22/11/2010
Justiça reconhece a exclusão dos materiais utilizados na construção civil da base de cálculo do ISS

Justiça reconhece a exclusão dos materiais utilizados na construção civil da base de cálculo do ISS
Por Otto Artur da Silva Rodrigues de Moraes em 19 de novembro de 2010

Visando fomentar o debate e democratizar o acesso à informação, temos a enorme satisfação de trazer ao conhecimento de todos recente decisão da lavra da Primeira Vara Cível da Comarca de Auriflama/SP em um Mandado de Segurança em que se pleiteou a declaração de ilegalidade e inexigibilidade do crédito tributário referente ao ISSQN, sobre os valores dos materiais utilizados na prestação de serviços de edificações, prestadas pela impetrante por força de contrato de licitação celebrado.

Como todos esperamos a publicação do acórdão do RE 603.497 (com reconhecimento de repercussão geral da matéria), esta é mais uma importante decisão que ajudará a todos aqueles que se encontram em semelhante situação a lutar por seus direitos.

Veja a decisão em sua íntegra.

V I S T O S.

Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por COSTRUTORA E ENGENHARIA LTDA. contra ato imputado ao DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE FINANÇAS DO MUNICÍPIO DE AURIFLAMA-SP, requerendo a declaração de ilegalidade e inexigibilidade do crédito tributário referente ao ISSQN, sobre os valores dos materiais utilizados na prestação de serviços de edificações, prestadas pela impetrante por força de contrato/icitação celebrado.

Sustenta a impetrante, em resumo, possuir direito líquido e certo ao recolhimento do ISSQN somente sobre o preço do serviço, excluindo-se os valores relativos aos materiais e produtos que são indispensáveis para a consecução do serviço. Escora-se na Lei Complementar Federal n° 116/03, mais precisamente no artigo 7º, § 2º, inciso I c.c. com os itens 7.02 e 7.05, da lista de serviços anexos a lei referida. Também cita o artigo 9º, caput e §2º, do Decreto-Lei nº 406/08 que, no mesmo sentido, exclui a incidência de ISSQN sobre os materiais fornecidos pelo prestador dos serviços na consecução de sua atividade. Requereu a liminar.

Com a inicial, os documentos.

A medida liminar foi deferida pelo Juízo (fls. 1040> Informações pelo impetrado (fls. 108/169).

A fls. 171/180, o Representante do Ministério Público deixou de apreciar o mérito do mandamus, por entender ausente hipótese de intervenção.

Vieram-me conclusos.

Relatados, passo a fundamentar e DECIDIR. A segurança deve ser concedida parcialmente.

Com efeito, a controvérsia instaurada nos autos versa sobre a base de cálculo do ISSQN. Sustenta a impetrante que a base de cálculo deve limitar-se ao valor do serviço de edificação, deduzidos os valores dos materiais necessários para tanto. Já a impetrada afirma que é legal a incidência sobre os materiais que não são produzidos propriamente pelas empresas de edificação.

A razão está com a impetrante.

Não se tem dúvida de que a prestação de serviço se origina de uma obrigação de fazer e, desta forma, para desenvolvimento de seu mister, a contratada não raro, utiliza-se de materiais que não podem ser inseridos em sua receita, pois não aufere sobre eles qualquer vantagem pecuniária e também não se agrega à efetiva prestação de serviço.

De sorte que, como o próprio nome do tributo indica, ISSQN é imposto sobre serviço e, por isso, a sua base de cálculo se compõe exatamente do valor cobrado para o desenvolvimento da atividade contratada, mesmo porque, muitos dos materiais utilizados são passíveis de ICMS e IPI, que, por serem tributos cumulativos, permitem, na operação seguinte, o desconto do imposto pago na anterior. Assim, a base de cálculo do ISS só pode ser a prestação do serviço de forma pura, retirando dela os bens e materiais utilizados para viabilização do objeto do contrato, pois, por decorrência de sua própria gênese  imposto sobre serviço, somente pode incidir sobre o serviço.

Esta é a regra inserta no art. 9°, do Decreto-lei 406/68: A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

Diante dessa realidade, vale aqui deduzir que, para apurar corretamente a base de cálculo do ISS, deve ser subtraído todos os valores que, postos essenciais à adequada prestação dos serviços contratados, não digam respeito à remuneração devida ao prestador. Embora tais despesas venham reembolsadas, elas não expressam capacidade, da parte do prestador, não podendo, destarte, ser levada à tributação por meio do ISS, conforme esclarece Eduardo Domíngues Bottalho.

Nessa toada, não é despiciendo trazer à colação entendimento de Hugo de Brito Machado, cuja indicação caminha no sentindo de que, tratando-se de serviços prestados por empresas, o imposto deve ser proporcional, cuja base de cálculo é o exato preço do serviço. Em outras palavras, trata-se da receita da empresa, relativa à atividade de prestação de serviços tributáveis.

De forma que, tratando-se de serviços de edificação, é de mediana clareza a dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços, consoante expressa dicção do § 2º, alíneas a, do art. 9º do Decreto-Lei mencionado.

Também não há que se falar em não recepção pela Constituição deste diploma legal, pois, inexiste qualquer incompatibilidade que permita inferir pela sua revogação, entendimento este já pacificado nos tribunais e, em especial, no STF, que admite a dedução do valor dos materiais e sub-empreitadas no cálculo do preço do serviço, por entender que o Decreto-lei nº 406/68, art. 9º, § 2º, a, foi recepcionado pela Constituição de 1988 e não configura referida dedução isenção que possa violar os artigos 151,III, 150,II, 145, § 1º e art. 34 da ADCT, todos constantes da CF/88 (DJ 29-11-2002  RE 214414 e 149922,236604).

Independentemente disso e, em que pese a existência de divergências quanto à sua interpretação, entendo que, mais consentâneo com o princípio da razoabilidade é compreender que o artigo 7º, § 2º, inciso I c.c. com os itens 7.02 e 7.05, da lista de serviços anexos da Lei Complementar 116/03, visou a estipular a não incidência do ISSQN sobre todos os materiais necessários a consecução de obras, já que o caput do artigo supra é expresso, assim como a Constituição Federal, de que o ISSQN deverá apenas incidir sobre a prestação do serviço.

Outrossim, ressalte-se que, nos termos do artigo 146, inciso III e alíneas, da Constituição Federal, define-se que cabe a lei complementar federal conceber as hipóteses de incidência dos tributos, papel este cumprido pela LC 116/03, no que se refere ao ISSQN. Nesse sentido, qualquer norma municipal que extravase ou crie condições que se contraponham a norma complementar federal, viola diretamente a Constituição Federal.

Logo, considerando-se o caso em tela, é preciso que se reconheça a inconstitucionalidade da parte final do §2º, do artigo 49, da Lei Complementar do Município de Auriflama, especificamente do trecho &,desde que previsto em contrato e/ou especificado no documento fiscal., porque condiciona a hipótese de não incidência prevista no inciso I, § 2º, do artigo 7º, da LC Federal mencionada, a requisito não previsto em sua redação, tornando aquela restrição inconstitucional.

Em face do exposto, vislumbrando direito líquido e certo a ser amparado por este MANDAMUS, CONCEDO A ORDEM DE SEGURANÇA, para:

a)- declarar inexigível, pelo Município de Auriflama, dos valores relativos à incidência do ISSQN sobre os materiais empregados na prestação de serviços de edificações, prestadas pela impetrante em razão de contrato celebrado entre as partes, abrangendo, pois, cobranças já ocorridas e futuras.

b)- determinar que a autoridade impetrada se abstenha de cobrar os valores correspondentes ao tributo em questão, inclusive com inscrição em órgãos de controle. Fica mantida à impetrante a exigência contida na decisão de fls. 104, qual seja, de depositar, durante o curso do presente mandamus, os valores integrais do tributo, referente aos custos com materiais (parte controversa), sob as penas da lei.

Consigno que, com a manutenção da presente sentença, após o competente trânsito em julgado desta, deverá ser expedido, em favor da impetrante, o competente mandado de levantamento dos referidos valores
Por conseqüência, JULGO EXTINTO o feito COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil.

Comunique-se o inteiro teor da sentença (art. 13 da Lei 12.016/09) à Autoridade Impetrada e à Pessoa Jurídica interessada (por intermédio de sua Procuradoria), em ofício, por oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento.

Decorrido o prazo legal para a apresentação de eventual recurso voluntário, remetam-se os autos à Superior Instância para apreciação do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei 12.016/09.

Sem condenação em honorários em respeito às súmulas 512 do STF e 105 do STJ. Custas ex lege.

P.R.I.C Auriflama, 22 de outubro de 2010.

MARCELO BONAVOLONTÁ Juiz de Direito

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