímpar, confundir as personalidades no que são próprias. São
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individualmente levadas em conta, quer sob o aspecto da
responsabilidade fiscal, da responsabilidade junto a outras pessoas
jurídicas e a pessoas naturais, quer sob o prisma dos direitos e
deveres em geral. A despersonalização pressupõe caso concreto de
extravagância, quanto aos vícios de consentimento, considerada a
ordem jurídica, não podendo vir a ser placitada de maneira genérica,
linear, invertendo-se valores, para este ou aquele fim, por mais
querido ou nobre que o seja, considerada a presunção, simples
presunção, de evasão ou sonegação cuja revelação deve ser real. A
disponibilidade, tão comum ao conceito de renda, tem sentido
vernacular e técnico todo próprio. O fato gerador do imposto sobre a
renda, sob pena de não se poder assentar esta última, é a aquisição
da disponibilidade econômica ou jurídica, fenômeno sempre concreto e
que não pode, à mercê de ficção jurídica extravagante,
insuplantável, ser deturpada, a ponto de se dizer que, onde não há
disponibilidade econômica ou jurídica, entenda-se já acontecido o
fenômeno, como ocorre enquanto o lucro da coligada ou controlada
existente no exterior continua, consoante a legislação de regência,
no estrangeiro, no próprio patrimônio da empresa que o apurou, não
sendo, consideradas as diversas modalidades admitidas em Direito,
transferido à empresa situada no Brasil, que, por isso mesmo, não
tem como integrar qualquer aporte, em termos de renda, ao respectivo
balanço. A introdução, no artigo 43 do Código Tributário Nacional,
do § 2º não se fez com o alcance normativo que serviu de base à
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fértil mas viciada inspiração do Executivo, no que editada a medida
provisória, como se nele estivesse contida delegação ao legislador
ordinário incomum, de adentrar o campo da ficção jurídica e criar,
desprezada a natureza das coisas, novo fato gerador como se fosse
legislador complementar. Eis o teor do § 2º:
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento
oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o
momento em que se dará a sua disponibilidade, para fins de
incidência do imposto referido neste artigo.
Em primeiro lugar, há de se interpretar a lei à luz do
texto constitucional e este é categórico na tipologia do tributo, ao
revelá-lo sobre a renda. Em segundo lugar, o parágrafo, acessório
vinculado ao principal e que, portanto, não tem vida própria, deve
ser interpretado a partir da cabeça do artigo e, no caso, tem-se a
vinculação do que nele previsto à regra consoante a qual o fato
gerador do imposto sobre a renda é a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica, acontecimento  nele, parágrafo, repetido em
bom vernáculo - que não se verifica enquanto o lucro da coligada e
da controlada permanece no estrangeiro, sob a regência da lei que
lhe é pertinente, sob a discrição da própria sociedade, da própria
pessoa jurídica no qual gerado. O § 2º do artigo 43 do Código
Tributário Nacional, interpretado de modo teleológico, sistemático e
hierarquizado, versa sobre condições e momento da disponibilidade,
presente, sem sombra de dúvidas, a ocorrência desta última. Tanto é
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assim que o início do preceito contém a referência a receita ou
rendimento oriundos do exterior, o que, considerada a origem,
direciona ao ingresso no território nacional. Não é dado conferir ao
parágrafo o sentido de transmudar, de descaracterizar, à luz dos
parâmetros da Constituição Federal, o próprio tributo, como também o
de estender ao conceito de disponibilidade significado antônimo ao
que ele possui, como se disponibilidade e indisponibilidade fossem
palavras sinônimas. A não se entender assim, ter-se-á o surgimento
da disciplina de um novo tributo, ou seja, do imposto sobre o
patrimônio, potencializando-se a circunstância de a empresa na qual
detida a participação haver logrado lucro, alterado com isso, é
certo, mas ao sabor do mercado, o respectivo valor, o valor das
ações. Enquanto inexistente o ingresso da participação da empresa
brasileira no território nacional, enquanto não distribuídos os
lucros pela empresa estrangeira com a qual se mantenha laços sob o
ângulo da coligação ou do controle, não é dado cogitar do fato
gerador do imposto sobre a renda, porque a renda é inexistente e
porque não passou a disponibilidade, em si, sob tal ângulo e não do
patrimônio, da empresa coligada ou controlada para a brasileira.
Tenha-se presente que inúmeras circunstâncias podem
obstaculizar o acesso aos citados lucros. Tudo depende da legislação
do país em que situada a empresa que haja apresentado lucro e também
da deliberação da respectiva Assembléia. É possível ter-se, por
exemplo, o óbice à distribuição do lucro levando em conta
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determinada situação jurídica, a necessidade legal de se reservar
recursos indispensáveis a fazer frente a certo ônus. Plausível é
ter-se deliberação da Assembléia no sentido de se reinvestir os
lucros apurados, deixando-se de distribuí-los aos acionistas, sejam
estes pessoas jurídicas ou pessoas naturais que, por isso mesmo, por
não contarem com o aporte de renda, não estarão sujeitos, quer na
origem, quer no país em que se encontrem, princípio da
territorialidade, à incidência do imposto sobre a renda. A entenderse
de forma diversa, não se estará, em si, caminhando para a taxação
de lucros, mas para a bitributação, tendo em conta valores que
permanecerão no estrangeiro, olvidando-se os inúmeros tratados
formalizados pelo Brasil no sentido de evitar a sobreposição
tributária fiscal, em homenagem ao citado princípio, ao princípio da
territorialidade.
A medida provisória em comento restabelece sistema
anterior e que foi mitigado pela própria Receita Federal mediante a
Instrução Normativa nº 38/96, tudo ocorrendo, à época, em respeito à
Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional. A Lei nº
9.249/95 versava a incidência do imposto sobre a renda na proporção
da participação detida pela empresa brasileira no capital da empresa
situada no exterior, independentemente da distribuição ou de
qualquer outro mecanismo equivalente de ingresso de recursos no
patrimônio da contribuinte. A óptica que prevaleceu foi única, ou
seja, a impossibilidade de se confundir direito já formalizado e
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detido em patrimônio com a simples expectativa de direito, isso
considerados os lucros, ou mesmo, com o aumento presumido, simples
presunção ante as artimanhas do mercado, do patrimônio. A medida
provisória, ao prever a incidência do tributo sobre a renda como se
já ocorrida, pela simples apuração do lucro em balanço da coligada
ou controlada, sem a disponibilização à controladora ou coligada
brasileira, discrepa, a mais não poder, do figurino constitucional
do imposto sobre a renda, do artigo 43 do Código Tributário
Nacional, conferida interpretação conforme a Constituição, bem como
do que até aqui foi proclamado, de forma clara, precisa e
norteadora, pelo Supremo.
O tema, sob o ângulo da jurisprudência, não é novo. No
julgamento do Recurso Extraordinário nº 117.887-6/SP, relator
ministro Carlos Velloso, a Corte, sem discrepância de votos, teve
presente a natureza, em si, do imposto sobre a renda, consignando a
ementa do acórdão, publicada no Diário da Justiça de 23 de abril de
1993:
[...]
I. - Rendas e proventos de qualquer natureza: o
conceito implica reconhecer a existência de receita,
lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem
mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título
oneroso. C.F., 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC
1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43.
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II. - Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei
4.506/64, que institui adicional de 7% de imposto de renda
sobre lucros distribuidos.
III. - R.E. conhecido e provido.
Voltou o Tribunal a decidir quando do julgamento do
Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC. Com a discrepância de um
único voto, do ministro Ilmar Galvão, veio o extraordinário a ser
conhecido, declarando-se a inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei
nº 7.713/88, ocorrendo, no mérito, o provimento parcial. Eis a
ementa do acórdão, de minha lavra, publicada no Diário da Justiça de
13 de outubro de 1995:
[...]
TRIBUTO - RELAÇÃO JURÍDICA ESTADO/CONTRIBUINTE
- PEDRA DE TOQUE. No embate diário
Estado/contribuinte, a Carta Política da República
exsurge com insuplantável valia, no que, em prol do
segundo, impõe parâmetros a serem respeitados pelo
primeiro. Dentre as garantias constitucionais
explícitas, e a constatação não exclui o
reconhecimento de outras decorrentes do próprio
sistema adotado, exsurge a de que somente a lei
complementar cabe "a definição de tributos e de suas
espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos
fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes" 
alínea "a" do inciso III do artigo 146 do Diploma
Maior de 1988.
IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - SÓCIO
COTISTA. A norma insculpida no artigo 35 da Lei nº
7.713/88 mostra-se harmônica com a Constituição Federal
quando o contrato social prevê a disponibilidade econômica
ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido
apurado, na data do encerramento do período-base. Nesse
20
caso, o citado artigo exsurge como explicitação do fato
gerador estabelecido no artigo 43 do Código Tributário
Nacional, não cabendo dizer da disciplina, de tal elemento
do tributo, via legislação ordinária. Interpretação da
norma conforme o Texto Maior.
IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE -
ACIONISTA. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88 é
inconstitucional, ao revelar como fato gerador do imposto
de renda na modalidade "desconto na fonte", relativamente
aos acionistas, a simples apuração, pela sociedade e na
data do encerramento do período-base, do lucro líquido, já
que o fenômeno não implica qualquer das espécies de
disponibilidade versadas no artigo 43 do Código Tributário
Nacional, isto diante da Lei nº 6.404/76.
IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - TITULAR
DE EMPRESA INDIVIDUAL. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88
encerra explicitação do fato gerador, alusivo ao imposto
de renda, fixado no artigo 43 do Código Tributário
Nacional, mostrando-se harmônico, no particular, com a
Constituição Federal. Apurado o lucro líquido da empresa,
a destinação fica ao sabor de manifestação de vontade
única, ou seja, do titular, fato a demonstrar a
disponibilidade jurídica. Situação fática a conduzir à
pertinência do princípio da despersonalização.
[...]
Colhe-se desse precedente que a Corte assentou, de
forma bem clara, a necessidade, para ter-se o fato gerador do
imposto de renda, de se contar com a disponibilidade econômica ou
jurídica. Enfrentou questão em que a lei, declarada
inconstitucional, previra, como fato gerador, quanto aos acionistas,
a simples existência de balanço, da pessoa jurídica, revelando a
existência de lucro a ser ainda objeto de deliberação, considerado o
repasse aos sócios. O tema decidido guarda correlação com o versado
na medida provisória atacada mediante esta ação direta de
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inconstitucionalidade. A única diferença é que não se cogitou, no
precedente, de situação jurídica em que se teria empresa sediada no
exterior. Entrementes, esse aspecto apenas reforça a conclusão sobre
a inconstitucionalidade da medida provisória, ante os tratados
subscritos pelo Brasil e que afastam a bitributação e requerem a
disponibilidade, com o ingresso da renda no território brasileiro,
para, então, já aqui vir a incidir o imposto. No julgamento, o
ministro Francisco Rezek teve a oportunidade de extremar a situação
alusiva à sociedade por cotas de responsabilidade limitada e à firma
individual, ao consignar:
O que estamos a dizer, na interpretação
conforme da norma, a propósito da sociedade por cotas,
revela de modo unívoco nosso pensamento sobre a sociedade
anônima num extremo e a firma individual noutro.
[...]
Concluiu Sua Excelência conhecendo do extraordinário e
lhe dando provimento.
O ministro Carlos Velloso ressaltou que:
A disponibilidade econômica significa a
obtenção de renda, significa ingresso real no patrimônio
da pessoa, de moeda ou seu equivalente, ou a possibilidade
de a pessoa dispor da renda. Já a disponibilidade jurídica
significa ou traduz a possibilidade, tendo em vista
disposições jurídicas ou contratuais, de o sujeito dispor
de uma renda posta a sua disposição.
22
Então, referiu-se a Modesto Carvalhosa, citado por
Henry Tilbery, segundo o qual ter-se-ia a outorga efetiva de
direitos creditícios que representam acréscimo patrimonial.
Transcreveu lição de Gilberto de Ulhôa Canto em Aquisição de
Disponibilidade ou Acréscimo Patrimonial no Imposto de Renda, a
saber:
A disponibilidade jurídica, de acordo com o
dispositivo citado, ocorre desde o momento em que o
benefício, pessoa física, estiver em condições de exigir o
pagamento, por exemplo, quando for-lhe creditado por
pessoa jurídica. Entendemos, porém, que deve haver um
crédito identificado a favor do benefício: a inclusão da
despesa aproximada ou estimada dentro de uma provisão,
coletivamente com outros itens, ainda não col
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