EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, representado pelo Advogado-Geral da União (art. 22 da Lei nº 9.028, de 1995, com a redação dada pela MP nº 2.216-37, de 2001), com fundamento no art. 103, I, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 9.868, de 1999, vem, perante essa Suprema Corte, ajuizar
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
com pedido de medida cautelar, tendo por objeto o art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, fazendo-o pelos fundamentos a seguir expostos.
I. DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação tem como objeto a declaração de constitucionalidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, que dispõe, verbis:
"Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
(...)
§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:
I - as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário."
Trata-se de dispositivo que regulamenta a base de cálculo sobre a qual serão apurados os valores da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS e dos Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP.
II. DA CONTROVÉRSIA JUDICIAL
A fim de atender ao disposto no art. 14 da Lei nº 9.868/1999, passa-se a demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do dispositivo objeto da ação declaratória.
Atualmente, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, são encontradas decisões com entendimentos divergentes a respeito da norma impugnada.
Assim, por um lado, ao se analisar o conteúdo do art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/1998, alguns julgados concluíram pela validade da norma, incluindo o valor do ICMS na base de cálculo da COFINS. Nesse sentido, destacam-se os seguintes entendimentos[1]:
Súmulas do Superior Tribunal de Justiça:
68 - A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.
94 - A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL[2].
Acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
"TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCIDÊNCIA DOS VALORES REFERENTES AO ICMS E AO IPI. As parcelas relativas ao ICMS e ao IPI incluem-se na base de cálculo do PIS e da COFINS. Recurso improvido." (RESP nº 746.038/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Órgão Julgador: 2ª Turma. Decisão: 2/8/2007.)
Acórdãos de Tribunais Regionais Federais:
"DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. BASE DE CÁLCULO DA COFINS E PIS. POSSIBILIDADE.
1. Os valores devidos à conta do ICMS integram a base de cálculo da contribuição para financiamento da seguridade social. Súmula n. 94/STJ.
2. Inexiste ofensa ao princípio da não-cumulatividade. A COFINS tem a natureza jurídica de contribuição social, da competência residual da União, e no caso desses tributos tal violação só se configura quando se tratar de novas fontes, não previstas na Carta Federal.
3. Não há violação ao princípio da seletividade, porque essa regra manifesta as opções políticas do legislador, que o Poder Judiciário só deve afastar no caso de manifesta ilegalidade.
4. Lei nº 9718/98. Constitucionalidade formal. A Suprema Corte já entendeu que, em matéria tributária, os conceitos receita bruta e faturamento se identificam (RE Nº 150.764 - PE, DJ 02.04.93, pp.1.526) .
5. Apelação desprovida."
(TRF 1ª Região. AMS nº 2001.34.00.028918-1/DF. Relator: Des. Federal Carlos Olavo. Órgão Julgador: 4ª Turma. Decisão: 25/2/2003. DJ de 21/3/2003.);
"TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO. PIS E COFINS. ICMS. INCLUSÃO. SÚMULAS 68 E 94 DO STJ. ARTIGO 3º, § 2º, INCISO III, DA LEI 9.718/98. NORMA DEPENDENTE DE REGULAMENTAÇÃO. REVOGAÇÃO PELA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1991-18/2000. Conforme se depreende da leitura do inciso I, § 2º do art. 3º da Lei 9.178/98, a condição de se efetuar o desconto do ICMS para fins de determinar a base de cálculo do PIS e da COFINS seria a cobrança pelo vendedor dos bens ou prestador de serviços agindo na condição de substituto tributário do verdadeiro contribuinte. Sendo o ICMS um imposto indireto, embutido no preço da mercadoria, integra a receita bruta, e, portanto, deve constar da base de cálculo das contribuições em comento. A matéria já se encontra sumulada pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça (Súmula 68) e pelo extinto Tribunal Federal de Recursos (Súmula 258). Com relação à COFINS, contribuição que substituiu o FINSOCIAL, não é cabível a dedução pleiteada, conforme entendimento pacificado e sumulado pela egrégia Corte Superior em relação ao FINSOCIAL (Súmula 94), que, por analogia, estende-se à COFINS. No que se refere ao inciso III, do § 2º do artigo 3º da mencionada lei, a 1ª Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça igualmente pacificou o entendimento de que tal inciso jamais teve eficácia, por se tratar de norma cuja aplicação dependia de regulamentação pelo Poder Executivo, que jamais foi editada até sua revogação pela MP 1.991/00". (TRF 2ª Região. AC nº 2002.51.04.000411-4/RJ. Rel. Des. Alberto Nogueira. Órgão Julgador: 4ª Turma Esp. Decisão: 6/9/2005. DJ de 6/10/2005.);
"TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DA PARCELA DO ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. EXTENSÃO POR EQÜIDADE AO ICMS EMBUTIDO NO PREÇO DA MERCADORIA. INCABIMENTO.
1. Inclui-se na base de cálculo do PIS a parcela relativa ao ICMS devido pela empresa na condição de contribuinte (Súmulas 258 TFR e 68 do STJ).
2. A substituição tributária ´para frente´ foi reconhecida pela CF/88 através da adição do par. 7º ao art. 150 da CF/88 pela EC 3/93, configurando o ICMS cobrado na condição de substituto tributário em mera antecipação do tributo devido pelo varejista na operação subseqüente de venda a consumidor final.
3. Na cobrança do ICMS por substituição, o industrial age como mero intermediário entre o Fisco e seu cliente ostentando ainda condição de depositário do ICMS cobrado na condição de substituto tributário, razão por que essa verba não se confunde com faturamento - ainda que cobrada na nota fiscal - e, por isso mesmo, o ordenamento permite sua exclusão da base de cálculo.
4. O emprego da eqüidade não pode resultar na dispensa do pagamento do tributo ex vi do par. 2º do art. 108 do CTN.
5. Apelação improvida."
(TRF 4ª Região. AMS nº 2000.71.06.001506-1/RS. Rel. Des. Federal Alcides Vettorazzi. Órgão Julgador: 2ª Turma. Decisão em 26/6/2001. DJ de 29/8/2001.).
No mesmo sentido, os processos abaixo:
STJ
- AGI nº 781.469/SP, Relator Min. Castro Meira. Acórdão de 05/10/06;
TRF 1º Região
- AGI nº 2007.01.00.008964-8/MT, Relator Desembargador Federal Catão Alves. Decisão liminar de 03/04/07;
TRF 2º Região
- Agravo Interno em AGI nº 2007.02.01.000821-6, Relator Juiz Federal José Neiva. Acórdão de 27/03/07;
TRF 3º Região
- ED-AC nº 2006.03.99.040116-9/SP, Relatora Desembargador Federal Consuelo Yoshida. Acórdão de 23/05/07;
TRF 4º Região
- AC-MS nº 2006.71.02.006407-5/RS, Relatora Juíza Federal Taís Schilling Ferraz. Acórdão de 25/07/07;
- ED na AMS nº 2003.71.07.010653-2/RS, Relator Desembargador Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira. Acórdão de 07/06/07;
- AC nº 2005.71.07.003476-1/RS, Relatora Juíza Viviane Josete Pantaleão Caminha. Acórdão de 14/03/07;
- AMS nº 2005.72.00.005871-7/SC, Relator Desembargador Federal Vilson Darós. Acórdão de 13/12/06;
- AGI nº 2006.04.00.03.2501-8/PR, Relator Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona. Acórdão de 12/12/2006;
- AMS nº 2006.71.07.000230-2/RS, Relator Juiz Joel Ilan Paciornik. Acórdão de 12/07/06;
- AC nº 2002.70.00.030634-3/PR, Relator Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira. Acórdão de 09/11/06;
- AGI nº 2006.04.00.037671-3/SC, Relator Desembargador Federal Dirceu de Almeida Soares. Acórdão de 03/04/07;
- AMS nº 2006.71.02.006407-5/RS, Relator Juíza Federal Taís Schilling Derraz. Acórdão de 25/07/07;
Varas Federais
- 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2006.70.01.006578-0/PR, Relator Juiz Federal Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni. Sentença de 26/06/07;
- 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2006.70.01.006085-0/PR, Relator Juiz Federal Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni. Sentença de 30/03/07;
- 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2006.70.01.002761-4/PR, Relator Juiz Federal Substituto Alexei Alves Ribeiro. Sentença de 12/02/07;
- 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2007.70.01.001960-9/PR, Relator Juiz Federal Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni. Sentença de 26/06/07.
Ocorre que, apesar da pacificação da matéria já há muitos anos, algumas decisões recentes, inspiradas no julgamento ainda em curso do RE nº 240.785-2/MG e desconsiderando a presunção de validade da norma legal, estão sendo proferidas a fim de excluir o valor pago a título de ICMS da base de cálculo da COFINS. Nesse sentido, verbis:
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E PERIGO DE DANO DEMONSTRADOS. COMPENSAÇÃO EM SEDE DE LIMINAR. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 212 DO STJ.
1. No julgamento iniciado e não concluído do Recurso Extraordinário 240.785-2/MG (Informativo 437, do STF), o Supremo Tribunal Federal, pelo voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, deu provimento ao recurso, por entender violado o art. 195, I, da CF, por estar incluído na base de cálculo da COFINS, como faturamento, o ICMS.
2. O entendimento alcança também a contribuição para o PIS, posto que o raciocínio que se utiliza para justificar a não inclusão do ICMS na base do COFINS autoriza, também, a exegese para sua não utilização na base de cálculo do PIS.
3. O periculum in mora, por sua vez, reside no desequilíbrio financeiro gerado ao contribuinte, ao realizar o pagamento do tributo, nos termos em que lhe está sendo cobrado, redundando em risco às suas atividades operacionais, ou, em caso de inadimplência, em penalidades, oriundas da exigibilidade do crédito tributário, como a negativa de seu direito em obter certidões negativas de débitos e inscrição do seu nome no CADIN.
4. Não é possível o deferimento de liminar que objetiva compensação de crédito tributário, nos termos da Súmula 212 do STJ. Ademais, o deferimento de tal pedido esvaziaria o objeto da demanda no mandado de segurança.
5. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento."
(TRF 1ª Região. AG nº 2006.01.00.046648-2/AM. Rel. Des. Federal Maria do Carmo Cardoso. Órgão Julgador: 8ª Turma. Julgamento: 25/5/2007. DJ de 22/6/2007.);
"TRIBUTÁRIO. PIS/COFINS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO ICMS. NÃO CABIMENTO. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR 118/05. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO TAXA SELIC E JUROS DE MORA.
I. A jurisprudência, inclusive do excelso Pretório, vem se dirigindo no sentido de entender violado o art. 195, I, da Constituição, em hipótese que tal, por estar incluído na base de cálculo da COFINS, como faturamento, o ICMS
II. Em atenção à segurança jurídica, não há de se falar em retroatividade do comando da Lei Complementar 118/2005, independentemente da discussão sobre sua natureza, se interpretativa ou não.
III. São compensáveis créditos decorrentes do indevido recolhimento, a título do PIS e da COFINS, com qualquer outro tributo arrecadado e administrado pela Secretaria da Receita Federal, sendo irrelevante se o destino das arrecadações seja outro.
IV. Sobre os valores devidos até a data de 31 de dezembro de 1995, os juros moratórios aplicáveis são de 1% ao mês, a contar da data do trânsito em julgado da sentença, conforme os dispositivos do art. 161 c/c 167 do Código Tributário Nacional. Sobre os valores devidos a partir de 1º de janeiro de 1996, aplicável a Taxa SELIC, nos termos do art. 39, § 4º, da Lei 9.250/95, contados a partir dos recolhimentos indevidos das exações, sendo vedada, em razão da natureza da taxa, a cumulação desta com outro índice de juros, sob pena de incorrer em bis in idem.
V. Apelação provida."
(TRF 1ª Região. AMS nº 2002.32.00.005081-4/AM. Rel. Des. Federal Carlos Fernando Mathias. Órgão Julgador: 8ª Turma. Julgamento em 14/8/2007. DJ de 14/8/2007.).
No mesmo sentido, são os processos abaixo:
STJ
- AGI nº 666548 - RJ, Relator Min. Luiz Fux. Decisão de 27/09/06;
TRF 1º Região
- AGI nº 2007.01.00.024248-9/DF, Desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Decisão de 24/07/07;
Varas Federais
- 2º Subseção Judiciária - Dourados/MS. 2º Vara Federal. MS nº 2007.60.02.003329-6, Juiz Federal Substituto Ronaldo José da Silva. Decisão liminar de 07/08/07;
- 1º Vara Federal do Estado de São Paulo. MS nº 2006.61.12.011856-0, Juíza Federal Substituta Maria Catarina de Souza Martins Fazzio. Sentença de 05/06/07;
- 7ª Vara Federal de Minas Gerais. MS nº 2006.38.00.037350-4, Juiz Federal Substituto Rodrigo de Godoy Mendes. Sentença de 15/06/07;
- 19ª Vara Federal de Minas Gerais. MS individual nº 2007.38.00.001144-3, Juiz Federal Substituto João César Otoni de Matos. Sentença de 12/06/07;
-13ª Vara Federal de Minas Gerais. MS nº 2007.38.00.002862-5, Juíza Federal Luciana Pinheiro Costa Mayer Soares. Sentença de 01/05/07;
- 5ª Vara Federal de Mato Grosso. MS coletivo nº 2006.36.00.016296-5, Juiz Federal José Pires da Cunha. Sentença de 16/04/07;
- 2ª Vara de Mato Grosso. MS individual nº 2007.36.00.005137-4, Juiz Federal Jeferson Schneider. Sentença de 29/06/07;
- 5ª Vara de Mato Grosso. MS individual nº 2006.36.00.016651-3, Juiz Federal José Pires da Cunha. Sentença de 04/06/07;
- 2ª Vara de Mato Grosso. MS individual nº 2007.36.00.002615-8, Juiz Federal Jeferson Schneider. Sentença de 29/06/07;
- 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2007.70.01.001069-2/PR, Juiz Federal Substituto Alexei Alves Ribeiro. Sentença de 11/07/07;
- 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2007.70.01.000521-0/PR, Juiz Federal Substituto Alexei Alves Ribeiro. Sentença de 10/07/07.
Desse modo, desde o reinício do julgamento pelo Excelso Pretório do RE nº 240.785/MG, em que se examina, com base no art. 2º, § único, da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, se o ICMS pode ser incluído na base de cálculo da COFINS, diversas decisões têm sido prolatadas, pelos mais diversos órgãos judiciais do país, infirmando a presunção de constitucionalidade da Lei nº 9.718/98 (que não é objeto daquele julgamento já iniciado).
Nesse contexto, teme-se que a má compreensão acerca da legitimidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/1998, em face do art. 195, I, da Constituição Federal, cause grave insegurança jurídica em milhares de relações tributárias, bem como significativo comprometimento de receitas tributárias. Destaque-se, ainda, a repercussão do entendimento sobre as contribuições relativas ao PIS/PASEP, na medida em que possuem mesma metodologia de cálculo da COFINS.
Assim, ante a relevante controvérsia jurisprudencial configurada, mostra-se de particular importância a decisão definitiva desse Colendo Supremo Tribunal Federal pela via do controle concentrado sobre a matéria.
III. DO PARÂMETRO DE CONTROLE
A presente ação tem o objetivo de ver declarada a constitucionalidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/1998, em face da previsão contida no art. 195, I, da Carta Política.
Especificamente, demonstrar-se-á a validade do dispositivo legal a partir do fato de que a Constituição Federal permite, desde sua redação originária, a cobrança de contribuição social incidente sobre o faturamento do empregador.
No caso em exame, é importante observar que, ainda que o texto constitucional tenha sido alterado pela Emenda Constitucional nº 20/1998, a norma que prevê dita contribuição se mantém no ordenamento jurídico nacional[3]. Desse modo, a modificação na redação da Lei Maior não prejudica o exame de validade da lei ordinária pela via concentrada, na medida em que o parâmetro de controle que se pretende utilizar (norma) é vigente à época da edição da lei e perdura nos dias atuais.
Em suma, permanecendo íntegra a norma constitucional que autoriza o legislador federal ordinário a instituir contribuição incidente sobre o faturamento das empresas para o financiamento da Seguridade Social, há de ser conhecida a presente ação declaratória.
IV. DA CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL
IV.1 - Referências normativas da matéria.
A Constituição Federal, no Título VIII, "Da Ordem Social", ao prever o financiamento da seguridade social, reservou ao legislador ordinário a regulamentação da matéria. Em sua redação originária, estabelecia o art. 195 o seguinte:
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II - dos trabalhadores;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos." (Destacou-se)
Na vigência dessa norma, no âmbito federal, editou-se a Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, que "institui contribuição para financiamento da Seguridade Social". Em seu art. 2º, ficou estabelecido que, verbis:
"Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
Parágrafo único. Não integra a receita de que trata este artigo, para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição, o valor:
a) do imposto sobre produtos industrializados, quando destacado em separado no documento fiscal;
b) das vendas canceladas, das devolvidas e dos descontos a qualquer título concedidos incondicionalmente."
Note-se, desde logo, que, se o legislador precisou excluir o IPI (tributo indireto), quando destacado em nota fiscal, da base de cálculo da COFINS, é porque, a contrario sensu, estaria ele naturalmente incluído por força do caput. Como o ICMS não foi excepcionado, legitimou-se o entendimento de que estava ele compreendido na base imponível da contribuição sobre o faturamento.
É importante ressaltar que o citado artigo teve sua constitucionalidade reconhecida quando do julgamento da ADC nº 1. Nesse sentido, confira-se o acórdão proferido na ocasião, verbis:
"Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer em parte da ação, e, nessa parte, julgá-la procedente, para declarar, com os efeitos vinculantes previstos no parágrafo 2º do art. 102 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional nº 03/93, a constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 10, bem como da expressão ´a contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei complementar não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade Social´, contida no artigo 9º, e também da expressão ´esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores, àquela publicação, ...´, constante do artigo 13, todos da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991. Brasília, 1º de dezembro de 1993." (Destacou-se)
Posteriormente, a inclusão do valor referente ao ICMS na base de cálculo da COFINS (e do PIS/PASEP) passou a ter supedâneo legal no art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718/98 (ora impugnado), também entendido a contrario sensu, verbis:
"Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
(...)
§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:
I - as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário; (...)"
Desse modo, observa-se que a lei só excluiu o ICMS da base imponível das contribuições em exame quando for ele pago em regime de substituição tributária. Esse regime, por sua vez, é excepcional e depende de expressa previsão legal (art. 150, § 7º, CRFB). Logo, em regra geral, não sendo o valor pago a título de ICMS decorrente de substituição tributária, não deve ser ele deduzido da base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP.
Em 15 de dezembro de 1998, editou-se a Emenda Constitucional nº 20, que alterou a redação do art. 195 da Lei Maior, cujo texto restou assim escrito, verbis:
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro; (...)" (Destacou-se)
Conforme se verifica, seja em sua redação originária, seja a decorrente da EC nº 20/98, a Constituição prevê a possibilidade de cobrança de contribuição social incidente sobre o faturamento do empregador. Tal norma, que existe desde 1988, em que pese a mudança de texto, continua em vigor.
Mais recentemente, foram ainda editadas as Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, que regula a cobrança da contribuição do PIS/PASEP, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que trata da COFINS. Seguindo a tradição, ambas prevêem que a base de cálculo dessas contribuições é o faturamento das empresas.
Vale destacar que referidas leis não revogaram, nem expressa nem tacitamente, o art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/98. Pelo contrário, a especialidade desta norma, que excepciona quais elementos serão excluídos da base de cálculo daquelas exações, impõe sua permanência no ordenamento jurídico e deve ser observada quando da aplicação das leis posteriores.
IV.2 - A questão da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS
IV.2.a - Do ICMS na composição do faturamento
A questão da inclusão do custo dos tributos indiretos - no caso, o ICMS - no preço dos produtos, com reflexos no cálculo das exações que têm suas bases de cálculo compostas total ou parcialmente pelo preço das mercadorias ou serviços, é antiga na história jurídica brasileira.
Em 1999, essa Egrégia Corte analisou a constitucionalidade do cálculo do ICMS compondo sua própria base e decidiu, definitivamente, a validade desse sistema, chamado incidência "por dentro". Nesse sentido, restou assim ementado o caso paradigma, verbis:
"Constitucional. Tributário. Base de cálculo do ICMS: inclusão no valor da operação ou da prestação de serviço somado ao próprio tributo. Constitucionalidade. Recurso desprovido. (RE nº 212.209/RS. Relator: Min. Marco Aurélio. Relator para acórdão: Min. Nelson Jobim. Julgamento em 23/6/1999. DJ de 14/2/2003.)"
Reconheceu-se, na ocasião, que a incidência do ICMS é sobre a operação como um todo, isto é, o preço da mercadoria, computados seus custos. Somente assim se realizaria, no caso deste imposto, o princípio da não-cumulatividade. Nas palavras do Min. Moreira Alves:
"Há que fazer duas observações. Se o ICMS não for um imposto por dentro, jamais chegaremos ao que se deve chegar com a observância do princípio da não-cumulatividade, com o seu jogo de compensações. Ademais, o fato gerador é que decorre da Constituição, mas é a lei complementar que impõe a base de cálculo, e ela só seria inconstitucional, nesse ponto, se estabelecer base de cálculo que não se coadune com o fato gerador, o que não corre aqui, em que a base de cálculo é a única que se compatibiliza com o próprio imposto, inclusive para a observância do princípio da não-cumulatividade."
O entendimento de que o ICMS compõe a sua própria base de cálculo impõe a outro, a saber, o de que o valor desse imposto corresponde a custos a cargo da empresa, que são levados em conta na formação do preço. A respeito, pertinente destacar as palavras do Min. Eros Grau em voto proferido no julgamento do RE nº 240.785/MG, que, apoiado na norma contida no art. 166 do Código Tributário Nacional, afirmou, verbis:
"[O ICMS] É custo, tal como o salário, a energia elétrica, sendo irrelevante a atividade e a classificação contábil para tais receitas."
Entende-se por custo do produto todos os gastos idealmente calculados como necessários especificamente para sua produção ou aquisição. Justamente por compor o custo do produto, o ICMS acaba sendo agregado em seu preço. Esse é o método que permite o trespasse do ônus econômico ao consumidor final.
O termo "custo" tem significação específica nas Ciências Contábeis. Eis sua definição pelo IBRACON - Instituto Brasileiro de Contadores[4]:
"É o preço pelo qual se obtém um bem, direito ou serviço. Por extensão, é também o montante do preço da matéria-prima, mão-de-obra e outros encargos incorridos para a produção dos bens e serviços. Ele é, pois, tanto o preço pelo qual é adquirido um bem ou serviço, como o incorrido no processo interno da empresa para a prestação de serviços ou obtenção de bens, para venda ou uso interno".
Custo que é, seu ingresso torna-se parte do faturamento da empresa. Por faturamento, de acordo com a jurisprudência do STF, deve-se entender a soma das receitas operacionais da empresa. É a chamada receita bruta operacional. Esta é composta pelos resultados de operações - negócios jurídicos - típicos da atividade empresarial desempenhada pelo empresário; noutros termos, pelas receitas derivadas da exploração específica do objeto social da empresa. Conforme explicou o Min. Eros Grau, em voto no RE nº 357.950/RS, faturamento corresponde ao:
"resultado econômico das operações empresariais do agente econômico, como ´receita bruta das vendas de mercadorias e mercadorias e serviços de qualquer natureza´ (art. 22 do decreto-lei n. 2.397/87). Esse entendimento foi consagrado no RE 150.764, Relator o Ministro Ilmar Galvão, e na ADC n. 1, Relator o Ministro Moreira Alves."
Logo, a noção de custo está para a de preço assim como a noção de despesa operacional está para a de faturamento. O preço faz frente ao custo do produto, enquanto que o faturamento possibilita o pagamento das despesas que a empresa efetua para alcançar seus fins econômicos.
A respeito, José Alfredo Ferrari Sabino ressalta que as parcelas que compõem o preço das mercadorias e serviços também compõem a receita operacional das empresas e que são excluídas destas os valores que correspondem a meros repasses e reembolsos (custos de terceiros). São suas palavras[5]:
"Portanto, pode-se sinteticamente afirmar que (i) formam a receita das vendas, e portanto incluem-se na base de cálculo do PIS e da Cofins, todas as parcelas que compõem o preço do produto vendido, por representarem a contrapartida do fornecimento de bens e serviços; (ii) não compõem a receita das empresas, e assim estão fora da base de cálculo do PIS e da Cofins, os ingressos que serão repassados a terceiros ou que constituam meros reembolsos por despesas ou custos a cargo de terceiros (vale dizer, custos de terceiros)."
Diante de tais considerações, percebe-se que, sendo o ICMS repassado para "dentro" do preço de venda, sua importância correspondente deve ser tributada pelas exações que incidem sobre o faturamento ou a receita bruta total das empresas; no caso, a COFINS e o PIS/PASEP.
Assim, é possível afirmar que, uma vez que o ICMS incide sobre a operação, sua inclusão na base de cálculo há de ser considerada custo na formação do preço pelo alienante. Logo, o ingresso de valores relativos ao preço, incluída aí a parcela do ICMS, representa faturamento da empresa. Em suma, o valor integral do preço, e não a diferença entre este o valor do imposto, é tido por faturamento do agente econômico.
Incluído no conceito de faturamento, na medida em que o ICMS é imposto indireto que se agrega ao preço da mercadoria, verifica-se a legitimidade da cobrança da COFINS levando em consideração esse tributo.
Referida contribuição social incide sobre o faturamento das empresas, nos termos do art. 195, I, da Constituição Federal, art. 2º da Lei Complementar nº 70/1991 e art. 2º da Lei 9.718/1998.
Ora, conforme se demonstrou, o ICMS compõe o faturamento do agente, porque representa custo da produção e está integrado ao preço da mercadoria ou serviço. Logo, a COFINS há de incidir levando-se em conta essa parcela.
Note-se, por fim, que se inconstitucional fosse a incidência da COFINS sobre o valor do ICMS embutido no preço das mercadorias e serviços, também o seria, com muito mais razão, a incidência do ICMS sobre o próprio ICMS (o chamado ICMS "por dentro"). Ora, sendo o faturamento conjunto continente do preço de cada produto alienado, não há como o ICMS servir de base imponível para o próprio ICMS e não o servir para a COFINS ou o PIS/PASEP. E o STF, relembre-se, já pacificou há muito tempo sua jurisprudência no sentido de que é legítima a técnica de tributação do ICMS "por dentro" (RE 212.209/RS).
IV.2.b - O caso do IPI
É interessante destacar que tal sistemática jamais poderia ocorrer com o imposto sobre produtos industrializados. Por sua natureza, o IPI não pode integrar a base de cálculo da COFINS.
Muito embora ICMS e IPI sejam impostos ditos indiretos[6], eles não oneram a cadeia econômica da mesma forma. É que, enquanto o ICMS representa custo na formação do preço, a permitir seu cálculo por dentro, o mesmo não acontece com o IPI, cujo cálculo é realizado sem a integração deste imposto em sua própria base de cálculo. Conforme explica Aliomar Baleeiro[7], "o IPI é calculado por fora do valor da operação de que resulta a saída pela industrialização".
Essa lógica de apuração distingue o tratamento que deve ser dado ao valor referente ao IPI e ao ICMS na formação da base de cálculo das contribuições sobre o faturamento, uma vez que o IPI é cobrado em separado.
Tal explicação é fundamental para se compreender os motivos que levaram o legislador a excluir, expressamente, o IPI da base de cálculo da CONFINS. Não se trata de mera medida em favor do contribuinte. Com acerto, trata-se de reconhecer, desde a edição da Lei Complementar nº 70/1991, seguida da Lei nº 9.718/1998, que esse imposto, por sua natureza, não pode onerar a contribuição social em exame.
Por outro lado, o mesmo não se verifica com o ICMS, na medida em que, agregando-se ao preço da mercadoria ou serviço, esse imposto compõe custo de produção do bem.
Assim, verifica-se que a legislação teve a preocupação de evitar controvérsias futuras, afinal ambos os impostos são classificados segundo a doutrina como indiretos. Todavia, apenas o ICMS é considerado internamente no preço da operação, razão por que, com louvor, a legislação optou por esclarecer, desde logo, que
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