27/08/2012
Segunda Leitura - TV Justiça e a exibição dos julgamentos do Supremo

26 agosto 2012

Segunda Leitura - TV Justiça e a exibição dos julgamentos do Supremo

Por Vladimir Passos de Freitas


A TV Justiça foi criada em 11 de agosto de 2002, tendo por objetivo dar ao público conhecimento de seus direitos e deveres e também das atividades do Poder Judiciário.

Estes assuntos, evidentemente, não são transmitidos pelas redes de TV comerciais, pela simples razão de que não atraem altos níveis de audiência. A TV Justiça divulga-os à sociedade pelo sistema a cabo, satélite, antenas parabólicas e internet.

Durantes estes dez anos de existência, a TV Justiça vem prestando excelentes serviços ao país. Aborda os mais variados temas da Justiça em uma linguagem direta e informal, dando a todos os brasileiros a oportunidade de conhecer as profissões jurídicas e o Poder Judiciário.

É difícil enumerar as suas diversas abordagens e, mais ainda, afirmar quais são as melhores. São muitas. Vejamos algumas.

No Direito sem fronteiras estuda-se a construção das relações internacionais entre os países, os Tratados Internacionais mais importantes e a flexibilização da soberania, que vem cedendo espaço à jurisdição de tribunais internacionais (v.g., Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia).

No pólo oposto, o Repórter Justiça apresenta a cada semana um assunto de interesse próximo e direto para a população brasileira. Nesta semana a matéria foi o parto, qual a melhor maneira de ter um filho, orientações gerais e os direitos da parturiente. Em outras foram debatidos Educação a distância, Os cuidados para quem vai viajar ao exterior e Pai presente.

Para os alunos que desejam aprimorar seus conhecimentos a TV Justiça oferece Saber Direito Aula. Quantos jovens, muitos residentes em cidades distantes dos grandes centros, tem se aperfeiçoado culturalmente. Por exemplo, nas aulas de Direito Previdenciário, ramo que atinge grande parte da população.

Para os que desejam conhecer as atividades da magistratura, do Ministério Público e de outras instituições, há programas específicos. Por exemplo, TV TST (Justiça do Trabalho), Via Legal (Justiça Federal, Ajufe), Sergipe Justiça (Justiça Estadual) e a TV Cidadania (advogados, OAB-SP).

Em uma mescla de entretenimento e cultura jurídica, passando conhecimentos de uma forma agradável, há a Sessão Cinemateca Brasileira, com sessões às sextas e domingos a noite.

É enorme a contribuição da TV Justiça à sociedade brasileira. No entanto, há um aspecto que não me parece estar contribuindo para o aprimoramento de nossas instituições. Refiro-me à transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal.

O tema é polêmico, reconheço. Muitos falam, poucos escrevem. Receiam serem tachados de conservadores. Afinal, a transparência está na ordem do dia.

Desde logo, deixo expresso e bem claro que sou a favor da transparência. Para dar apenas um exemplo, a exposição das estatísticas dos magistrados em sites dos tribunais sempre me pareceu uma excelente iniciativa. Todos tem o direito de saber quem julga e quem não julga, seja qual for a instância.

No entanto, não vejo em que a exibição de julgamentos pela TV esteja colaborando para uma Justiça melhor. Registro que não conheço nenhum país em que se proceda desta forma. Muito embora nós brasileiros sejamos criativos e inovadores, permito-me supor que se isto fosse bom algum tribunal teria tido a ideia. Cito três como exemplos.

Comecemos pela Suprema Corte dos Estados Unidos, cuja Suprema Corte é respeitada no país e no exterior, tendo suas decisões reflexos na economia e na Justiça de outras nações. Nos EUA os nove Justices, sentam-se de frente para o auditório, não permitem fotos, ouvem as alegações, fazem perguntas aos advogados, recolhem-se e decidem. Resguardam-se, não exteriorizam suas desavenças, e gozam de um respeito extremo.

Na Alemanha o Tribunal Constitucional Federal, com sede em Karlsruhe (não na capital), é modelo para Cortes Constitucionais de todo o mundo. Ele tem o poder exclusivo de declarar a inconstitucionalidade das leis e de escolher, dentre os casos que lhe são submetidos, aqueles que possam criar jurisprudência para a proteção dos direitos fundamentais. Não há transmissões ao vivo dos julgamentos.

Na Argentina, a Corte Suprema de Justiça há alguns anos andava com a imagem abalada. Após o ministro Ricardo Lorenzetti ter assumido e exercido a presidência por três anos, sendo reeleito por seus pares por mais três, a Corte resgatou seu prestígio, com reflexos positivos no Judiciário de todo o país. A discrição não permite transmissão de julgamentos, mesmo tendo entre os seus membros pessoas de prestígio internacional como Raul Zaffaroni.

No Brasil o julgamento tem que ser público e nisto já está assegurada a transparência. Todos podem assistir, exceto se houver segredo de Justiça. Mas no momento que ele é entra em circuito de TV e internet, exibido para todo o país, a situação torna-se mais complexa por vários motivos. Vejamos:
1) Há uma tendência natural dos votos tornarem-se longos, mesmo que o caso não tenha complexidade. Um ministro não se limitará a acompanhar o relator, pois se sentirá obrigado a sustentar sua posição. E lá se vão 20 ou 30 minutos de repetições que, somados, podem significar horas que se perdem sem a mínima utilidade prática.

2) A exposição pública pode agravar a divergência. Não bastará discordar, haverá uma tendência de sustentar a discordância com mais ênfase. Daí para o enfrentamento é um passo. Elas podem atingir um limite máximo, com frases ríspidas ou irônicas, e passar ao país uma imagem de descontrole emocional. Os efeitos podem ser péssimos para a imagem do STF e de seus julgadores. A falta de serenidade, atributo essencial de todos os magistrados, pode resultar na perda de confiança da sociedade.

3) Os conflitos, além de desgastar a imagem da nossa Corte Maior, desgasta também o Judiciário de todo o Brasil, contribuindo para que conflitos inúteis se multipliquem em sessões nos tribunais e audiências nas varas. Isto já vem acontecendo.

4) A exposição pública pode, por vezes, às vezes mesmo fora do Plenário, resultar em adiantamento de posição sobre o conflito, o que é vedado ao juiz brasileiro.

5) A transmissão do voto e dos debates para todo o país torna as posições pessoais, tende a radicalizá-las, perdendo o ministro, aos olhos dos que o assistem, a imparcialidade. A função de julgar exige distanciamento.

Em suma, nós brasileiros, criativos e inovadores, temos, também, que ter a virtude de voltar atrás quando alguma iniciativa não corresponde à expectativa que dela se fazia.

No caso da TV Justiça, penso que devemos festejar sua criação e seu 10º aniversário. Mas no aspecto transmissão de julgamentos ao vivo, devemos meditar se ele vem sendo útil ou se está desgastando a imagem da nossa Corte Maior, aquela que aprendemos a respeitar por tudo que já fez pela Nação.

Não seria melhor abandonar esta prática?

Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2012

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Comentário 1 a 7 de 7 - Página 1 de 1
27/08/2012 09:51RMSS (Outros)Medo da Luz?O comportamento dos julgadores seria outro se julgassem em segredo, assim como os ditadores tomam suas decisões e praticam os piores atos? Então melhor até que os votos não sejam divulgados, apenas os dispositivos das decisões da Corte.27/08/2012 09:14ubirajara araujo (Advogado Autônomo - Civil)PublicidadePrezado mestre, em parte concordo com voce, mas não acho que seria necessário retroceder, bastariam algumas alteraçôes: que as audiências fossem públicas, mas o julgamento, como ocorre no jurí, secreto.
Por outro parte, muitas vezes o caos resulta do proprio comportamento do julgador, jamais vi, em um julgamento, replica e treplica entre magistrados. O que devem fazer é: o relator faz o relatório e vota, o revisor, suas considerações e vota, a seguir cabendo aos vogais seus votos; agora não podem tornarem-se parciais, um faz a acusação outro faz a defesa, isto e procedimento de responsabilidade das partes.
Entendo que a racionalidae e a razoabilidade por parte dos julgadores, bastaria para solucionar o impasse.27/08/2012 09:07Chiquinho (Estudante de Direito)Democracia é transparenciao resto e conversa para boi dormirO articulista não teve a oportunidade de ter lido um comentariozinho trazido à luz pelo colunista ELIO GASPARI,na sua coluna de 26.08.2012, mostrando a hipocrisia solene da corte estadunidense, e se houvesse tever TV JUSTIÇA lá, um tal de JAMES CLARK MCREYNOLDS, um reacionário juiz republicano, não teria cometido a balela que cometeu, como genialmente ironizava o deputado JUSTO VERÍSSIMO. Portanto, ao texto: A LUZ DO SOL: "Para quem acha que as transmissões dos julgamentos do STF carnavalizavam a JUSTIÇA, dando o exemplo da discrição da Corte Suprema dos Estados Unidos: Nos anos 20 do século passado, o juiz James Clark Mcreynolds recusava-se a dirigir a palavra ao seu colega Louis Brandeis porque ele era judiu. Também abandonava a sessão se uma mulher ocupava a tribuna. Se a televisão estivesse lá, o doutor seria capaz de fazer isso? Ora, doutor Wladimir, o genial Chico Anísio, digo: Justo Veríssimo, tem razão: BALELA! BALELA!27/08/2012 00:29Luís Eduardo (Advogado Autônomo)Que decepção!Que decepção ler este artigo do Dr. Vladimir.
Sempre li seus artigos e muito os apreciei, mas este acho que foi de muita infelicidade. Não é a transmissão ao vivo que fabrica a atitude dos ministros e nem os votos, mas sim o temperamento e a qualidade jurídica de cada um. Não se vê o Celso de Mello, o Ayres Brito, ou até mesmo a Carmen Lúcia, "baterem boca" sem que a discussão jamais ultrapasse as raias jurídicas. Ao Juiz, com "J" maiúsculo, de um tribunal, nada importa se o julgamento tem transmissão ao vivo porque o debate sempre vai se restringir ao direito das partes e não a qualidade ou caráter do outro julgador.
Sou contrário ao fim da transmissão ao vivo, pelo contrário, minha sugestão é para que os julgamentos sejam transmitidos por TV aberta e também se amplie para os julgamentos das Turmas, e não só do Pleno.26/08/2012 21:49Jarbas Andrade Machioni (Advogado Sócio de Escritório)Também na InglaterraCaro colunista,
A Suprema Corte Do Reino Unido também transmite seus julgamentos ao vivo, como já expus no meu Blog do Advogado .26/08/2012 12:53Prætor (Outros)péssima ideiaA TV Justiça foi uma péssima ideia. Os Ministros viraram astros e acabam sentindo-se obrigados a comportarem-se como tais.
A atividade judicante prescinde disto.26/08/2012 09:12Mais que coragem, é preciso humildade pra mudar de opinião. (Vendedor)só faltou um pequeno detalhea tv justiça não tem ampla penetração na sociedade brasileira. mesmo com a maior entrada das tvs por assinatura na assim chamada nova classe média brasileira, a grande maioria da população brasileira não tem acesso à tv jutiça que só é transmitida através de tvs por assinatura paga a cabo ou via satélite, o que tolhe a democracia de informação que é [mas na prática não o é] um dos fundamentos da tv justiça. ou seja, a tv justiça é para poucos e poucos com dinheiro no bolso.
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