10/08/2007
O STF e o papel do BC

O STF e o papel do BC
O ESTADO DE S. PAULO - NOTAS E INFORMAÇÕES

Ao rejeitar um recurso apresentado pelo Banco Central (BC) contra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que não autorizou a quebra do sigilo bancário de um ex-dirigente do Banco do Estado de Mato Grosso, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma posição doutrinária que pode ter profundos reflexos no funcionamento do sistema financeiro. Por 3 votos contra 2, prevaleceu no julgamento o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, de que as autoridades monetárias precisam de permissão judicial para quebrar o sigilo bancário em casos de investigação criminal e instrução de processo penal.

Segundo Marco Aurélio, o sigilo bancário é previsto pelo artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, e tem por objetivo preservar a intimidade dos cidadãos. Não se deve confundir o poder de fiscalização atribuído ao BC com o poder de violar o sigilo bancário, que é norma de ordem pública, afirmou ele.

O problema é que, se ficarem na dependência da Justiça quando estiverem investigando operações de lavagem praticadas por pessoas físicas e jurídicas e atos ilícitos de controladores, administradores, membros de conselhos, gerentes e mandatários de instituições financeiras privadas e públicas, as autoridades monetárias perderão a flexibilidade e a agilidade necessárias para apurar crimes de ocultação de bens e valores e coibir rombos, desfalques e remessas ilegais de recursos para o exterior.

No limite, a fragilização do poder investigatório do BC pode até colocar em risco a estabilidade do sistema bancário e, com isso, afetar o funcionamento de outros setores que integram o sistema financeiro, como bolsas de valores, mercadorias e futuros, sociedades de arrendamento mercantil, fundos de pensão, administradoras de cartão de crédito, associações de pecúlio, distribuidoras de valores mobiliários, corretoras de câmbio, sociedades de crédito imobiliário e estabelecimentos de capitalização.

É por isso que o artigo 192 da Constituição, que define as linhas gerais do sistema financeiro nacional, e outros importantes textos legais nele fundamentados, como a Lei Complementar 105 e a Lei 9.613, que dispõem sobre crimes contra o sistema financeiro, entre outras matérias, concedem amplas prerrogativas fiscalizatórias para as autoridades monetárias - inclusive a de quebrar o sigilo bancário. Embora a polêmica decisão da Primeira Turma do STF - contra a qual cabe recurso para levar a discussão ao plenário - seja válida apenas para o caso envolvendo o BC e o ex-diretor do Banco do Estado de Mato Grosso, ela disseminou insegurança jurídica nos meios financeiros.

Não sei se os ministros do Supremo imaginaram a extensão do que poderá acontecer. Eles abriram uma caixa de Pandora (aquela que contém todos os males e desgraças do mundo, na mitologia grega), disse o consultor econômico e ex-presidente do BC Gustavo Loyola. A mesma advertência foi feita pelos dois ministros - Carlos Ayres de Britto e Sepúlveda Pertence - que discordaram do relator, durante o julgamento. Segundo eles, a decisão da Primeira Turma do STF reduz a força do BC para manter o sistema financeiro eticamente saneado e defender os interesses da sociedade.

É esse o ponto central da questão. A oposição entre interesses individuais e coletivos é antiga e sempre esteve presente nas grandes discussões jurídico-políticas no Estado Democrático de Direito. As Constituições modernas consagraram os dois tipos de interesse, mas como o equilíbrio entre ambos é difícil e o poder público tende a exorbitar, em detrimento dos cidadãos, elas costumam enumerar com objetividade um extenso rol de direitos e garantias individuais. No âmbito do sistema financeiro, contudo, qual interesse deve prevalecer? A Primeira Turma do STF privilegiou o direito dos cidadãos ao sigilo bancário, enquanto o BC vai recorrer alegando que a sobreposição do interesse privado ao público pode levar ao acobertamento de práticas ilícitas, em prejuízo da coletividade.

Sempre nos opusemos às tentativas das autoridades fiscais de quebrar o sigilo bancário sem permissão judicial. Mas, em termos de custo/benefício, a pretensão do BC, ao menos neste caso, se justifica e deve ser levada em conta pelo pleno do STF.







O ESTADO DE S. PAULO - NOTAS E INFORMAÇÕES
O STF e o papel do BC

Ao rejeitar um recurso apresentado pelo Banco Central (BC) contra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que não autorizou a quebra do sigilo bancário de um ex-dirigente do Banco do Estado de Mato Grosso, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma posição doutrinária que pode ter profundos reflexos no funcionamento do sistema financeiro. Por 3 votos contra 2, prevaleceu no julgamento o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, de que as autoridades monetárias precisam de permissão judicial para quebrar o sigilo bancário em casos de investigação criminal e instrução de processo penal.

Segundo Marco Aurélio, o sigilo bancário é previsto pelo artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, e tem por objetivo preservar a intimidade dos cidadãos. Não se deve confundir o poder de fiscalização atribuído ao BC com o poder de violar o sigilo bancário, que é norma de ordem pública, afirmou ele.

O problema é que, se ficarem na dependência da Justiça quando estiverem investigando operações de lavagem praticadas por pessoas físicas e jurídicas e atos ilícitos de controladores, administradores, membros de conselhos, gerentes e mandatários de instituições financeiras privadas e públicas, as autoridades monetárias perderão a flexibilidade e a agilidade necessárias para apurar crimes de ocultação de bens e valores e coibir rombos, desfalques e remessas ilegais de recursos para o exterior.

No limite, a fragilização do poder investigatório do BC pode até colocar em risco a estabilidade do sistema bancário e, com isso, afetar o funcionamento de outros setores que integram o sistema financeiro, como bolsas de valores, mercadorias e futuros, sociedades de arrendamento mercantil, fundos de pensão, administradoras de cartão de crédito, associações de pecúlio, distribuidoras de valores mobiliários, corretoras de câmbio, sociedades de crédito imobiliário e estabelecimentos de capitalização.

É por isso que o artigo 192 da Constituição, que define as linhas gerais do sistema financeiro nacional, e outros importantes textos legais nele fundamentados, como a Lei Complementar 105 e a Lei 9.613, que dispõem sobre crimes contra o sistema financeiro, entre outras matérias, concedem amplas prerrogativas fiscalizatórias para as autoridades monetárias - inclusive a de quebrar o sigilo bancário. Embora a polêmica decisão da Primeira Turma do STF - contra a qual cabe recurso para levar a discussão ao plenário - seja válida apenas para o caso envolvendo o BC e o ex-diretor do Banco do Estado de Mato Grosso, ela disseminou insegurança jurídica nos meios financeiros.

Não sei se os ministros do Supremo imaginaram a extensão do que poderá acontecer. Eles abriram uma caixa de Pandora (aquela que contém todos os males e desgraças do mundo, na mitologia grega), disse o consultor econômico e ex-presidente do BC Gustavo Loyola. A mesma advertência foi feita pelos dois ministros - Carlos Ayres de Britto e Sepúlveda Pertence - que discordaram do relator, durante o julgamento. Segundo eles, a decisão da Primeira Turma do STF reduz a força do BC para manter o sistema financeiro eticamente saneado e defender os interesses da sociedade.

É esse o ponto central da questão. A oposição entre interesses individuais e coletivos é antiga e sempre esteve presente nas grandes discussões jurídico-políticas no Estado Democrático de Direito. As Constituições modernas consagraram os dois tipos de interesse, mas como o equilíbrio entre ambos é difícil e o poder público tende a exorbitar, em detrimento dos cidadãos, elas costumam enumerar com objetividade um extenso rol de direitos e garantias individuais. No âmbito do sistema financeiro, contudo, qual interesse deve prevalecer? A Primeira Turma do STF privilegiou o direito dos cidadãos ao sigilo bancário, enquanto o BC vai recorrer alegando que a sobreposição do interesse privado ao público pode levar ao acobertamento de práticas ilícitas, em prejuízo da coletividade.

Sempre nos opusemos às tentativas das autoridades fiscais de quebrar o sigilo bancário sem permissão judicial. Mas, em termos de custo/benefício, a pretensão do BC, ao menos neste caso, se justifica e deve ser levada em conta pelo pleno do STF.







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