A lista dos devedores da União
Romeu Saccani
A Secretaria da Receita Federal anuncia que publicará lista dos maiores devedores. Qual a sua consideração sobre tal publicação?
Essa publicação nada mais é do que uma forma vexatória de coagir o devedor a efetuar o pagamento, expondo-o à execração pública, quando já sofreu toda série de impedimentos e restrições, seja pessoa física ou jurídica, com seu nome nos cadastros de inadimplentes, proibição de negociar com entidades financeiras oficiais, obter certidões e outras restrições que podem até impedir a continuação de suas atividades, quando há um processo legal para essa cobrança.
O mais grave é que coloca os devedores numa vala comum, sob a pecha de sonegadores, não distinguindo entre os simples inadimplentes (os que devem e não puderam pagar) e os que estão discutindo a legalidade da cobrança com os que teriam cometido ilícitos tributários.
Qual seria então a finalidade dessa publicação?
A listagem dos devedores e sua publicação é totalmente inútil e não serve a qualquer propósito senão o de denegrir os que dela constem, pois a cobrança da dívida ativa está regulada em lei, com todas as garantias de que goza o crédito tributário.
O fato de se noticiar a divulgação e falar-se em sonegadores os devedores, bem demonstra a desinformação que ela traz. Os devedores de tributos são apenas e tão-somente inadimplentes, por não terem conseguido pagar o que eles próprios declararam, por obrigação legal cumprida, e aqueles que estão discutindo a legalidade da cobrança. Não se pode generalizar e entender, como parece que é a intenção, que se tratam de sonegadores, pelo fato de serem devedores.
Por isso não é correto falar-se em lista dos maiores sonegadores.
Ela fere algum direito ?
Na verdade, a publicação de lista de devedores sob a pecha de ser lista de sonegadores, é censurável, porque não informa corretamente, submetendo os listados à execração pública, sem qualquer oportunidade de defesa. É inútil porque não é o meio legal de efetuar a cobrança, de conformidade com o que dispõe a lei. Sob esse aspecto fere o direito à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, assegurados constitucionalmente, garantido o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (Art. 5º, X da Constituição).
Nenhuma lei poderia, sem ofensa à Constituição, autorizar publicação de lista devedores, tachando-os de fraudadores ou sonegadores. O curioso é que, quando se trata do INSS, a lista de devedores inclui Estados e
Municípios devedores, empresas públicas e outras ligadas. Seriam elas sonegadoras ou fraudadoras?
O que publiciza a dívida em cobrança é o ajuizamento da execução fiscal, que prescinde de qualquer publicação de lista de devedores, exigindo apenas que seja o crédito inscrito em dívida ativa, depois de esgotado o prazo fixado para pagamento pela lei ou por decisão final proferida em processo regular (Código Tributário Nacional, artigo 201).
Assim, não entendo aceitável ou legal, a publicação de lista de devedores, pois a divulgação de informações relativas à inscrição na Dívida Ativa da Fazenda Pública, não autoriza a indicação indiscriminada de nomes de devedores, pois seria interpretar o º3º do artigo 198 do Código Tributário Nacional de forma a ferir a Constituição Federal, sem que isso pudesse concorrer para recuperação de créditos não pagos, o que somente pelo processo de execução fiscal é possível.
Tanto é assim que, ajuizada a execução fiscal, realizada a penhora para garanti-la, o contribuinte terá direito de certidão com efeito de negativa, podendo praticar todos os atos de sua atividade, sem restrições, como prevê o artigo 206 do mesmo Código Tributário Nacional. E mais, terá direito de discutir a legalidade da dívida cobrada.
O sigilo fiscal, portanto, decorre do sistema constitucional, que prima pela inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem das pessoas. O ordenamento jurídico já atribui garantias e privilégios ao crédito tributário suficientes para assegurar sua cobrança, sem invadir a proteção assegurada à vida privada das pessoas e empresas.
Como justificar-se a existência de tão grande número de devedores?
Em primeiro lugar a excessiva carga tributária a que está submetida a sociedade brasileira. Depois, a complexidade e desfiguração do sistema tributário, com criação e majoração de tributos de forma tumultuária, visando exclusivamente o aumento da arrecadação a qualquer custo. Isto leva a uma confusão, num emaranhado de normas incompreensíveis, incapazes de permitir sua simplificação e racionalização, tão necessárias ao exercício das atividades econômicas.
Estamos numa era de trevas e obscurantismo tributário. Verdadeiro retrocesso inconcebível onde a evolução é apenas dos mecanismos de arrecadação, atribuindo aos contribuintes todas as tarefas de informação, apuração e antecipação dos valores devidos, retenção na fonte, responsabilidade por substituição, e muitos outros controles, num verdadeiro inferno burocrático, sancionado com severas e insuportáveis penalidades.
Sob o falso argumento de coibir a fraude e a sonegação, generalizam-se medidas autoritárias, deturpam-se princípios e normas de garantia, universalmente conquistados pela civilização contra a prepotência dos governos, prejudicando a formação sólida da poupança nacional, que gera o progresso e desenvolvimento sócio-econômico.
Tais fatos poderiam desestimular a atividade empreendedora?
Não tenho dúvida sobre isso. O espírito empreendedor sucumbe pela impossibilidade de se desenvolver, diante de tanta complicação e dos custos desmedidos para atender a máquina burocrática do governo e carga tributária exorbitante e complexa.
Não há como superar o problema sem uma modificação estrutural no sistema, que possa permitir segurança às iniciativas que, desconhecendo a situação caótica existente, perecem ao primeiro impulso empreendedor, formando assim uma legião de marginalizados informais, que deixam de acreditar na possibilidade de empreenderem com segurança.
Não será com medidas de retaliação, com publicação de lista de devedores, sob a pecha de sonegadores, que solucionaremos os problemas tributários, sociais e econômicos que o País enfrenta.
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Romeu Saccani é advogado, membro do Instituto dos Advogados do Paraná, do Instituto de Direito Tributário do Paraná e de Londrina, Conselheiro da Subseção da OAB em Londrina e assessor jurídico de empresas.
Publicada na Seção Opinião da Folha de Londrina de 13/07/2005.
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