08/10/2011
Pedido de vista suspende julgamento da emenda constitucional dos precatórios

Pedido de vista suspende julgamento da emenda constitucional dos precatórios

7 de outubro de 2011


O ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (6) pela derrubada da Emenda Constitucional (EC) 62/2009, que criou um regime especial de pagamento de precatórios (dívidas públicas reconhecidas judicialmente). A emenda foi questionada na Corte por meio de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4357, 4372, 4400 e 4425). Após o voto de Ayres Britto, relator da matéria, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux.

A emenda constitucional foi questionada por entidades como Conselho Nacional da Indústria (CNI), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entre outras.

A primeira alegação de inconstitucionalidade apresentada  de vício formal na maneira como a emenda foi votada no Senado  foi acolhida integralmente pelo ministro Ayres Britto. No caso, o argumento é de que o Senado não respeitou o devido processo legislativo, previsto no parágrafo 2º do artigo 60 da Constituição Federal, que determina a discussão e votação de emendas à Constituição em dois turnos, em cada casa do Congresso. A violação do dispositivo constitucional teria ocorrido porque a discussão e votação da matéria no Senado, tanto em primeiro quanto em segundo turno, ocorreram em um único dia.

Tenho que assiste razão aos autores, afirmou o relator. Ele registrou que, no dia 2 de dezembro de 2009, a proposta de emenda que deu origem à EC 62 foi discutida e votada duas vezes pelo Senado, em menos de uma hora. Segundo Ayres Britto, isso significa que o projeto, de fato, foi submetido a somente um turno de discussão e votação.

O artifício de abrir e encerrar, numa mesma noite, sucessivas sessões deliberativas, não atende à exigência constitucional da realização de uma segunda rodada de discussão e votação, precedida de razoável intervalo até para a serenização de ânimos eventualmente exacerbados, ao lado de amadurecimento das ideias, frisou.

Para o ministro, ainda que a Constituição não mencione o preciso interstício entre os dois turnos de discussão e votação de uma emenda constitucional, pode-se ajuizar, sem hesitação, que, no presente caso, o interstício foi insuficiente à caracterização do segundo turno. Assim, ele considerou toda a EC 62 inconstitucional por vício formal.

Vícios materiais

Em seguida, o relator passou a analisar, uma a uma, as diversas alegações de vícios de inconstitucionalidade material apontadas na EC 62.

Ele considerou inconstitucional a regra da emenda que determina o pagamento preferencial de precatório de natureza alimentícia, especificamente na data de sua expedição, a pessoas com 60 anos ou mais (parágrafo 2º do artigo 100 da Constituição).

O ministro explicou que, por essa regra, uma pessoa de 60 anos que acabou de ter seu precatório expedido receberá seu crédito antes de uma pessoa de 80 anos que espere pelo pagamento de seu precatório há mais de duas décadas. A providência correta, à luz do princípio isonômico, seria destinar preferência a todos que (e à medida que) completem 60 anos de idade na pendência de precatório de natureza alimentícia, disse.

Fazenda Pública

Ao se posicionar pela inconstitucionalidade dos parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição Federal, com as alterações da EC 62, o ministro frisou que os dispositivos chancelam uma compensação obrigatória do crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazenda Pública.

A AGU, disse Ayres Britto, informou que o objetivo da norma seria o de impedir que os administrados recebam seus créditos sem que suas dívidas perante o Estado sejam satisfeitas. Se é assim, revelou o ministro, o que se tem é um acréscimo de prerrogativa processual do Estado, como se já fosse pouco a prerrogativa processual do Estado.

A via crucis do precatório passou a conhecer uma nova estação, a configurar arrevezada espécie de terceiro turno processual-judiciário, ou, quando menos, processual-administrativo, com a agravante da não participação da contraparte privada, disse o ministro. Depois de todo um demorado processo judicial em que o administrado vê reconhecido seu direito de crédito contra a Fazenda Pública (muitas vezes de natureza alimentícia), esta poderá frustrar a satisfação do crédito afinal reconhecido, completou.

Esse tipo de conformação normativa, mesmo que veiculada por emenda à Constituição, afronta tanto o princípio dão separação dos Poderes quanto da isonomia, frisou o relator.

Índice de atualização

O ministro também se manifestou pela inconstitucionalidade parcial do parágrafo 12 do artigo 100 da EC 62, que determina a atualização dos valores devidos, até a conclusão do pagamento, pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, com juros de mora. Para Ayres Britto, o entendimento da Corte é no sentido de que os valores de precatórios devem ser atualizados monetariamente, mas a emenda acabou por artificializar o conceito de atualização monetária.

Ele explicou que a Constituição busca proteger o bem jurídico, que passa a experimentar, com o tempo, uma deterioração ou perda de substância. Segundo ele, deixar de assegurar a continuidade desse valor real é, no fim das contas, desequilibrar a equação econômico-financeira entre devedor e credor, em desfavor do último. O STF já entendeu que o índice oficial da remuneração básica da caderneta de poupança não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda.

Com esse argumento, o ministro votou pela inconstitucionalidade da expressão índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, constante do parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição, do inciso II do parágrafo 1º e do parágrafo 16, ambos do artigo 97 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Surrealismo jurídico

Igualmente inconstitucionais foram considerados o parágrafo 15 do artigo 100 da Carta Magna e o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), ambos acrescidos pela emenda. Eles definem os modelos de pagamento a serem adotados pela Administração Pública para a execução dos precatórios, abrindo a possibilidade de estender por até 15 anos a execução de tais determinações judiciais e limitando os valores orçamentários para a quitação da dívida.

Para o relator, as normas contrariam a autoridade das decisões judiciais e consistem em uma afronta direta ao princípio da separação de Poderes e às garantias constitucionais de livre acesso ao Poder Judiciário e razoável duração do processo. Nesse cenário de caricato surrealismo jurídico, o Estado se coloca muito acima da lei e da Constituição, tornando a função jurisdicional mera atividade lúdica, ressaltou em seu voto.

Em relação ao artigo 97 do ADCT, Ayres Britto destacou, ainda, que a norma prevê o pagamento de precatórios em ordem única e crescente de valor, favorecendo de forma desarrazoada, os credores mais recentes, em detrimento de quem já espera há mais tempo na fila. Além disso, considerou o ministro, o artigo torna subjetivo o critério de escolha para o pagamento e prejudica a autonomia da Justiça trabalhista, ao conferir apenas aos Tribunais de Justiça a administração da conta especial de depósito dos valores para quitar a dívida.

O regime especial veiculado pelo artigo 97 do ADCT é reverente à lógica hedonista de que as dívidas do Estado em face de terceiros hão de ser pagas, em acentuada medida, quando e se o Poder Público desejar, concluiu Ayres Britto.

Ele considerou adequada a referência dos autores das ADIs à EC 62 como a emenda do calote, visto que ela fere o princípio da moralidade administrativa e leva muitos titulares de créditos a leiloarem seu direito à execução de sentença judicial transitada em julgado.

Leia o voto;
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.357 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (Relator):
Começo por examinar a alegada inconstitucionalidade formal da
Emenda Constitucional nº 62/2009. Ela consistiria no fato de que a
tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 12-A/06, no Senado
Federal, se deu com inobservância do devido processo legislativo (§ 2º do
art. 60 da CF). Isso porque a discussão e votação da matéria, tanto em
primeiro quanto em segundo turno, ocorreram num único dia.
10. Tenho que assiste razão aos autores. É que a Constituição de
1988, sendo do tipo rígida, impõe limites e condicionamentos materiais,
temporais, formais e circunstanciais para sua reforma. Limites e
condicionamentos insuscetíveis de remodelagem, eles mesmos,
porquanto estabelecidos pela Constituição originária para sentar praça da
supremacia que ela detém perante os demais diplomas legislativos do
nosso ordenamento jurídico. Daí a previsão: a) de matérias colocadas a
salvo ou do lado de fora da competência reformadora (cláusulas pétreas
ou intangíveis); b) de um processo legislativo mais solene e árduo para
que se aprove u'a emenda constitucional naqueles temas passíveis de
conformação legislativa reformadora. Processo legislativo reverente à
lógica elementar da excepcionalidade da reforma de uma Constituição
hirta ou rígida, como a resultante da epopeia constituinte de 1986/1988.
11. Nesse contexto é que se insere o § 2º do art. 60 da Constituição
Federal, que assim dispõe:
§ 2º. A proposta [de emenda à Constituição] será
discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,
três quintos dos votos dos respectivos membros.
12. É de se perguntar: por que a nossa Lei Fundamental restringe a
Revisado
ADI 4.357 / DF
iniciativa da proposta de emenda à Constituição a poucas e taxativas
instâncias (incisos I, II e III do art. 60), exige o quórum de três quintos
para a respectiva aprovação (parte final do § 2º do art. 60) e ainda impõe
que a proposta seja discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos? Resposta: para que se possa conhecer, discutir e votar
com a mais focada ou responsável atenção o objeto mesmo da proposta
de reforma. E ainda para que se dê uma espécie de trégua mental ou de
intervalada reflexão entre um primeiro e um segundo turno de debate e
votação. Com o que se dificulta levianas ou açodadas alterações no
Estatuto Político maior do Estado e da sociedade brasileira. Ou por efeito
de eventual rolo compressor dessa ou daquela episódica maioria
parlamentar, ou até mesmo de uma unanimidade tão meteórica quanto
passional. Logo, não se deve mexer na obra do poder constituinte
originário sem a mais detida análise de mérito e intervalada reflexão
quanto à proposta e suas consequências.
13. Ora, o que se viu da tramitação da Proposta de Emenda nº 12-
A/06 à Constituição, no Senado Federal, foi algo bem diverso de uma
ampla discussão e, principalmente, rediscussão da matéria. Digo isso
porque, no dia 02 de dezembro de 2009, em menos de uma hora, o
Senado Federal discutiu, votou e tornou a discutir e votar o projeto. A
revelar que se verificou, de fato, apenas um turno de discussão e votação.
O artifício de abrir e encerrar, nua mesma noite, sucessivas sessões
deliberativas não atende à exigência constitucional da realização de uma
segunda rodada de discussão e votação, precedida de razoável intervalo
até para a serenização de ânimos eventualmente exacerbados, ao lado de
amadurecimento das ideias. Segundo turno que, não se limitando a uma
nova e imediata votação, implica a necessidade de um tão renovado
quanto amplo debate da proposta de emenda à Constituição, volto a
dizer. O que demanda o encarecido espaçamento temporal, ora maior, ora
menor, mas nunca num mesmo dia, ou no curso de uma única noite e,
pior ainda, de mecânicos sessenta minutos. Do contrário, deixar-se-ia à
discrição do poder constituinte derivado (a que prefiro chamar de
reformador, por se tratar de um poder deliberativo já normado pela nova
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Revisado
ADI 4.357 / DF
ordem constitucional) afrouxar e até factualmente ignorar os
condicionamentos procedimentais e temporais que lhe impôs o poder
autenticamente constituinte. Único a deter, mais que simples
competência, uma original potência normante (para me valer da
palavra cunhada pelo constitucionalista argentino Reinaldo Vanossi).
14. Segue-se daqui o óbvio: a Emenda Constitucional nº 62/2009 é
formalmente inconstitucional. E não afirmo isso apenas porque o prazo
regimental de cinco dias úteis deixou de ser observado (art. 362 do
Regimento Interno do Senado Federal1). Não! Não se cuida, aqui,
exclusivamente, de matéria regimental e, portanto, interna corporis a uma
das Casas do Congresso Nacional. Louvo-me principalmente é na
substância mesma do § 2º do art. 60 da Constituição Federal, ainda que
nele não se faça menção ao preciso interstício entre os dois turnos de
discussão e votação da proposta de emenda a ela, Constituição Federal.
Embora não se consiga apurar, objetivamente, o exato intervalo
necessário, pode-se ajuizar, sem hesitação, que, no presente caso, o
interstício foi insuficiente à caracterização do segundo turno. É como
preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello, neste candente juízo:
mesmo [os] conceitos chamados 'fluidos' possuem um núcleo significativo certo
e um halo circundante, uma auréola marginal, vaga ou imprecisa. Daí resulta
que haverá sempre uma zona de certeza positiva, na qual ninguém duvidará
do cabimento da aplicação do conceito, uma zona circundante, onde justamente
proliferarão incertezas que não podem ser eliminadas objetivamente, e,
finalmente, uma zona de certeza negativa, onde será indisputavelmente seguro
que descabe a aplicação do conceito.2 O caso dos autos se inscreve nessa
última zona de certeza negativa: não houve dois turnos de votação e
discussão da matéria no Senado Federal, até porque  e isto é
emblemático  a proposta de emenda à Constituição foi aprovada num
único dia, no mesmo turno ... da noite. Sabido que, laboralmente, o dia
tem três turnos ou jornadas: a da manhã, a da tarde e a noturna.
1 Art. 362. O interstício entre o primeiro e o segundo turno será de, no mínimo, cinco
dias úteis.
2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. rev.
atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 415.
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ADI 4.357 / DF
15. Seja como for, a pretensa segunda rodada de discussão e votação
da emenda sub judice implicou um tipo de arremedo procedimental que
não tem como escapar à pecha de fraude à vontade objetiva da
Constituição. Tipo de arremedo que se não for prontamente reconhecido
vai tornar, doravante, letra morta o segundo turno de discussão e votação
a que solenemente se refere o § 2º do art. 60 da Constituição Federal,
verbis:
§ 2º. A proposta [de emenda à Constituição] será
discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,
três quintos dos votos dos respectivos membros.
16. Ante o exposto, destaco a arguição de inconstitucionalidade
formal para acatá-la. Pelo que declaro a inconstitucionalidade de toda a
Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009, pois, repito, o
que sucedeu foi um debate e votação tão de cambulhada, respeitosamente
o digo, que veio a caracterizar preterição constitucional da espécie autoevidente.
E auto-evidente, porque acima de qualquer dúvida
interpretativa ou elaboração mental, por aligeirada que seja. Escapismo
ritualístico demonstrável por si mesmo, portanto.
17. Passo agora à análise dos vícios de inconstitucionalidade
material, apontados pelos autores. Os dois primeiros atinentes ao § 2º do
art. 100 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda
Constitucional nº 62/2009. Dispositivo assim grafado:
§ 2º. Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares
tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de
expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave,
definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre
todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do
fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo,
admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o
restante será pago na ordem cronológica de apresentação do
precatório. (Grifou-se)
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Revisado
ADI 4.357 / DF
18. Pois bem, insurgem-se os requerentes contra as expressões na
data de expedição do precatório e até o valor equivalente ao triplo do fixado em
lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo (...). É que, segundo alegam,
os princípios da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade
foram violados por não qualificar como preferenciais os créditos de
pessoas que venham a completar 60 (sessenta) anos de idade após a
expedição do precatório. Outra inconstitucionalidade seria a de que o
texto só [possibilitaria] receber o crédito, de natureza alimentar, até o valor
equivalente ao triplo do fixado em lei como obrigação de pequeno valor,
desnaturando, assim, a natureza alimentar que admite o pagamento integral e
retirando a eficácia e a autoridade da decisão judicial condenatória transitada
em julgado.
19. De logo ajuízo que apenas em parte merecem acolhida as
contraditas. E assim me posiciono por entender que a emenda atacada,
numa primeira análise, apenas criou um benefício para as pessoas idosas
e aquelas portadoras de doença grave. Benefício que não existia
anteriormente. Donde me parecer reverente aos princípios da dignidade
da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade a limitação
dessa nova preferência ao triplo do fixado em lei como obrigação de
pequeno valor. É dizer: o poder de reforma constitucional bem pode
instituir um benefício (preferência entre os débitos já favorecidos) mais
amplo (o pagamento integral, por exemplo)! Como também pode deixar
de institui-lo. E se é assim, incontroverso que pode fazê-lo por modo
limitado, segundo a parêmia do quem pode o mais pode menos, aqui
perfeitamente aplicável. Além disso, a quantia sobejante será [paga] na
ordem cronológica de apresentação do precatório, respeitada, obviamente, a
preferência do § 1º do art. 100, porque o alimentar é o que há de mais
elementar. Em outras palavras, a quantia correspondente ao triplo da
fixada em lei como obrigação de pequeno valor sai de uma lista
preferencial de precatórios (a dos débitos de natureza alimentícia) para
outra ainda mais favorecida. Só e só. Daí não se cogitar (pelo menos neste
ponto) de vulneração à autoridade das decisões judiciais. Os débitos
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Revisado
ADI 4.357 / DF
serão pagos integralmente, como seriam se não houvesse a norma do § 2º
do art. 100 da Magna Carta.
20. À mesma conclusão não se chega, porém, no que toca à arguição
de inconstitucionalidade da expressão na data de expedição do precatório.
É que o Congresso Nacional, no exercício da sua competência
reformadora, pode instituir uma ordem de prioridade no pagamento de
precatórios. Preferência que também pode ficar limitada a um valor-teto.
O que não se lhe faculta é laborar no campo do irrazoável ou do
desproporcional, pois a desigualação de destinatários, à margem desses
dois critérios, deixa de ser uma desigualação objetivamente justa ou com
justa causa. Pois não se serve à justiça enquanto valor situado ao mesmo
tempo na base de inspiração e como embocadura do Direito positivo,
senão na medida em que os outros valores jurídicos não transbordem a
cota de razoabilidade e proporcionalidade que têm de observar em sua
compostura significante ou conceitual. Noutros termos, essa justiça a que
se refere o Magno Texto brasileiro como um dos valores supremos de
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito por ele concebida é um
bem coletivo que só pode ser servido por modo oblíquo ou não direto. Ela
somente se concretiza mediante a concretização dos outros valores 
igualdade, segurança, bem-estar, liberdade e desenvolvimento, sobretudo
 e o certo é que esses outros valores somente se perfazem em seus
elementos conceituais na medida em que normativamente dosados como
razoáveis e proporcionais. Por conseguinte, a exceção à regra geral do
pagamento de precatórios segundo a ordem cronológica de apresentação
é de estar fundamentada numa razão suficiente. Vale dizer: não se pode
estabelecer uma prioridade para quem, objetivamente, dela não precise.3
Demais disso, e aqui reside a inconstitucionalidade do novo § 2º do art.
100 da Magna Carta, é de se conferir tratamento favorecido a quantos se
encontrem nas mesmas condições de justificada fuga da regra geral.
21. Tenho, portanto, que assiste razão aos requerentes quanto à
alegação de ofensa ao princípio da igualdade a preferência dirigida
3 Esse não é caso do § 2º do art. 100 da Constituição Federal, pois está fora de dúvida
que os maiores de 60 (sessenta) anos de idade e os portadores de doença grave são mais
necessitados, objetivamente, de percepção dos seus créditos com maior celeridade.
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apenas aos credores com sessenta anos de idade, ou mais, na data de
expedição do precatório. Pergunto: o que justifica a prioridade conferida
aos idosos e aos portadores de doença grave? Resposta: a necessidade do
mais breve recebimento dos seus créditos, porque a passagem do tempo
lhes ameaça mais fortemente de não poder sequer desfrutar dos seus
direitos tardiamente concretizados. Realmente, por efeito da regra
inserida na Magna Carta pela Emenda Constitucional nº 62/2009, uma
pessoa de 60 (sessenta) anos que acabou de ter seu precatório expedido
receberá parte de seu crédito antes de uma pessoa de 80 (oitenta) anos
que espera há mais de duas décadas pelo adimplemento do seu crédito.
Por analogia, é como se a lei processual conferisse tramitação prioritária
somente às ações judiciais daqueles que, na data da respectiva
propositura, tinham sessenta anos de idade. Por isso que a providência
correta, à luz do princípio isonômico, seria destinar a preferência a todos
que (e à medida que) completem 60 (sessenta) anos de idade na
pendência de pagamento de precatório de natureza alimentícia.4 Aliás,
esse é o regramento quanto às pessoas portadoras de doença grave. Daí
porque assento a inconstitucionalidade da expressão na data de expedição
do precatório, contida no § 2º do art. 100 da Constituição Federal, com a
redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009.
22. Continuo neste exame das arguições dos requerentes para
analisar a alegação de inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da
Constituição Federal. Confira-se a redação dos dispositivos impugnados:
§ 9º. No momento da expedição dos precatórios,
independentemente de regulamentação, deles deverá ser
abatido, a título de compensação, valor correspondente aos
4 É verdade que o § 18 do art. 97 do ADCT, incluído pela Emenda Constitucional nº
62/2009, prescreveu que, durante a vigência do regime especial a que se refere este artigo, gozarão
também da preferência a que se refere o § 6º os titulares originais de precatórios que tenham
completado 60 (sessenta) anos de idade até a data da promulgação desta Emenda Constitucional.
Sucede que esse dispositivo, além de não se aplicar à União, mantém o tratamento antiisonômico,
apenas elegendo outra data fixa (a da promulgação da emenda em vez da
expedição do precatório) como divisor de águas.
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débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e
constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública
devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos,
ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude
de contestação administrativa ou judicial.
§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal
solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30
(trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento,
informação sobre os débitos que preencham as condições
estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.
23. Como se vê, as normas jurídicas atacadas chancelam uma
compensação obrigatória do crédito a ser inscrito em precatório com
débitos perante a Fazenda Pública. Compensação que se opera antes da
expedição dos precatórios e mediante informação da Fazenda devedora, no
prazo de 30 (trinta) dias. Dando-se que o objetivo da norma é, nas
palavras do próprio Advogado-Geral da União, precisamente este:
impedir que os administrados (especialmente os que devem valores vultosos à
Fazenda) recebam seus créditos sem que suas dívidas perante o Estado sejam
satisfeitas. E se é assim, o que se tem  penso  é um acréscimo de
prerrogativa processual do Estado, como se já fosse pouco a prerrogativa
do regime em si do precatório. Mas uma super ou sobre-prerrogativa
que, ao menos quanto aos créditos privados já reconhecidos em decisão
judicial com trânsito em julgado, vai implicar violação da res judicata.
Mais até, vai consagrar um tipo de superioridade processual da parte
pública sem a menor observância da garantia do devido processo legal e
seus principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa.
24. Em palavras outras, a via-crucis do precatório passou a conhecer
uma nova estação, a configurar arrevezada espécie de terceiro turno
processual-judiciário, ou, quando menos, processual-administrativo. Com
a agravante da não participação da contraparte privada. É como dizer:
depois de todo um demorado processo judicial em que o administrado vê
reconhecido seu direito de crédito contra a Fazenda Pública (muitas vezes
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ADI 4.357 / DF
de natureza alimentícia), esta poderá frustrar a satisfação do crédito afinal
reconhecido. E não se argumente que ao administrado é facultada a
impugnação judicial ou administrativa dos débitos informados pela
Fazenda Pública. É que o cumprimento das decisões judiciais não pode
ficar na dependência de manifestação alguma da Administração Pública,
nem as demandas devem se eternizar (e se multiplicar), porque a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso
LXXVIII do art. 5º da CF).56
25. Em síntese, esse tipo unilateral e automático de compensação de
valores, agora constante dos §§ 9º e 10 da Magna Carta (redação dada
pela Emenda Constitucional nº 62/2009), embaraça a efetividade da
5 Na ADI 3.453, ao apreciar a constitucionalidade de dispositivo legal que
condicionava o pagamento de precatórios à apresentação de certidões negativas de tributos,
o Min. Cezar Peluso assim vocalizou: Parece mais, Senhor Presidente, a meu ver, com o devido
respeito, que há ofensa ao devido processo legal, entendido aqui como o processo legal que deva ser
justo, devido perante exigências de justiça e de eqüidade. Ninguém pode ser privado de nenhum
direito subjetivo sem o devido processo legal. Neste caso, o credor está sendo privado, ainda
que temporariamente, não se sabe por quanto tempo, da possibilidade do exercício desse
direito subjetivo sem processo algum. A lei não prevê nenhum incidente em que se pudesse
discutir o alcance desse suposto débito, acusado em eventual certidão negativa.
Em segundo lugar, porque não há a mínima possibilidade de defesa contra o objeto de uma
certidão de caráter positivo. Isto é, ainda que conste da certidão exibida a existência de
algum débito, não há previsão legal de como o credor pode escapar à eficácia paralisante
dessa norma dentro do mesmo processo. O que o obrigará a promover outro processo contra
a Fazenda Pública, para que, ao cabo do qual e não se sabe em quantos anos, possa levantar
o depósito. Isso, se já não for credor de terceira ou quarta geração, como sucede ordinariamente com o
recebimento de precatórios. (Grifou-se)
6 Como bem observou Júlio César Soares, em artigo publicado no site Consultor
Jurídico na internet, em 13 de junho de 2011 (Compensação de precatório com débito cria
confusão), o Conselho da Justiça Federal editou, em 28 de outubro de 2010, a Resolução nº
122, que regulamenta, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, os procedimentos
relativos à expedição de ofícios requisitórios, ao cumprimento da ordem cronológica dos pagamentos e
compensações e ao saque e levantamento dos depósitos. E o fato é que o inciso XV do art. 7º dessa
resolução já faz da data do trânsito em julgado da decisão que deferiu o abatimento para fins de
compensação uma informação necessária do ofício requisitório.
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Revisado
ADI 4.357 / DF
jurisdição e desrespeita a coisa julgada.7 E nessa linha é que se
pronunciou o Supremo Tribunal Federal quanto a mecanismo
semelhante, inserido no art. 19 da Lei nº 11.033/2004.8 Artigo que foi
unanimemente declarado inconstitucional pelo Plenário desta nossa
Corte na ADI 3.453. Colho do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora, o
seguinte trecho:
As formas de obter a Fazenda Pública o que lhe é devido
e a constrição da contribuição para o pagamento de eventual
débito havido com a Fazenda Pública estão estabelecidas no
ordenamento jurídico e não podem ser obtidas por meios que
frustrem direitos constitucionais dos cidadãos.
Ademais, tal como tratada na Constituição, a matéria
relativa a precatórios não chama a atuação do legislador
infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não
se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o
respeito à coisa julgada. E a jurisdição é respeitada em sua
condição efetiva, às vezes, pelo pagamento de valor definido
judicialmente.
O condicionamento do levantamento do que é devido por
força de decisão judicial ou da autorização para o depósito em
conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial,
estabelecido pela norma questionada, agrava o que vem
estatuído como dever da Fazenda Pública em face de obrigação
que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas
7 Nada a ver, portanto, com o que decidiu este Supremo Tribunal Federal na ADI
2.851. Naquela oportunidade, tratava-se de lei estadual que facultava (não obrigava,
portanto) ao contribuinte (e não em prejuízo deste) a compensação de crédito tributário com
débito da Fazenda Pública decorrente de precatório judicial pendente de pagamento.
Compensação que apenas se materializava mediante provocação do contribuinte e após a
concordância da Fazenda Pública.
8 Art. 19. O levantamento ou autorização para depósito em conta bancária de valores
decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo
de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de
regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço 
FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública.
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Revisado
ADI 4.357 / DF
condições estabelecidas pelo Poder Judiciário, não se
mesclando, confundindo ou, menos ainda, frustrando pela
exigência paralela de débitos de outra fonte e natureza que,
eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazenda Pública.
(...)
Ademais, a decisão judicial não pode ter a sua efetividade
e o seu respeito condicionados à exigência que venha a ser
imposta pelo legislador infraconstitucional [nem pelo
constituinte reformador], em detrimento do julgado e da
satisfatividade da prestação jurisdicional.
Neste sentido, o princípio da separação de poderes estaria
agravado pelo preceito infraconstitucional, que restringe o
vigor e a eficácia das decisões judiciais ou da satisfação a elas
devidas na formulação constitucional prevalecente no
ordenamento jurídico.
(...)
A assertiva feita nas informações pelo Congresso Nacional
[e, nestes autos, repetida pelo Advogado-Geral da União] de
que a norma legal sob análise teria
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