VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Greve da Justiça em 22 Estados causa transtornos às empresas
Em uma das sessões do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), cercada por toda a pompa e formalidade do ambiente, o ministro Ricardo Lewandowski não conseguia finalizar a leitura de seu voto ao microfone. A Copa do Mundo ainda não havia começado, mas o ministro era interrompido pelo barulho de apitaços e vuvuzelas que vinha da rua. Naquele dia, 25 de maio, começavam as manifestações dos servidores do Judiciário Federal, em Brasília, por uma reposição salarial de até 50% e um novo plano de cargos e salários. O movimento pelo país, no entanto, havia começado um mês antes. Hoje, somando as Justiças Estadual e Federal - que englobam as áreas fiscal, cível, criminal, trabalhista, eleitoral e militar -, a greve dos servidores já alcança 22 Estados brasileiros. E já atrapalha as estratégias e cotidiano das empresas.
Uma multinacional paulista, por exemplo, está com cerca de R$ 1 milhão preso em depósito judicial já liberado por decisão da Justiça. "Não conseguir alvará para levantamento de depósito em um tempo normal virou algo comum", afirma a advogada Marcia Brandão Leite, do escritório Braga & Marafon Advogados. Com isso, há empresas que podem deixar de registrar esses valores no balanço, no fechamento do trimestre. "O que pode complicar a situação da empresa no mercado."
Outro caso, que sempre acontece durante as greves do Judiciário, é a dificuldade das empresas que discutem o pagamento de tributos na Justiça em obter certidões negativas de débito. As empresas recorrem ao Judiciário para pedir a liberação das certidões "Nós acabamos conseguindo, mas demora-se muito mais. Se normalmente já há acúmulo de processos no Judiciário, em greve então", diz Márcia. No caso, seus clientes - todos de São Paulo - aguardam a certidão para participar de licitações e obter financiamento bancário.
Nos tribunais superiores, só não há grande impacto nos processos porque a União ajuizou uma ação e conseguiu uma liminar para garantir que pelo menos 60% dos funcionários trabalhem. De fato, os advogados não perceberam mudança no ritmo de trabalho das Cortes.
Na Justiça Estadual, atualmente, há apenas três Estados em greve: Paraíba, Ceará e São Paulo - Estado com maior volume de processos no país. Os paulistas querem uma reposição salarial de 20,16%, referente à inflação de 2008 e 2009. Mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) propôs encaminhar à Assembleia Legislativa um projeto de lei com reajuste de 4,77%, referente a 2010, e comprometeu-se, também, a incluir os 20,16% na proposta orçamentária de 2011.
Mesmo com o desconto dos dias parados nos salários, a adesão à paralisação alcança cerca de 50% dos servidores, segundo José Gozze, presidente do Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O tribunal chegou a suspender os prazos dos processos. Porém, desde segunda, cabe a cada juiz ver se o processo foi afetado e conceder mais prazo, ou não. Segundo Fausto José Martins Seabra, juiz diretor do Fórum João Mendes em São Paulo, na 21ª Vara, por exemplo a média é de 300 a 400 sentenças proferidas por mês. "Como a greve se intensificou no dia 16, até agora o impacto estimado é relativo a uma semana de produção", diz. O juiz lembra que após a greve de 2004, que durou mais de 90 dias, juízes e servidores tiveram que trabalhar horas a mais, por vários dias. "Tivemos que levar mais processos para casa no fim de semana."
No Nordeste, a Justiça Estadual da Paraíba está parada há mais de dez dias. Segundo o presidente do Sindicato Servidores Poder Judiciário da Paraíba (Sinjep), João Ramalho Alves da Silva, a adesão é superior a 90% dos servidores e mais de 20 mil processos estão parados. "Nossa reivindicação é a reposição de 15%, jornada de seis horas e um novo plano de cargos e carreiras", afirma.
Na esfera federal, os processos trabalhistas são os mais afetados no país. Há duas semanas, o advogado Danilo Pereira, do escritório Demarest & Almeida, participou de uma audiência, agendada há quase um ano com cliente e testemunhas. Ao chegar à sala da sessão, encontrou um papel na porta escrito "estamos em greve". Sem garantia de que seria registrado que aquela audiência não ocorreu, o advogado temia que um novo agendamento só fosse ocorrer daqui mais um ano. Por isso, tirou uma foto do cartaz, junto com um jornal do dia, para demonstrar que estava no local, dia e horário marcados. "Melhor prevenir. Na vara ao lado, estava ocorrendo uma audiência normalmente", diz.
Para o presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ªRegião (SP), Sebastião Daidone, a manutenção da greve não faz sentido. "Não há mais como mexer em orçamento este ano", afirma. Hoje, na capital só 11 dos 90 cartórios da primeira instância trabalhista estão funcionando.
Pedidos de reajustes variam de 15% a 50%
O Poder Executivo estima um impacto aos cofres públicos de R$ 7 bilhões, caso o Congresso Nacional aprove as reivindicações dos servidores do Judiciário Federal. O principal objetivo das paralisações é a aprovação do Projeto de Lei nº 6.613, de 2009, que institui reposição salarial de até 50% do vencimento básico - sem contar as gratificações - dos servidores e a reestruturação das carreiras. Atualmente, o PL aguarda análise da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados. O valor é bem superior ao montante gerado com o reajuste de 7,7% para os aposentados, estimado em R$ 1,6 bilhão, segundo o Ministério da Fazenda.
Segundo Ramiro Lopez, coordenador-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Fenajud), retardar o andamento dos processos não é o objetivo da categoria. "Finda a greve, colocaremos os serviços em dia com uma jornada maior de trabalho", diz. O que eles querem é uma aproximação aos valores dos vencimentos dos funcionários do Executivo. O também coordenador da entidade Jean Loiola critica que diga-se que copeiros do Judiciário Federal poderão ganhar mais do que juízes com a aprovação do projeto. "Para começar, toda a área de copeiragem é terceirizada", afirma.
Comparando os valores, um analista judiciário, por exemplo, ganha atualmente R$ 4,36 mil de vencimento básico mínimo, e R$ 6,95 mil, no máximo. Passaria a ganhar um piso de R$ 6,85 mil e a ter um teto de R$ 10,88 mil. Mas, sem incluir as gratificações. Todos os servidores têm direito à gratificação de atividade judiciária (GAJ), que representa 50% do salário-base. Se tiver título acadêmico pode ter também o adicional de qualificação (AQ), de 7,5% a 12,5%. Algumas classes têm ainda gratificações adicionais. Os oficiais de Justiça têm direito ao adicional de gratificação de atividade externa (GAE) e os agentes de segurança à Gratificação de Atividade de Segurança (GAS), ambas equivalentes a 35% do vencimento básico. Além disso, os servidores antigos têm direito inclusive a gratificações já extintas como, por exemplo, o quinto. Após cinco anos em cargo de chefia, o servidor ganhava um acréscimo ao salário.
Laura Ignacio, de São Paulo
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