26/05/2010
Conselheiros do Cade divergem sobre abuso de direito

Conselheiros do Cade divergem sobre abuso de direito

Por Eurico Batista

O conselheiro Olavo Chinaglia, do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), abriu divergência do voto do relator Fernando Furlan, no caso em que a Siemens VDO Automotive é acusada pela Seva Engenharia Eletrônica de prejudicar a concorrência por meio do abuso do direito de ação ou litigância de má-fé. O caso ganhou destaque no meio jurídico porque é a primeira vez que o Cade analisa uma denúncia em que uma empresa teria movido sucessivas ações judiciais com o intuito de impedir ou prejudicar a concorrência.

As duas empresas atuam no mercado de tacógrafo. Para o conselheiro Fernando Furlan, "ficou provado que o produto da Siemens não atendia as exigências legais, mas a empresa moveu ações para exigir a regularização por parte da concorrente". Ao mesmo tempo, a Siemens questionou a legalidade dos regulamentos dos órgãos competentes para homologar o tacógrafo da Seva. O relator entendeu que a Siemens não tem essa legitimidade e agiu no intuito de prejudicar o funcionamento da concorrente. Em dezembro de 2009, Furlan votou pela aplicação de multa de 1% sobre o faturamento da Siemens, cerca de R$ 14 milhões. Depois de cinco meses com o processo em vista, Olavo Chinaglia apresentou voto divergente na sessão do último dia 20 de maio. O conselheiro César Mattos pediu vista do processo.

Em suas ações judiciais, a Siemens exigiu que a concorrente atendesse a todos os regulamentos existentes para o tacógrafo, mas o seu próprio produto sequer era homologado pelos órgãos competentes. Para o relator, a empresa agiu de forma abusiva e anticompetitiva.

Já o conselheiro Olavo Chinaglia entendeu que a Siemens não foi a juízo se opor à venda de tacógrafos não homologados pela Seva, pois inexistem nas demandas quaisquer pedidos de impedimento ou restrição de comercialização dos produtos. O que a Siemens reclama, segundo o conselheiro, é a falta de requisitos legais nos atos do Denatran, gerando uma autorização irregular.

Em seu relatório complementar, Olavo Chinaglia revela uma situação preocupante. Segundo ele, a comercialização de tacógrafos sem a homologação do Denatran parece ter sido comportamento comum aos participantes do setor. Em resposta às consultas feitas pelo conselheiro, várias empresas informaram que durante períodos variados de 5 anos e de 8 anos, até 2007, comercializaram diversos tipos de tacógrafos que jamais contaram com a homologação do Denatran. Nesse período, quase 18 mil caminhões e ônibus foram fabricados com tacógrafos irregulares.

Para o conselheiro, o comportamento comum das empresas não afeta a legitimidade da Siemens para questionar judicialmente homologações aparentemente ilegais concedidas pelo Denatran. Além disso, Chinaglia não encontrou nas ações nenhum efeito deletério à concorrência.

Além de questionar a legalidade dos atos do Denatran que homologaram os tacógrafos da concorrente, a Siemens pediu a suspensão liminar da autorização que o órgão deu à Seva. Para Olavo Chinaglia, a ação não tem artifício malicioso e não traz grandes riscos à coletividade ou dano ao consumidor. Para ele, a Siemens simplesmente argumentou que a homologação sem a observância dos requisitos legais lesa, ao mesmo tempo, os valores protegidos pela regulação estatal, no caso a segurança do trânsito, e a os interesses privados dos concorrentes, havendo risco de perigo da demora da prestação jurisdicional. Mesmo em relação ao pedido de suspensão liminar da autorização da Seva, o conselheiro entendeu que a Siemens agiu no regular exercício do direito de ação.

De acordo com o relator do caso, Fernando Furlan, ao mover as ações judiciais a Siemens violou os direitos difusos da concorrência, pois gerou incerteza sobre a regulação aplicada ao setor e, assim, construiu uma barreira à entrada de concorrentes. O conselheiro Olavo Chinaglia disse que não percebeu qualquer relação de causalidade entre a conduta da Siemens e uma suposta incerteza regulatória no mercado de tacógrafo. Segundo ele, no período entre 2000 e 2008, oito tipos de tacógrafos de três fabricantes distintos foram homologados pelo Denatran, em atos regulatórios distintos daqueles que são questionados pela empresa. Além disso, a Seva jamais deixou de comercializar tacógrafos e aumentou o seu faturamento, mesmo no período de vigência da liminar.

Olavo Chinaglia votou pelo arquivamento do processo, afastando também a denúncia de convite à cartelização, oferecida a partir de gravações de reuniões entre representantes das duas empresas. Para ele, ainda que houvesse o convite, sem a consequente aceitação, não torna a Seva uma vítima, já que não houve ameaça. Isso faz com que a gravação seja prova ilícita, pois viola o direito constitucional da privacidade, já que o autor da gravação foi um dos participantes da reunião e não um terceiro alheio à conversação. De acordo com Chinaglia, recentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu em regime de repercussão geral, a ilicitude da gravação ambiental obtida por um dos interlocutores à revelia do outro.

Para o presidente do Cade, Arthur Badin, o conselheiro Olavo Chinaglia inaugurou uma divergência importante, pois se opôs a todos os relatórios anteriores, apresentados pelo relator, pela Procuradoria do Conselho e pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. O procurador do Cade, Gilvandro Araújo disse que a decisão do STF, em recurso relatado pelo ministro Cezar Peluso, que estabeleceu a diferença entre a clandestinidade e a ilicitude da prova gravada, ocorreu após o parecer da Pro-Cade. Posso dizer que a Procuradoria adere completamente a essa decisão do Supremo, que ocorreu posterior e nos dá muita tranqüilidade para retificar a nossa manifestação, disse o procurador. Segundo ele, já ocorreu da Procuradoria mudar o seu parecer a partir de decisão judicial ocorrida durante a tramitação do processo no Cade.

Processo 08012.004484/2005-51

http://www.conjur.com.br/2010-mai-25/conselheiros-cade-divergem-abuso-direito-acao
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