02/06/2010
Fisco suspeita de uso de benefício fiscal fictício; Bolsa nega irregularidade

Receita Federal quer cobrar R$ 5,5 bi da BM&FBovespa

Fisco suspeita de uso de benefício fiscal fictício; Bolsa nega irregularidade

Abatimento gerado por operações de fusão é alvo das investigações; outras companhias já foram multadas

Leonardo Souza

A Receita Federal abriu uma investigação especial contra a BM&FBovespa pela suspeita de que a Bolsa paulista tenha criado benefícios fiscais fictícios para deixar de pagar mais de R$ 5,5 bilhões em tributos federais.

Por operações de mesma natureza, calcadas em reorganizações societárias, grandes grupos tomaram multas gigantescas do fisco, como o Santander (R$ 3,95 bilhões) e a Natura (R$ 544 milhões).

A BM&FBovespa nega irregularidades. Santander e Natura recorrem das multas.

Na origem da ação do fisco, está o que especialistas em tributação chamam de "indústria do ágio", um incentivo estabelecido no governo de Fernando Henrique Cardoso para estimular, na época, as privatizações.

O ágio é a diferença entre o valor de mercado da empresa adquirida e o preço efetivamente pago pelo comprador.

Em linhas gerais, esse custo adicional (calculado com base na expectativa dos lucros futuros a serem gerados pela companhia comprada) pode ser abatido pelo novo controlador da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Nos últimos anos, contudo, grandes grupos passaram a realizar incorporações entre empresas do próprio conglomerado somente para gerar o ágio.

É essa a suspeita que os auditores do fisco lançam contra a BM&FBovespa. Em 2008, a Bolsa de Mercadorias & Futuros e a Bolsa de Valores de São Paulo se uniram. Os sócios eram basicamente os mesmos -corretoras.

ÁGIO
Com a decisão da fusão, o conglomerado fez uma série de incorporações entre suas empresas. Ao final do processo, chegaram a um ágio de R$ 16,3 bilhões. Isso significa deixar de pagar R$ 5,54 bilhões em IR e CSLL ao longo dos próximos anos. Esse valor é obtido ao aplicar a alíquota dos dois tributos (25% e 9%) sobre o ágio.

Equipe especial de quatro auditores já iniciou diligências na BM&FBovespa e solicitou diversos dados da contabilidade da companhia.

Segundo a Folha apurou, eles já constataram indícios de irregularidade na constituição do ágio. Se confirmarem a ilegalidade, devem lançar um auto de infração bilionário contra a Bolsa.

Sem mencionar casos específicos, o especialista em contabilidade societária Heraldo Oliveira, professor da Fipecafi, disse que, a partir da lei 11.638, de 2007, as operações de ágio interno não têm mais base na legislação.

"Entretanto, as operações passadas têm lá sua justificativa legal. É uma boa briga entre contribuintes e fisco."

Jorge Vieira, da UERJ, vai na mesma linha.
"As operações anteriores à 11.638 contam com o amparo da lei."

A Receita e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, porém, têm mantido avaliação contrária. Entendem que as manobras societárias internas não têm fundamentação econômica, o que justifica a multa, independentemente da data.

Tanto a operação do Santander quanto a da Natura são anteriores a 2007.

MULTAS JÁ APLICADAS
R$ 3,95 bi
Auto de infração aplicado ao Santander Banco foi autuado pelo fisco, em dezembro de 2008, por operações anteriores a 2007. O banco recorreu da multa
R$ 544 mi
Auto de infração aplicado à Natura Empresa também foi autuada, em junho de 2009, por operações anteriores a 2007. A empresa recorreu

OUTRO LADO:Bolsa diz que agiu na lei; Natura e Santander recorrem de multa

A BM&FBovespa informou, por meio de sua assessoria, que a constituição do ágio decorrente das incorporações entre empresas do grupo deu-se com base na legislação vigente.

A assessoria também disse não ter conhecimento de fiscalização da Receita.

O fisco, contudo, já iniciou diligências em relação à BM&FBovespa e solicitou informações à companhia.
Como a contabilidade das grandes empresas é processada em arquivos magnéticos, numa primeira fase da investigação os auditores não precisam estar fisicamente dentro da companhia.

O Santander informou que não iria se manifestar sobre o caso porque havia recorrido da multa aplicada pelo fisco.
O caso do banco espanhol remonta à privatização do Banespa, realizada em 2000. Para usufruir do benefício fiscal do ágio, o Santander criou uma empresa "veículo" no Brasil para receber o dinheiro que seria usado na compra do Banespa.

Essa empresa "veículo" (existente somente no papel) adquiriu o Banespa e depois foi incorporada pelo próprio banco, gerando o ágio. Se os espanhóis tivessem comprado diretamente o Banespa, sem a empresa "veículo" no Brasil, não teriam como usar o benefício fiscal.

O fisco considerou uma simulação a operação do Santander e multou o banco, em R$ 3,95 bilhões, em dezembro de 2008.

Em prospecto a investidores em outubro de 2009, o Santander admitiu que recebeu a multa, mas informou que tinha a convicção de que conseguiria derrubá-la.
Procurada pela Folha, a Natura não quis se manifestar sobre o auto de infração de R$ 544 milhões recebido em junho do ano passado.

A multa aplicada pelo fisco se deu por conta de uma reestruturação societária iniciada pela Natura em 2000 e que se estendeu até 2004.
A Natura recorreu da multa. Nos dois casos, ainda não houve uma decisão final na esfera administrativa.

MANTEGA AFIRMA QUE VAI TORNAR REGRAS TRIBUTÁRIAS MAIS RÍGIDAS
A chamada "indústria do ágio" cresceu tanto nos últimos anos que a Receita passou a tratar o assunto como problema de Estado. O fisco estima que o potencial de perda de arrecadação com essa prática seja da ordem de R$ 37 bilhões.

Na conta do fisco, o estoque de crédito tributário a partir do ágio em incorporações está em R$ 110 bilhões.
A redução no recolhimento de tributos é calculada aplicando as alíquotas conjuntas de IR (25%) e CSLL (9%) sobre o ágio -34% de R$ 110 bilhões.

Em 2009, a cúpula do fisco levou o tema para o ministro Guido Mantega (Fazenda), pedindo que a legislação fosse alterada de modo a vedar as brechas nas quais as empresas tentam se escorar para justificar o benefício fiscal.

Por meio de sua assessoria, o ministro confirmou à Folha que o governo estuda o assunto e que pretende ainda neste ano eliminar ou tornar as regras contra o ágio mais rígidas.

O atual comando da Receita também concorda que a legislação sobre o tema precisa ser modificada.

Fonte:
Folha de São Paulo

Associação Paulista de Estudos Tributários, 1/6/2010 15:49:20

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