15/06/2012
Exagero em sanção - "Multa para crédito indevido é inconstitucional"

Exagero em sanção

"Multa para crédito indevido é inconstitucional"

Por Pedro Canário


A norma da Receita Federal que trata de multas aplicadas a compensações de créditos tributários errados é absolutamente inconstitucional. Na opinião do advogado e professor de Direito Tributário, Heleno Taveira Torres, a regra joga bons contribuintes, que agem de absoluta boa-fé, na mesma vala comum que sonegadores de todo tipo.

Ele se refere à Instrução Normativa 900/2008 da Receita Federal. O dispositivo estabelece que o contribuinte que se restituir de crédito tributário indevido deve pagar multa de 50% sobre o valor do crédito considerado indevido pelo Fisco. No caso de ressarcimento obtido com falsidade no pedido, a multa sobe para 100% sobre o valor.

Conforme a explicação de Heleno Torres, por meio dessa regra, a Receita pune o contribuinte que, de boa-fé, comete um erro, muitas vezes causado pelas complicadas definições tributárias e contábeis brasileiras. Durante palestra na 6ª Jornada de Debates sobre questões polêmicas do Direito Tributário, organizada pela FiscoSoft, ele disse que o contribuinte tem a obrigação de declarar, e por isso o faz de acordo com sua interpretação do Direito.

O tributarista afirma que a multa ofende o que diz o artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional. O texto da lei diz que, no caso de pagamento de tributos por homologação  caso de PIS, Cofins, ICMS ou IPI, por exemplo , o contribuinte é quem deve tomar a iniciativa de declarar. No caso de restituição indevida, diz o parágrafo 4º, antes de se aplicar uma sanção, deve se comprovar dolo, fraude ou simulação. A norma é um confisco indevido. É uma tentativa de a Receita se locupletar, ataca.

Equiparações confusas
A IN 900/08 trata de multas a restituição de créditos indevidos. Nos casos específicos de PIS e de Cofins, não existe segurança sobre o que pode ou não ser creditado. Isso porque, de acordo com Juliana Ono, diretora de conteúdo da FiscoSoft e especialista nos tributos, a Lei 10.833/2003, que cria o PIS e a Cofins, afirma, no artigo 3º, que bens e serviços utilizados como insumos à atividade empresarial podem ser creditados dos impostos.

Mas, continua Juliana, a lei não define o que são insumos, deixando margem a diferentes interpretações. A Receita, então, se viu obrigada a regulamentar o conceito por meio de instrução normativa. O fez por meio da IN 404/2004 e equiparou os critérios aos que são utilizados no Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI.

O problema é que, de acordo com a norma que discrimina a não cumulatividade de PIS e Cofins, os impostos não se relacionam, e suas regras, portanto, não são as mesmas. A saída da Receita para resolver a questão foi adotar interpretações restritiva do que são insumos. Em três soluções de divergência, disse que só são considerados insumos os bens e os serviços aplicados diretamente no respectivo serviço prestado.

Já o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, considerou insumos quaisquer custos ou despesas necessários à atividade da empresa  critério do cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). A Câmara Superior de Recursos Fiscais, por sua vez, afastou a interpretação de que se deve usar os critérios do IPI, mas ficou com as hipóteses restritivas.

Judiciário abrangente
Juliana Ono também cita uma decisão judicial que deu caráter mais amplo à definição. Em apelação cível, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul decidiu que insumos, então, são os gastos que, ligados inseparavelmente aos elementos produtivos, proporcionam a existência do produto ou serviço, ou seu funcionamento, a sua manutenção ou o seu aprimoramento.

Considera, conforme a explicação da especialista, além das etapas anteriores à prestação do serviço ou fabricação do produto, também as etapas posteriores, como manutenção e funcionamento.

Mas isso não quer dizer que o contribuinte deva obedecer apenas o que diz o Judiciário. Juliana Ono aconselha as empresas a entender que quem vai analisar a sua declaração é um fiscal que tem o dever funcional de levar em conta as instruções normativas e soluções de divergência da Receita.

Caminho inverso
Por conta desse quadro, Heleno Torres afirma que a IN 900, que estabelece a multa para crédito indevido de tributos, não pode estabelecer sanções tão severas antes da etapa da comprovação do dolo. Dessa forma, diz, o fisco interfere nas atividades do mercado, pois empresas que se creditam de insumos são tratadas de uma forma e as que não creditam, de outro.

A constitucionalidade da regra não foi questionada no Supremo Tribunal Federal, mas o advogado tributarista Antonio Airton Ferreira conta já ter conseguido inúmeros mandados de segurança contra sua aplicação. Ou seja: o contribuinte deve fazer o contrário. Deve receber a multa, procurar o Judiciário para aí dizer que não deve pagar aquele valor.

Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2012
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