Interpretação conforme
"Carf pode analisar constitucionalidade de normas"
Por Alessandro Cristo
A entrada de novos membros no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda na última semana reabriu uma discussão insistente: afinal quais são os limites do órgão para julgar argumentos constitucionais? Em muitos casos de cobranças indevidas, a alegação dos contribuintes é de que o próprio tributo é inconstitucional. As teses que questionam, por exemplo, a criação ou o aumento da exação por lei ordinária e não por complementar, ou o desrespeito da incidência à anterioridade nonagesimal, são prestigiadas na Justiça, mas rejeitadas sem julgamento de mérito no Conselho.
No entanto, a máxima de que constitucionalidade é palavra proibida no órgão não tem unanimidade. Para o conselheiro recém-nomeado Rafael Pandolfo, que representará os contribuintes no Carf, uma leitura mais atenta do regimento interno abre perspectivas. O Carf não pode afastar norma com base em alegação de inconstitucionalidade, mas pode restringir seu sentido de acordo com a Constituição, diz.
A ideia foi debatida nesta sexta-feira (8/4) em Florianópolis, onde o Instituto Brasileiro de Estudos Tributários promoveu o VII Congresso Nacional de Estudos Tributários. No evento, Pandolfo debateu sobre a "análise de inconstitucionalidade no processo administrativo tributário". Ele está entre os cem nomeados na última segunda-feira para compôr o órgão. Os nomes incluem conselheiros novos e reconduzidos.
Para Pandolfo, o Carf não tem competência para afastar texto ou significado de norma, mas teria para declarar qual a interpretação correta. O resultado prático é o descarte indireto das demais interpretações, mas o tratamento jurídico é diferente, explica. A técnica hermenêutica é a da interpretação conforme a Constituição, que delimita o sentido de determinada regra com base no texto constitucional. Por isso, é claro que o Carf pode fazer análise de constitucionalidade. Segundo o regimento interno, o conselho só pode tratar de inconstitucionalidade quando o Supremo Tribunal Federal já tiver se manifestado a respeito. Nesse caso, porém, a aplicação é uma mera repetição do que a corte decidiu.
A técnica serviria até mesmo ao Judiciário. "Pela interpretação conforme, não existe nem mesmo a necessidade de reserva de Plenário para decisões sobre constitucionalidade", avalia.
No Carf, segundo o advogado, a possibilidade de interpretação conforme permitiria a definição, por exemplo, dos insumos a serem usados como créditos no cálculo do PIS e da Cofins não cumulativos. Ainda não está claro quais despesas com a atividade econômica podem reduzir o total a pagar dos tributos. As Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, listaram os gastos que podem servir para reduzir o valor devido, mas os contribuintes discutem se a relação é exaustiva ou serve apenas para orientação.
Na opinião do tributarista, situações de ambiguidade, como essa, poderiam ter uma definição no Carf. O conceito de insumo está ligado ao de receita, e não à saída do bem físico, diz. De acordo com ele, o tribunal poderia tomar uma posição ao interpretar o que diz a Constituição.
Para o conselheiro Marcos Mello, professor do Ibet que representa o fisco no Carf, seria possível dar interpretação às normas que tenham texto compatível com a Constituição. No Judiciário, o juiz singular constrói um determinado sentido sem utilizar norma que ele considera inconstitucional, mas usando outra, diz. Isso é possível no Carf. No entanto, em sua opinião, não passa pelo critério da constitucionalidade o que está expresso na lei, como o conceito de insumo.
Barreira hierárquica
É a presunção de constitucionalidade das normas que impede que o Carf entre nessa discussão. Quem faz o controle de constitucionalidade no Poder Executivo é o presidente da República, que sanciona ou não a lei, explica Marcos Mello. Segundo outro conselheiro, Alexandre Alkmim, que representa os contribuintes, dizer que uma norma é inconstitucional seria ir contra o próprio Executivo. A visão dos contribuintes quando clamam pela declaração de inconstitucionalidade está errada. O Conselho está dentro do Executivo, diz.
A vinculação direta do Carf ao Ministério da Fazenda e não à Receita, porém, permite que o órgão afaste regras infralegais, como instruções normativas, por exemplo, podendo ir ainda um pouco mais longe. Decretos do presidente da República são o maior problema, afirma Mello. Segundo ele, o conselho tem independência para afastar a aplicação de decretos que violem a lei, aí sim sob alegação de inconstitucionalidade. Alkmim discorda. Isso não é possível devido à questão hierárquica.
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