05/06/2012
Paridade de armas - CNJ discute cessão de procuradores para tribunais (IMPORTANTÍSSIMO)



Paridade de armas - CNJ discute cessão de procuradores para tribunais

2 junho 2012

Por Rodrigo Haidar

O conselheiro José Lúcio Munhoz, do Conselho Nacional de Justiça, convocou audiência pública para discutir um tema que causa acalorados debates entre advogados privados e públicos: a cessão de procuradores federais para trabalhar como assessores jurídicos em gabinetes de desembargadores e ministros. A audiência foi marcada para o dia 20 de junho.

A discussão no CNJ foi provocada pela seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade entrou com Procedimento de Controle Administrativo (PCA) contra o Tribunal Regional Federal da 2ª Região. De acordo com o processo, a cessão de procuradores da Fazenda Nacional para trabalhar como assessores de desembargadores que compõem as turmas responsáveis por julgar matérias de Direito Tributário naquele tribunal viola o princípio da paridade de armas.

Segundo a OAB fluminense, um procurador da Fazenda cedido ao Tribunal Regional Federal não garantiria a paridade processual ao minutar um voto em uma demanda entre o cidadão contribuinte e a União. Assessores jurídicos auxiliam ministros e desembargadores na elaboração da minuta de seus votos. Isso, para a entidade, põe em xeque a isenção do Judiciário, causando desequilíbrio de forças no processo, uma vez que os procuradores da Fazenda Nacional atuam representando uma das partes nos processos que envolvem matéria tributária de interesse da União Federal.

O PCA estava na pauta de julgamentos do CNJ na última sessão, mas o relator, conselheiro José Lúcio Munhoz, retirou-o com o argumento de que ainda estava trabalhando no fundamento de seu voto. Esta semana, convocou a audiência pública para discutir a questão e convidou, além da OAB-RJ e do Conselho Federal da Ordem, a Procuradoria-Geral da República, a Advocacia-Geral da União, a Associação Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (ANPF) e o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).

Advogados tributaristas costumam contestar as cessões porque consideram que um procurador vem com a cabeça formada pelas ideias de defesa do Estado arrecadador, sem sopesar os ônus de contribuintes.

Ouvido pela revista Consultor Jurídico, o conselheiro José Lúcio Munhoz afirmou que a intenção da audiência é obter subsídios para melhor analisar a discussão, que tem diversos ângulos. Por exemplo, no caso da Advocacia-Geral da União, há um portaria que permite a cessão, mas apenas para tribunais superiores e para o Supremo. Diante do pedido de entidades da advocacia pública para ingressar no feito e depois de verificar a amplitude da discussão, ele decidiu convocar a audiência pública.

O presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz, Allan Titonelli, não vê problemas na cessão. Quem decide é o juiz, não o assessor. O assessor vai dar elementos técnicos para o juiz decidir. Titonelli também pondera que é comum o ministro, diante de uma questão nova, pedir a opinião de dois assessores sobre a matéria para, então, ponderar e formar seu convencimento. Logo, não haveria quebra da paridade de armas.

Nada mais natural que haja procuradores para dar elementos maiores para o juiz proferir sua decisão com técnica mais apurada. Isso até ajuda na imparcialidade. De outro lado, há mecanismos processuais próprios para que seja declarada suspeição ou impedimento. Não se pode é criar uma norma hipotética que traga a proibição da cessão, que hoje é muito pequena, genericamente, sustenta o presidente do Sinprofaz.

Para a OAB-RJ, contudo, a quebra da imparcialidade é clara. Em tese, a situação seria semelhante, se possível fosse, a um advogado atuar como assessor de desembargador, mas manter-se como sócio de um escritório particular, alega no PCA em análise no CNJ. O objetivo da entidade é que o Conselho edite resolução para vedar a cessão de procuradores da Fazenda Nacional ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, especialmente para exercer cargo em comissão em Turmas Especializadas com competência para processar e julgar matéria tributária. A decisão do CNJ pode iniciar uma discussão que se irradiará para gabinetes de tribunais superiores e para o próprio Supremo.

VEJA A SEGUIR O PEDIDO DA OAB - RJ

Ordem dos Advogados do Brasil
Seção do Estado do Rio de Janeiro
Procuradoria
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA  CNJ

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL  SEÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, serviço público independente, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, com sede na Avenida Marechal Câmara, nº 150, Centro, Rio de Janeiro/RJ, inscrita no CNPJ sob o nº 33.648.981/0001-37, representada por seus procuradores abaixo assinado, vem, com fundamento no art. 91 do Regimento Interno deste Conselho, propor PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO, contra o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, com sede na Rua Acre, n º 80, Centro, Rio de Janeiro, pelos motivos a seguir expostos:
1- Esta Seccional tomou conhecimento de que Procuradores da Fazenda Nacional estão sendo cedidos ao Poder Judiciário, para atuarem como Assessores Judiciários nos gabinetes de Desembargadores que integram Turmas Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro Especializadas em Matéria Tributária, conforme comprovado pela portaria publicada no Diário Oficial da União (doc. anexo).
2- Muito embora a cessão (afastamento para servir a outro órgão ou entidade) de servidores em geral seja prática comum e prevista em lei  Lei 8.112/90, quando envolve Procuradores da Fazenda Nacional cedidos a órgãos que têm competência para processar e julgar matéria tributária1, compromete o necessário equilíbrio do Poder Judiciário. Trata-se de situação peculiar, que merece tratamento diferenciado com relação às demais hipóteses de requisição de servidores entre órgãos da administração pública.
3- Como cediço, os assessores dos ministros do STJ e STF e dos demais Tribunais são responsáveis pela elaboração de minutas dos votos, o que põe em xeque a isenção do Judiciário, causando desequilíbrio de forças no processo, uma vez que os procuradores da Fazenda Nacional atuam representando uma das partes nos processos que envolvem matéria tributária de interesse da União Federal.
4- Ora, por óbvio, um procurador da Fazenda cedido ao Tribunal Regional Federal não garantiria a paridade processual ao minutar um voto em uma demanda entre o cidadão contribuinte e a União.
5- Em tese, a situação seria semelhante, se possível fosse, a um advogado atuar como assessor de desembargador, mas manter-se como sócio de um escritório particular. Para tanto, basta imaginar que, nos termos do disposto 1 É o caso das 3ª e 4ª Turmas Especializadas do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a teor do disposto no art. 2º, §4º, alínea b, c/c 13, inciso II, ambos do Regimento Interno (doc. anexo) no art. 93, §§1º, 2º e 5º, da Lei nº 8.112/90, o ônus da remuneração continua a ser da Procuradoria da Fazenda Nacional, entidade cedente.
6- Cabe mencionar ainda que a Lei Complementar nº 73/1993, que institui a Lei Orgânica da Advocacia Geral da União, veda o exercício da advocacia fora de suas atribuições institucionais por advogados e procuradores da Fazenda Nacional, claramente para evitar o tráfico de influência.
7- Segundo a Lei nº 9.028/1995, que dispõe sobre o exercício das atribuições institucionais da AGU, as atribuições dos servidores da AGU devem ser sempre vinculadas ao Poder Executivo, como dito na Constituição e na Lei Complementar.
8- Cabe mencionar que a atuação dos procuradores da Fazenda esbarra também no Estatuto da Advocacia, legislação que se aplica aos advogados públicos, conforme disposto no art. 3º da Lei 8.906/94, estando os mesmos obrigados a inscrição na OAB. O Estatuto, como cediço, dispõe que a advocacia é incompatível com a atividade de cargos ou funções vinculados ao Judiciário:
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;
II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; (Vide ADIN 1127-8)
III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI - militares de qualquer natureza, na ativa;
VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;
VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.
§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.
§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.
9- Verifica-se, portanto, que a atuação dos procuradores da Fazenda como assessores de Desembargadores do TRF da 2ª Região, que atuam em Turmas Especializadas com competência para processar e julgar matéria tributária compromete a isenção do Judiciário, violando a moralidade, impessoalidade e a paridade de armas nos processos que versem sobre matéria tributária de interesse da União.
PEDIDO
10- Por todo o exposto, a OAB/RJ requer que seja editada Resolução no sentido de vedar a cessão de procuradores da Fazenda Nacional ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, especialmente para exercer cargo em comissão em Turmas Especializadas com competência para processar e julgar matéria tributária.
11- Cumulativamente, nos termos do art. 95, inciso II, do Regimento Interno desse E. Conselho, requer a desconstituição do Ato nº T2-ATP-2011/00046, de 13 de outubro de 2011, por meio do qual foi cedido Procurador da Fazenda Nacional para o TRF-2.
Termos em que,
Pede e espera deferimento.
Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2012.
RONALDO CRAMER
Procurador-Geral da OAB/RJ
OAB/RJ 94.401
GUILHERME PERES DE OLIVEIRA
Subprocurador-Geral da OAB/RJ
OAB/RJ 147.553

LEIA O ATO DE DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0000706-90.2012.2.00.0000
Requerente: Ordem dos Advogados do Brasil  Seção do Estado do Rio de Janeiro
Interessado: Patrícia de Seixas Lessa
Requerido: Tribunal Regional Federal 2ª Região
Advogado(s): RJ 147553  Guilherme Peres de Oliveira (REQUERENTE)

DESPACHO/OFÍCIO Nº______/2012
Considerando a necessidade de aprofundar o debate acerca do tema constante do presente PCA, que trata da cessão de procuradores federais para o exercício de cargos comissionados em gabinete de magistrados, com competência para apreciar e julgar matéria tributária e considerando a relevância das decisões deste Conselho Nacional de Justiça, DESIGNO Audiência Pública para o dia 20/06/2012, às 15h, na Sala de Reuniões da Presidência I, do CNJ, localizada no Supremo Tribunal Federal  STF, Anexo I, 2º andar, Brasília/DF.
Para colher as impressões a respeito do tema, intime-se para participar da respectiva audiência as seguintes entidades:
Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Procuradoria Geral da República
Advocacia Geral da União
Associação Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional  ANPF
Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional  SINPROFAZ
Desde já agradecendo a colaboração das entidades referidas, serve o presente, por cópia, como ofício.
Brasília, 30 de maio de 2012.
JOSÉ LUCIO MUNHOZ
Conselheiro

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2012
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