Limite em tributação
Celso de Mello acolhe cautelar que afasta aumento do IPI
Por Líliam Raña
O aumento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por meio do Decreto presidencial 7.567/2011, deforma princípios da ordem jurídica e supremacia da Constituição. Esse é o entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo partido Democratas contra a vigência imediata do aumento. O voto foi acompanhado pela maioria do pleno.
Para Celso de Mello, a controvérsia sugere que os desvios inconstitucionais do Estado, no exercício do seu poder de tributar, geram, na ilegitimidade desse comportamento do aparelho governamental, efeitos perversos, que, projetando-se nas relações jurídico-fiscais mantidas com os contribuintes. O ministro afirma que, em favor dos contribuintes, há limitações à competência do Estado para impor e exigir tributos.
O ministro cita também Bilac Pinto, que em conferência sobre Os Limites do Poder Fiscal do Estado, diz que o poder estatal de tributar se traduz em um poder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade.
O objetivo do aumento do imposto para carros importados foi para estimular a indústria nacional e preservar empregos no Brasil. A medida foi criticada, principalmente pela oposição e multinacionais, que a consideraram protecionista e prejudicial à economia global, em crise. De acordo com o Decreto, montadoras que não tiverem 65% de conteúdo nacional em seus automóveis, estão sujeitas ao aumento, de 30 pontos percentuais.
No entanto, a ADI questiona a transgressão a garantia constitucional da anterioridade tributária, conforme define no artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição. Não se pode ignorar que o princípio da anterioridade das leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes, destaca Celso de Mello.
Para o ministro, quando o Estado desrespeita esses princípios constitucionais introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico, prejudica a harmonia entre pessoas e Poder. Entretanto, ele reconhece que existe uma relação antagônica entre Fisco e indivíduos, mas o Estado deve se submeter à imperatividade das restrições do poder de tributar.
Em seu voto, Celso de Mello destaca decisões já pacificadas pela Corte em que nem o Congresso dispõe de competência para afetar direitos e garantias individuais, como a garantia da anterioridade tributária, conforme ADI 939/DF, do ministro relator Sydney Sanches.
O Executivo, ao exigir nova alíquota do IPI, desrespeita garantia da anterioridade tributária sob proteção do artigo 60, § 4º, IV, atingindo cláusulas pétreas, segundo ele. Essa transgressão constitucional, perpetrada pela Senhora Presidente da República, não pode ser tolerada nem admitida, sob pena de grave conspurcação do regime constitucional de direitos e garantias fundamentais que o ordenamento positivo estabeleceu, também em matéria tributária, em favor e em defesa dos contribuintes", conclui o ministro do Supremo.
VEJA O VOTO ABAIXO
Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2011
20/10/2011 TRIBUNAL PLENO
MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.661 DISTRITO
FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: A controvérsia
instaurada na presente causa sugere e estimula reflexões que me
levam, uma vez mais, a reafirmar, na linha de decisões que proferi
nesta Suprema Corte (RTJ 144/435-436, Rel. Min. CELSO DE MELLO
RE 428.354/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que os desvios
inconstitucionais do Estado, no exercício do seu poder de tributar,
geram, na ilegitimidade desse comportamento do aparelho
governamental, efeitos perversos, que, projetando-se nas relações
jurídico-fiscais mantidas com os contribuintes, deformam os
princípios que estruturam a ordem jurídica, subvertem as finalidades
do sistema normativo e comprometem a integridade e a supremacia da
própria Constituição da República.
Cumpre assinalar, por isso mesmo, que o caso ora em
exame justifica, plenamente, que se reiterem tais asserções, pois é
necessário advertir que a prática das competências impositivas por
parte das entidades políticas investidas da prerrogativa de tributar
não pode caracterizar-se como instrumento, que, arbitrariamente
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ADI 4.661 -MC / DF
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manipulado pelas pessoas estatais, venha a conduzir à destruição ou
ao comprometimento da própria ordem constitucional.
A necessidade de preservação da incolumidade do sistema
consagrado pela Constituição Federal não se revela compatível
com pretensões fiscais contestáveis do Poder Público, que,
divorciando-se dos parâmetros estabelecidos pela Lei Magna, busca
impor ao contribuinte um estado de submissão tributária
absolutamente inconvivente com os princípios que informam e
condicionam, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a ação das
instâncias governamentais.
Bem por isso, tenho enfatizado a importância de que o
exercício do poder tributário, pelo Estado, deve submeter-se, por
inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional,
que institui, em favor dos contribuintes, decisivas limitações à
competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas
espécies tributárias existentes.
O fundamento do poder de tributar tal como tem sido
reiteradamente enfatizado pela jurisprudência desta Suprema Corte
(RTJ 167/661, 675-676) - reside, em essência, no dever jurídico de
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estrita fidelidade dos entes tributantes ao que imperativamente
dispõe a Constituição da República.
Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as
observações que venho de fazer, a clássica advertência de OROSIMBO
NONATO, consubstanciada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal (RE 18.331/SP), em acórdão no qual aquele eminente e saudoso
Magistrado acentuou, de forma particularmente expressiva, à maneira
do que já o fizera o Chief Justice JOHN MARSHALL, quando do
julgamento, em 1819, do célebre caso McCulloch v. Maryland, que o
poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir
(RF 145/164 - RDA 34/132), eis que - como relembra BILAC PINTO, em
conhecida conferência sobre Os Limites do Poder Fiscal do Estado
(RF 82/547-562, 552) - essa extraordinária prerrogativa estatal
traduz, em essência, um poder que somente pode ser exercido dentro
dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de
comércio e de indústria e com o direito de propriedade (grifei).
Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função
tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional
para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que,
muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico,
de um verdadeiro estatuto constitucional do contribuinte,
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consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder
impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in
Informativo/STF nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o
sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe,
injustamente, o exercício de atividades legítimas, o que só faz
conferir permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell
Holmes, Jr. (The power to tax is not the power to destroy while
this Court sits), em dictum segundo o qual, em livre tradução, o
poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir,
pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema, proferidas,
ainda que como dissenting opinion, no julgamento, em 1928, do
caso Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox
(277 U.S. 218).
É por isso que não constitui demasia reiterar a
advertência de que a prerrogativa institucional de tributar, que o
ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de
suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental,
constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe,
nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção
destinado a ampará-lo contra eventuais excessos (ou ilicitudes)
cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências
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irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelas
instâncias governamentais.
Assentadas tais premissas, que reputo essenciais ao
julgamento deste pedido de medida cautelar, passo a examinar o
litígio constitucional ora submetido ao julgamento do Supremo
Tribunal Federal.
E, ao fazê-lo, devo reconhecer que se impõe o
acolhimento da pretensão cautelar deduzida pela agremiação
partidária (DEM) que ajuizou a presente ação direta, eis que
plenamente configurados, na espécie, os requisitos concernentes à
plausibilidade jurídica (que se mostra densa) e ao periculum in
mora.
Tenho para mim que o art. 16 do Decreto
presidencial nº 7.567, de 15/09/2011, ora impugnado, transgrediu, de
modo frontal, a garantia constitucional da anterioridade tributária,
tal como definida no art. 150, inciso III, alínea c, da
Constituição da República.
O postulado que consagra, entre nós, a anterioridade
tributária (não importando que se trate de anterioridade comum ou
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ADI 4.661 -MC / DF
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que se cuide, como na espécie, de anterioridade mitigada) traduz
garantia fundamental que compõe o próprio estatuto constitucional
dos contribuintes e que representa, na perspectiva das relações
entre a Administração Tributária e o contribuinte, clara limitação
constitucional ao poder impositivo das pessoas políticas, inclusive
ao poder da União Federal.
Torna-se importante assinalar, na linha do que destacou
esta Suprema Corte, em julgamento final sobre a matéria (ADI 939/DF,
Rel. Min. SYDNEY SANCHES), que o princípio da anterioridade
representa, em matéria tributária, garantia individual do
contribuinte, oponível, por isso mesmo, a qualquer das entidades
políticas investidas de competência impositiva.
Não se pode ignorar que o princípio da anterioridade
das leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma das
expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos
proclamados em favor dos contribuintes.
O respeito incondicional aos princípios constitucionais
evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do
Estado a esses valores - que desempenham, enquanto categorias
fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração
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dos direitos individuais ou coletivos - introduz um perigoso fator
de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que
deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente desiguais,
entre as pessoas, de um lado, e o Poder, de outro.
Não posso desconhecer - especialmente neste momento em
que se amplia o espaço do dissenso e se intensificam, em função de
uma norma tão claramente hostil a valores constitucionais básicos,
as relações de antagonismo entre o Fisco e os indivíduos - que os
princípios constitucionais tributários, sobre representarem
importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem
expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento
positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Desde que
existem para impor limitações ao poder de tributar, esses postulados
têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete,
quaisquer que sejam os contribuintes, à imperatividade de suas
restrições.
A eficácia do princípio da anterioridade não pode ser
comprometida por normas de direito positivo de evidente invalidade
jurídico-constitucional. Esse postulado essencial de nosso sistema
jurídico não pode ser visto nem compreendido como mera formulação
retórica. Na concreção do seu alcance e na própria linha da
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jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ 87/374) -, impende
considerar a advertência do magistério doutrinário (LISE DE ALMEIDA,
Princípio da Anterioridade - Evolução no Direito Brasileiro e sua
situação na Constituição, in RDTr 55/321, 1991), cuja lição, a
propósito do significado do princípio da anterioridade, vale
rememorar:
(...) a garantia individual do contribuinte,
pessoa natural ou jurídica, de que a cobrança de novos
tributos, ou a majoração de tributos já existentes,
deverá vir estabelecida em lei que seja por si
conhecida com antecedência, de tal modo que o mesmo
tenha ciência do gravame a que se sujeitará no futuro
próximo. Abre-se, assim, a possibilidade ao
contribuinte de previamente organizar e planejar seus
negócios e atividades. O fim primordial desta limitação
constitucional é a tutela da segurança jurídica,
especificamente configurada na justa expectativa do
contribuinte quando à certeza e à previsibilidade da
sua situação fiscal. (grifei)
O fato irrecusável, neste caso, é um só: nem mesmo o
Congresso Nacional, mediante exercício de seu poder reformador,
dispõe de competência para afetar direitos e garantias individuais,
como a garantia da anterioridade tributária, tal como o proclamou,
em julgamento final, esta Suprema Corte (ADI 939/DF, Rel. Min.
SYDNEY SANCHES).
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Com maior razão, não pode o Executivo, por intermédio
de simples decreto presidencial, transgredir o estatuto
constitucional dos contribuintes, tornando imediatamente exigíveis
as novas alíquotas fiscais do IPI resultantes da majoração
estabelecida por ato da Presidência da República, pois, se fosse
lícito à Administração Tributária desconsiderar, por determinação da
Senhora Presidente da República, o princípio da anterioridade, tal
comportamento equivaleria a atribuir, absurdamente, a uma simples
deliberação executiva, força normativa superior àquela de que se
acham impregnadas as emendas à Constituição, as quais insista-se
não podem desrespeitar matérias postas sob proteção das cláusulas
pétreas, como os direitos e garantias individuais (CF, art. 60,
§ 4º, IV), dentre os quais a garantia da anterioridade tributária,
como assinala a doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, Direito
Constitucional, p. 906, item n. 9.4, 27ª ed., 2011, Atlas, v.g.) e
adverte a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 939/DF).
Essa transgressão constitucional, perpetrada pela
Senhora Presidente da República, não pode ser tolerada nem admitida,
sob pena de grave conspurcação do regime constitucional de direitos
e garantias fundamentais que o ordenamento positivo estabeleceu,
também em matéria tributária, em favor e em defesa dos contribuintes.
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Nem se diga que é novo o tema ora versado nesta sede de
fiscalização abstrata de constitucionalidade, pois a questão em
exame já foi apreciada por outros Tribunais judiciários, como se
verifica, p. ex., de decisão proferida, em dezembro de 2008, pelo
E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento que restou
consubstanciado em acórdão assim ementado:
TRIBUTÁRIO. IPI. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTAS POR MEIO
DE DECRETO. ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. APLICABILIDADE.
ART. 150, III, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. O exercício do poder discricionário de
modificar a alíquota do IPI deve conter-se nos limites
estabelecidos na lei. O artigo 150, inciso III,
alínea c, da Constituição Federal, ao dispor sobre o
princípio da anterioridade mínima, com redação
outorgada pela EC nº 42, determina que devem
transcorrer noventa dias da publicação da lei que
instituiu ou majorou tributo para que este possa
incidir. O parágrafo 1º, do mesmo artigo, estabelece
quais os tributos que não se submetem a essa exigência,
estendendo-se àqueles previstos nos incisos I, II, III
e V do art. 153, dentre os quais não se inclui o IPI.
2. É inaplicável o argumento de que as limitações
ao poder de tributar contidas nas alíneas a, b e
c do inciso III do art. 150 refiram-se apenas à lei
em sentido estrito, excluídas as exceções estabelecidas
no art. 153, § 1º. A alteração de alíquota efetivada
por decreto não pode ser interpretada como atribuição,
ao ato do Poder Executivo, de poderes superiores aos da
própria lei. Examinando a existência de expressa
previsão de majoração de tributos por atos normativos
que não a lei em sentido estrito (decretos), é de se
supor que a Emenda nº 42 abrangeu tal situação, cabendo a
aplicação da anterioridade nonagesimal, porquanto o
referido imposto não está elencado em uma das exceções à
limitação constitucional da anterioridade nonagesimal.
(Apelação/Reexame Necessário nº 2007.71.08.012143-2/RS,
Rel. Juíza VÂNIA HACK DE ALMEIDA grifei)
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Cabe registrar, no ponto, que essa visão
jurisprudencial do tema, plenamente compatível com a exigência
constitucional que consagra o princípio da não surpresa, tem o
beneplácito do próprio magistério da doutrina, como se vê das lições
de eminentes autores, como REGINA HELENA COSTA (Curso de Direito
Tributário, p. 67/68, item n. 3.2.2.2, 2009, Saraiva), JOSÉ EDUARDO
SOARES DE MELO (IPI Teoria e Prática, p. 157, item n. 2, 2009,
Malheiros), EDUARDO SABBAG (Manual de Direito Tributário, p. 108/111,
item n. 4.5, 3ª ed./2ª tir., 2011, Saraiva), ROQUE ANTONIO CARRAZZA
(Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 217/218, nota de
rodapé nº 24, 26ª ed., 2010, Malheiros) e PEDRO MENEZES TRINDADE
BARRÊTTO (Limitações Constitucionais. Poder de Tributar, in
Curso de Direito Tributário Brasileiro, vol. 1/68-147, 128,
item n. 2.3, 2ª ed. especial, 2010, Quartier Latin).
Alegou-se, ainda, em defesa da validade constitucional
do decreto editado pela Senhora Presidente da República, que esse
ato do Poder Executivo encontraria fundamento legitimador em razões
decorrentes da existência de notória crise econômica internacional,
de preocupante desnacionalização da produção industrial brasileira
e, também, da função extrafiscal inerente ao IPI, sustentando-se, a
partir da invocação de tais fatores, que se justificaria a imediata
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exigibilidade das novas alíquotas majoradas pertinentes à exação
tributária em referência.
Tais alegações, contudo, não podem justificar o
desrespeito que a Senhora Presidente da República vem de cometer ao
editar a norma ora questionada.
Na verdade, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal não admite, por inaceitável, a invocação de razões de
Estado como fundamento de legitimação de práticas inconstitucionais
(RE 204.769/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É que tal argumento, embora conveniente aos desígnios
do Governo, representa expressão de um perigoso ensaio destinado a
submeter, de modo ilegítimo, à vontade do Príncipe, a autoridade
hierárquico-normativa da própria Constituição da República, o que
culminaria por introduzir, no sistema de direito positivo, um
preocupante fator de ruptura e de desestabilização político-jurídica:
LEIS DE ORDEM PÚBLICA - RAZÕES DE ESTADO - MOTIVOS
QUE NÃO JUSTIFICAM O DESRESPEITO ESTATAL À CONSTITUIÇÃO
(...).
...................................................
- Razões de Estado - que muitas vezes configuram
fundamentos políticos destinados a justificar,
pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção
de medidas de caráter normativo - não podem ser invocadas
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para viabilizar o descumprimento da própria Constituição.
As normas de ordem pública (...) não podem frustrar a plena
eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua
integridade e desrespeitando-a em sua autoridade.
(AI 725.227-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o
provimento cautelar ora requerido, suspendendo, com eficácia ex tunc,
a execução e a aplicabilidade do art. 16 do Decreto nº 7.567,
de 15/09/2011, editado pela Senhora Presidente da República.
É o meu voto.
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