O ESTADO DE S. PAULO - POLÍTICA
STF adia definição de poderes dos promotores
Com placar empatado em 4 a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou ontem a decisão sobre a legalidade de investigações feitas diretamente pelo Ministério Público, questionadas por réus oriundos de inquéritos não dirigidos pela polícia. O adiamento se deu com pedido de vista do ministro Luiz Fux. Ele defendeu uma análise mais profunda da Corte, inclusive quanto às consequências de uma decisão que crie insegurança jurídica e ponha em xeque as investigações feitas até agora pelo MP de forma autônoma.
A ambiguidade vem desde a Constituição de 1988, cujo texto permitiu que, além da polícia judiciária da União (Polícia Federal) e dos Estados (polícias civis), o MP também possa realizar investigações diretamente.
Desde então as rusgas entre delegados e procuradores têm se acentuado a um ponto perigoso, com interferência danosa no resultado de inquéritos. Algumas brigas entre membros das duas instituições vêm inclusive favorecendo a impunidade de criminosos.
Dilema. Para pôr fim ao dilema, o STF começou a julgar desde a semana passada o Recurso Extraordinário (RE) 593.727, com repercussão geral reconhecida, em que o ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo de Souza Coelho questiona decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que recebeu denúncia contra ele por crime de responsabilidade, proposta pelo MP, embasada numa investigação própria, sem participação da polícia.
O relator do processo, ministro Cezar Peluso, votou pelo provimento do recurso, por considerar que não há previsão constitucional para o MP exercer investigações criminais, a não ser em casos excepcionais.
Foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski, mas o julgamento foi suspenso e retomado só hoje. Diante da falta de consenso, Fux pediu vista. Mas o ministro Gilmar Mendes fez declaração antecipada de voto. Para ele, as duas instituições têm permissão constitucional para investigar e devem atuar de forma cooperativa, em vez de serem rivais.
Mendes foi acompanhado pelo presidente do STF, Ayres Britto, e pelos ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Do lado contrário, o ministro Marco Aurélio Mello defendeu que o poder de investigação criminal é prerrogativa exclusiva da polícia judiciária.
Inquéritos civis. Radical, ele acha que o MP só pode fazer investigações em inquéritos civis, "nunca criminais". "Eu não imagino procurador com estrela no peito e arma na cintura para enfrentar criminosos na rua como se fosse polícia", ironizou o ministro Marco Aurélio Mello.
Caso não se declare impedido, o ministro Dias Toffoli também votará com o relator. Quando era advogado-geral da União, em 2007, ele deu parecer defendendo a investigação criminal como atividade privativa da polícia. Mantidas as declarações antecipadas, faltam apenas três votos para o STF decidir se o MP pode ou não realizar inquéritos criminais à revelia da polícia, mas não há previsão de retomada do julgamento porque o tema divide a Casa. Apenas três ministros haviam votado até o pedido de vista, mas outros cinco anteciparam sua posição.
Para Elias Rosa, investigar é 'vocação' do Ministério Público
"A tendência mundial é a de que o Ministério Público possa investigar, de forma responsável e independente", assevera o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, em memorial que entregou aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Em 12 páginas, Elias Rosa defende o poder de promotores e procuradores.
"Não há como deixar de reconhecer que a investigação é atividade que se integra perfeitamente à vocação institucional do Ministério Público", argumenta. "Quando o MP investiga não está usurpando função da polícia judiciária. Está a realizar atividade voltada à formação de sua opinião, já que lhe compete a propositura da ação penal pública."
Segundo Elias Rosa, "ao colher elementos com o objetivo de complementar seu convencimento, pretende o Ministério Público, de forma prudente, melhor esclarecer os fatos sob apuração, a fim de que, de forma serena e segura, deduza em juízo sua pretensão penal acusatória".
"O Ministério Público age com independência, porquanto não está condicionado hierarquicamente ao Poder Executivo, como estão as polícias", assinala. "Trata-se de atuação regrada, em observância às disposições administrativas internas e, mais recentemente, à Resolução 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público. Na ausência de tais poderes investigatórios, o MP ficaria à mercê da polícia, estabelecendo-se relação de dependência com o Executivo, que não encontra amparo na Constituição."
Já os delegados da Polícia Federal não admitem papel de investigador do MP. "A Constituição não conferiu ao MP poder investigatório", diz o delegado Bruno Titz de Rezende, diretor jurídico do Sindicato dos Delegados da PF em São Paulo. "Aquele que investiga deve ser imparcial. O MP é parte no processo, não tem como ser imparcial."
Para Titz, "investigações sem nenhum regramento são afrontas às garantias individuais dos cidadãos brasileiros". Ele é taxativo. "Antes de conceder a outra instituição poderes de investigação, precisamos corrigir e dar meios para que a Polícia consiga executar seu trabalho da forma mais adequada e eficiente."
Titz prega que os delegados devem ter garantias de inamovibilidade e vitaliciedade. "Na colheita de provas, o delegado atua com o juiz e o membro do Ministério Público. Mas apenas o delegado não tem tais prerrogativas. Estas garantias impedem qualquer interferência indevida na atuação do delegado."
Ele argumenta que "a aferição de garantias ao delegado será um grande passo em direção à modernização da segurança pública, sem prejuízo ao controle externo exercido pelo MP e pelo Judiciário".
VANNILDO MENDES - BRASÍLIA
FAUSTO MACEDO - SÃO PAULO
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