29/10/2007
Repercussão Geral - Entrevista - Ellen Gracie, Presidente do STF

Entrevista - Ellen Gracie, Presidente do STF
JORNAL DO COMMERCIO - PAÍS

Há um mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) implantou o sistema de repercussão geral. Uma idéia simples, para desatravancar a pauta lotada da corte e permitir apenas o julgamento de ações de interesse coletivo. Ao receber um processo, o relator disponibiliza o assunto para os outros ministros pelo sistema de informática. O caso só vai adiante se for considerado de interesse da sociedade. Mas até agora não deu para notar a mudança. Apenas três casos foram registrados no novo sistema. A presidente do STF, ministra Ellen Gracie, reconhece que ainda vai demorar pelo menos um ano para que o novo modelo dê resultados significativos.

É que o Supremo ainda tem de lidar com uma fila de 142 mil processos que deram entrada antes da aprovação do dispositivo, entre eles muitos assuntos irrelevantes. "Acho que a Corte deve julgar questões de interesse coletivo e não de interesse de duas pessoas", diz Ellen Gracie.

A partir de quando a senhora acredita que será possível sentir os efeitos da repercussão geral?

Helen Gracie - O sistema informatizado está funcionando perfeitamente há um mês. Certamente que só vamos sentir os resultados daqui a um ano. Creio que vai haver uma mudança completa de mentalidade. Os advogados já saberão que muitas questões estarão definidas e muitas decisões se tornarão súmulas vinculantes. Isso vai facilitar a redução do número de processos que entram no Supremo e certamente vai diminuir o número de causas que cada ministro tem de julgar. Hoje eu distribuo 500 processos por dia. Até o fim do ano serão 20 mil novas ações.

A expectativa da senhora é de que o percentual de processos que chegam ao Supremo caia para quanto?

Eu tenho idéia de que na área federal, pelo menos, quando o sistema estiver em plena atividade, nós teremos um decréscimo de, no mínimo, 60% do movimento de processos. Creio que em um ano vamos sentir a diferença, mas não será o resultado definitivo. Esse índice irá aumentando ao longo do tempo.

A esperança dos ministros para a redução do número de ações que chegam à Corte é a repercussão?

Sim. A seleção dos processos analisando a existência de repercussão na sociedade deverá desinflar uma demanda que é meramente numérica do Poder Judiciário. São causas repetitivas. Tributos e previdência social, por exemplo, são assuntos que crescem em número, mas a causa jurídica é sempre a mesma. O sistema que começamos a utilizar objetiva detectar quais entre os inúmeros processos tem um interesse que vai além do interesse dos litigantes. Ou seja, uma repercussão que diga com a generalidade do cidadão, mais do que um conflito entre partes.

O dispositivo foi aprovado no fim do ano passado. Por que ainda não é possível sentir seus efeitos?

Porque depois que a lei foi aprovada houve um período de vacacio legis (vacância da lei) dentro do qual ela não poderia ser aplicada. Somente depois desse momento passou-se a exigir que os advogados apontem as razões que justificam a existência da repercussão geral. Ele tem que dizer, antes de qualquer coisa, que o caso é de interesse de todos. Se ele não fizer isso, o processo automaticamente é devolvido e vale a decisão do tribunal inferior. Se ele diz que há repercussão geral, cabe aos ministros julgarmos se há ou não. Essa é a praxe de praticamente todos os tribunais superiores do mundo. O que acontece no Brasil é que temos um passivo enorme de ações, cerca de 142 mil, que entraram aqui no Supremo antes da repercussão geral. Como muitos casos sobre o assunto entraram aqui no tribunal durante o período em que não era obrigatório haver a repercussão geral, nós teremos que julgar esses casos.

Então assuntos sem relevante interesse coletivo não entram mais no Supremo?

A tendência é que eles não mais tramitem. Com o novo sistema, o processo é distribuído, o relator opina se há repercussão geral e os demais ministros tem 20 dias para votar. Se a maioria não entender a existência de interesse coletivo, o processo é automaticamente devolvido. Se entendemos que há repercussão, o processo segue na Corte. Outra coisa boa é que o sistema agrupa todos os processos semelhantes. Assim, se o tribunal não entender a existência da repercussão geral, todos os processos que tratem do mesmo tema também são paralisados. Uma mesma decisão poderá ser aplicada a vários processos. Além disso, o tribunal vai manter um banco de dados sobre as decisões. Assim, qualquer tribunal ou advogado poderá colocar já no seu argumento que se trata de um caso já analisado pela Corte e que houve o entendimento da existência da repercussão geral. Caso contrário, vai saber que não adianta apresentar o processo no STF porque ele não seguirá.

Houve um período especifico de aumento do número de processos que chegaram ao Supremo?

Até 1988 existia um dispositivo semelhante, denominado argüição de relevância. A argüição terminou com a Constituição de 88 e a partir daí a distribuição cresceu como uma rota de foguete. Esse tipo de dispositivo é fundamental. No mundo inteiro os ministros possuem o que se chama de poder discricionário para escolher quais questões merecem sua atenção.



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