INCONSTITUCIONALIDADE DO LIMITE DE DEDUÇÃO DE DESPESA COM EDUCAÇÃO - JURISPRUDÊNCIA TRF3
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL Nº 0005067-86.2002.4.03.6100/SP - 2002.61.00.005067-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAIRAN MAIA
ARGÜENTE : ISO CHAITZ SCHERKERKEWITZ
ADVOGADO : GUSTAVO DE FREITAS e outro
ARGÜÍDO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : FERNANDO NETTO BOITEUX E ELYADIR FERREIRA BORGES
EMENTA
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. LIMITES À DEDUÇÃO DAS DESPESAS COM INSTRUÇÃO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, II, "B", DA LEI Nº 9.250/95. EDUCAÇÃO. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. DEVER JURÍDICO DO ESTADO DE PROMOVÊ-LA E PRESTÁ-LA. DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. NÃO TRIBUTAÇÃO DAS VERBAS DESPENDIDAS COM EDUCAÇÃO. MEDIDA CONCRETIZADORA DE DIRETRIZ PRIMORDIAL DELINEADA PELO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE GASTOS COM EDUCAÇÃO VULNERA O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.
1. Arguição de inconstitucionalidade suscitada pela e. Sexta Turma desta Corte em sede de apelação em mandado de segurança impetrado com a finalidade de garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001.
2. Possibilidade de submissão da quaestio juris a este colegiado, ante a inexistência de pronunciamento do Plenário do STF, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte, acerca da questão.
3. O reconhecimento da inconstitucionalidade da norma afastando sua aplicabilidade não configura por parte do Poder Judiciário atuação como legislador positivo. Necessidade de o Judiciário - no exercício de sua típica função, qual seja, averiguar a conformidade do dispositivo impugnado com a ordem constitucional vigente - manifestar-se sobre a compatibilidade da norma impugnada com os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Compete também ao poder Judiciário verificar os limites de atuação do Poder Legislativo no tocante ao exercício de competências tributárias impositivas.
4. A CF confere especial destaque a esse direito social fundamental, prescrevendo o dever jurídico do Estado de prestá-la e alçando-a à categoria de direito público subjetivo.
5. A educação constitui elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, estando em estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Atua como verdadeiro pressuposto para a concreção de outros direitos fundamentais.
6. A imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos contribuintes com educação resulta na incidência de tributos sobre despesas de natureza essencial à sobrevivência do indivíduo, a teor do art. 7 º, IV, da CF, e obstaculiza o exercício desse direito.
7. Na medida em que o Estado não arca com seu dever de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito, deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar o direito fundamental à educação.
8. A incidência do imposto de renda sobre despesas com educação vulnera o conceito constitucional de renda, bem como o princípio da capacidade contributiva, expressamente previsto no texto constitucional.
9. A desoneração tributária das verbas despendidas com instrução configura medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil.
10. Arguição julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar procedente a arguição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, devendo os autos retornarem à Turma para o prosseguimento do julgamento da apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 28 de março de 2012.
Mairan Maia
Desembargador Federal Relator
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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL Nº 0005067-86.2002.4.03.6100/SP
2002.61.00.005067-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAIRAN MAIA
ARGÜENTE : ISO CHAITZ SCHERKERKEWITZ
ADVOGADO : GUSTAVO DE FREITAS e outro
ARGÜÍDO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : FERNANDO NETTO BOITEUX E ELYADIR FERREIRA BORGES
VOTO
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade acolhida, por maioria, pela Sexta Turma deste E. Tribunal Regional Federal em sede de apelação no Mandado de Segurança nº 2002.61.00.005067-0, de Relatoria do e. Des. Fed. Lazarano Neto.
Ingressou o impetrante com o presente mandamus objetivando garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na declaração do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001, afastadas as limitações impostas pelo art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, art. 1º, caput, da Instrução Normativa nº 65/96 e art. 81, caput e §1º, do Decreto nº 3.000/99.
Para tanto, alega que os preceitos normativos mencionados, além de conflitarem com os arts. 43 e 44 do CTN, estariam inquinados de vício de inconstitucionalidade por violação aos arts. 6º, 23, V, 145, § 1º, 153, III, e 205 da Constituição da República.
A ementa do julgamento que decidiu pelo acolhimento da presente arguição, de lavra da e. Des. Fed. Regina Costa, foi redigida nos seguintes termos:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DESPESAS RELATIVAS À EDUCAÇÃO. DEDUÇÃO. LIMITE ANUAL INDIVIDUAL PREVISTO NO ART. 8º, INCISO II, ALÍNEA B, DA LEI N. 9.250/95. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 172 E SEGUINTES DO RITRF-3ª REGIÃO E ART. 97, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
I- O conceito de renda encontra-se delimitado constitucionalmente, traduzindo acréscimo patrimonial, riqueza nova, que vem se incorporar a patrimônio preexistente, num determinado período de tempo (art. 153, III, da Constituição Federal e arts. 43 a 45, do CTN).
II- Ao vedar ao contribuinte o abatimento da integralidade das despesas com instrução própria e de seus dependentes, impedindo-o de deduzir qualquer importância que exceda o limite legal autorizado, o legislador ordinário acabou por subverter o conceito constitucional de renda, sendo de rigor, por conseguinte, a declaração de inconstitucionalidade do art. 8º, II, b, da Lei 9.250/90.
III- A proibição de dedução integral das despesas de instrução efetivamente incorridas pelo contribuinte revela-se incompatível com o dever imposto ao Poder Público, pela Carta da República de 1988, de promover e incentivar a educação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
IV- Deve ser reconhecida a inconstitucionalidade incidenter tantum da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)", contida na alínea "b", do II, do art. 8º da Lei 9.250/95, para, por conseguinte, excluir a limitação de deduções com gastos em educação da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física.
V- Incidente de argüição de inconstitucionalidade acolhido, a teor do art. 97, da Constituição Federal, art. 481 e seguintes do Código de Processo Civil, bem como do art. 172 e seguintes do RITRF-3 ª Região.
Na Sexta Turma, em virtude do disposto no art. 97 da Carta Maior, art. 481 do CPC e art. 11, parágrafo único, "g", do Regimento Interno deste Tribunal, bem como em razão da relevância e plausibilidade da questão constitucional suscitada, votei pelo acolhimento da arguição a fim de submeter a este c. Órgão Especial a apreciação do mérito da controvérsia.
A esse respeito, impende destacar não existir decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte Regional, acerca deste ponto, circunstância que, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC, obstaria a submissão da quaestio juris a este colegiado.
No entanto, apesar de o Pleno da Corte Maior não haver se manifestado, constata-se existir na recente jurisprudência do Pretório Excelso diversas decisões sobre o tema. Em 08.02.2011, a c. Primeira Turma do STF decidiu, à unanimidade, negar provimento ao agravo regimental interposto em face da decisão monocrática da e. Min. Carmen Lúcia que negara seguimento a recurso extraordinário, o qual, por sua vez, reconhecera a constitucionalidade da fixação de limites dedutíveis referentes a gastos com instrução, consoante ementa que trago à colação:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LIMITES IMPOSTOS À DEDUÇÃO COM EDUCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ATUAR O PODER JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO. PRECEDENTES. JULGADO RECORRIDO FUNDADO EM NORMA INFRACONSTITUCIONAL - LEI N. 9.250/1995. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(STF, RE 603060 AgR, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 08.02.2011)
No referido julgamento, assentou-se o órgão fracionário em precedentes do próprio Supremo que acolhem a tese de impossibilidade de o Poder Judiciário imiscuir-se na questão, sob pena de atuar como legislador positivo. Além disso, salientando a necessidade de prévia análise de normas infraconstitucionais (Código Tributário Nacional e Lei nº 9.250/95) para o deslinde da questão constitucional apresentada, o que caracterizaria, ao menos em tese, ofensa indireta à Constituição, a c. Primeira Turma asseverou a inviabilidade de apreciação do tema em sede de recurso extraordinário. Em casos análogos, passaram os Ministros da Suprema Corte a decidir monocraticamente os inconformismos manejados contra decisões de Tribunais que encampam o entendimento de constitucionalidade da limitação à dedução de despesas com instrução.
Entretanto, com a devida vênia ao posicionamento adotado pelo Supremo, entendo não apenas ser possível mas, sobretudo, necessária a manifestação do Judiciário sobre o mérito da questão apresentada, a fim de aferir a conformidade do dispositivo que impõe valor limite a ser dedutível da base imponível do imposto de renda com a ordem constitucional vigente, consoante as razões a seguir expostas.
Sobre este ponto em particular, consigno desde já que eventual reconhecimento da inconstitucionalidade do preceito questionado não implicaria atuação do Judiciário como legislador positivo, estabelecendo redução ou isenção de tributos. Ao revés, consubstanciaria legítima intervenção do Poder Judiciário, o qual não estaria inaugurando a ordem jurídica, mas sim suprimindo do ordenamento, no exercício de sua típica função, norma que não guarda pertinência com a Constituição Federal, por comprometer o exercício de direito fundamental que, nos precisos termos do art. 5º, § 1º, tem eficácia plena e imediata.
Passo, então, à análise do mérito da controvérsia.
A Constituição da República de 1988, em diversas normas, assegura a todos, indistintamente, o direito à educação, alçando-o à categoria de direito social fundamental, in verbis:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifei)
Em seu art. 7º, IV, reforça o compromisso com a educação, dispondo serem "direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". (grifei)
Ao dispor sobre a organização político-administrativa do Estado, a Constituição prescreve no art. 23, V, ser de "competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência". (grifei)
Além disso, o Texto Maior impõe ao Estado, em conjunto com a família e a sociedade, o dever de garantir a educação, a fim de implementar o "pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (art. 205).
Consagra, ainda, em seu art. 208, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental e médio em estabelecimentos oficiais, característica tradicional do sistema educacional pátrio e que deriva, também, de princípio aclamado como direito fundamental do homem, nos termos do art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, subscrita pelo Brasil. Colaciono, a seguir, os dispositivos mencionados:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. (grifei)
Art. 26
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.
Todavia, conquanto seja a educação direito de todos e dever do Estado, diante da impossibilidade de garantir a todos a efetiva prestação do ensino gratuito em estabelecimento oficiais, permitiu-se a sua exploração pela iniciativa privada, mediante o atendimento dos requisitos previstos no art. 209 da Carta Magna:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
O interessado em frequentar instituições particulares de ensino deve, assim, submeter-se às condições normais exigidas para estudar em estabelecimentos privados, ou seja, efetuar a contraprestação pelos serviços educacionais, mediante pagamento de mensalidades, além de arcar com as demais despesas inerentes ao ensino.
Em contrapartida, buscando sempre a promoção e a plena efetivação do direito à educação - sobretudo em prol daqueles que dependem de estabelecimentos públicos oficiais - a legislação possibilita aos que utilizam a rede de ensino privado a dedução das despesas realizadas com a instrução própria e de seus familiares em estabelecimentos particulares por meio da técnica de abatimento dos gastos com educação da base de cálculo do imposto de renda de pessoa física. A medida atende aos interesses da própria política educacional estatal, porquanto desonera o ensino público e propicia à Administração melhor alocação de recursos, sempre escassos e insuficientes para atender às necessidades educacionais da população brasileira.
Neste particular reside a controvérsia constitucional sujeita a exame no incidente suscitado, pois, muito embora permita a dedução das despesas com educação, a legislação infraconstitucional, despida de justificativa lógica, econômica ou jurídica, arbitra um determinado valor limite para essa finalidade, sem considerar a essencialidade da atividade educacional, tampouco seu efetivo custo quando transferido esse ônus ao particular.
Eis o teor do art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, preceito normativo submetido à aferição de conformidade com o texto constitucional na presente arguição:
Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:
(...)
II - das deduções relativas:
(...)
b) a pagamentos efetuados a estabelecimentos de ensino relativamente à educação pré-escolar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos de especialização ou profissionalizantes do contribuinte e de seus dependentes, até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais); (grifei)
Dos dispositivos constitucionais transcritos, extrai-se, de modo inquestionável, a elevada importância conferida pela Constituição Federal à educação.
Posto como elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, o direito à educação guarda estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana, funcionando como verdadeiro pressuposto para a concreção dos demais direitos fundamentais.
O especial destaque emprestado à educação na Carta Política, distinguindo-a sobremaneira dos demais direitos sociais de extração constitucional, advém principalmente dos últimos dispositivos mencionados - arts. 205 e 208 da CF -, os quais, mais do que ressaltar a relevância da educação no desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, prescrevem o dever jurídico do Estado de prestá-la, alçando-a à categoria de direito público subjetivo dos cidadãos.
Esse liame estabelecido expressamente pelo Constituinte Originário, peculiaridade presente também no tocante à saúde (cf. arts. 6º e 196 da CF), revela a absoluta prioridade do Estado na implementação destes direitos, repercutindo também de forma incisiva nos mecanismos disponíveis para se exigir sua efetiva concretização.
Não se pode negar a vocação programática dos preceitos constitucionais que regulam a educação, porquanto enunciam diretrizes e objetivos a serem perseguidos e cumpridos pelos poderes constituídos. Entretanto, ao consagrar em seu art. 208, § 1º, o direito fundamental à educação com a qualificação de "direito público subjetivo", a Constituição confere plena eficácia e imediata aplicabilidade à norma, razão porque prescindível ulterior integração normativa para a concretização desse direito, exigível de plano. Essa exegese, aliás, encontra amparo na própria Carta Cidadã ao dispor em seu art. 5º, § 1º, que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata."
Delineada a educação como direito público subjetivo, surge automaticamente para o Poder Público, sujeito passivo desse direito, o dever jurídico de prestá-la e, como consectário, põe-se à disposição dos titulares desse direito a faculdade de exigir coercitivamente o adimplemento da prestação correspondente.
A esse respeito, cumpre ressaltar inserir-se o direito à educação, típico direito de viés social conforme consigna expressamente o art. 6º do texto constitucional, juntamente com os direitos econômicos e culturais, na categoria dos direitos fundamentais de segunda geração, cuja concretização demanda, via de regra, atuação positiva do Estado. Esta característica dos direitos fundamentais de segunda geração é usualmente apontada para os distinguir daqueles de primeira geração, compostos pelos direitos individuais e políticos. Isso porque a observância destes últimos, também denominados direitos de liberdade, reclama abstenção do Estado, consubstanciando limites à atuação estatal.
Todavia, embora seja possível divisá-los em categorias distintas, esta partilha de origens históricas não redunda em conflito entre as categorias de direitos. Ao invés de se excluírem, os direitos pertencentes a gerações distintas interpenetram-se e complementam-se reciprocamente. Um dos resultados dessa mútua colaboração é perceptível nas situações em que o atendimento de direitos sociais invoca ação negativa, ou seja, um non facere, uma inação estatal, característica imanente aos direitos fundamentais de primeira geração.
Exemplifica essa hipótese a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "c", da Constituição, proibindo os entes políticos de instituírem impostos sobre "(...) instituições de educação (...), sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei". Ao vedar a incidência de impostos sobre estabelecimentos de ensino despidos de finalidade lucrativa, impõe a Carta Política óbice insuperável à atuação estatal com o nítido propósito de fomentar e incentivar a educação, direito fundamental de cunho social que incumbe a ele próprio, Estado, concretizar. Assim, ao deixar de agir, e não mediante ação positiva, o Poder Público, deixando de onerar as instituições de ensino enquadradas no dispositivo citado, garante melhores condições de promoção de direito integrante da segunda geração de direitos fundamentais.
A analogia do raciocínio exposto com a questão constitucional posta a deslinde na presente arguição é inevitável. Com efeito, os preceitos constitucionais que descrevem a educação como "direito de todos e dever do Estado" (art. 205), atribuindo-lhe o status jurídico de "direito público subjetivo" (art. 208, § 1º), consubstanciam inequívoca limitação ao exercício da competência tributária impositiva conferida aos entes federativos.
Na medida em que o Estado não arca com seu compromisso de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito - como construção de escolas, contratação de professores, distribuição de material didático etc - deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar esse direito.
Assim, conquanto a educação consubstancie espécie de direito social, normalmente implementado mediante uma atividade positiva, um facere do Estado, a adequada universalização e promoção deste direito demandaria, neste particular, inércia estatal, consistente na inação do legislador, ou seja, no não exercício de sua competência tributária impositiva.
A não incidência de tributação sobre as verbas despendidas com educação pelos contribuintes possui, portanto, aptidão de produzir os mesmos efeitos da imunidade inscrita no art. 150, VI, "c", da Constituição, atuando como incentivo à promoção de um direito fundamental e auxiliando o Estado em tarefa que ele, notoriamente, não consegue desempenhar de forma satisfatória por si só.
Em artigo sobre a relação das imunidades tributárias e o direito à educação, Pedro Augustin Adamy sintetiza, com distinta clareza, o entendimento delineado, ressaltando que "os direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais - como é o caso da educação - reclamam, no mais das vezes, uma prestação positiva do Estado. Contudo, visto em relação com as imunidades e com base nos dispositivos constitucionais atinentes, o direito à educação possui, também, um caráter negativo-defensivo. Assim, a proteção e concretização do direito social à educação poderá se dar também por meio de um non facere estatal. A garantia de não ação por parte do Estado, especialmente no que concerne à impossibilidade de instituição de tributos, confere maior efetividade ao direito à educação". (As imunidades Tributárias e o Direito Fundamental à Educação, Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 19, n. 96, RT, 2011, pp. 101/132)
Com efeito, visa a tributação arrecadar recursos a fim de custear as atividades e serviços estatais direcionados a promover a consecução dos objetivos impostos pela Carta Magna, exemplificados em seu art. 3º ("Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"), bem como a concretização dos direitos fundamentais por ela albergados.
Entretanto, a imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos indivíduos na efetivação do direito à educação, resultando na incidência de tributos sobre essas despesas, acaba por produzir efeito inverso, obstaculizando o exercício desses direitos.
Constata-se, por conseguinte, não configurar a política de deduções das despesas com educação da base imponível do imposto sobre a renda favor fiscal ou qualquer outro tipo de beneplácito concedido pelo Estado aos contribuintes. Trata-se, na verdade, de efetiva medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil.
Ao deixar de tributar os valores gastos com instrução, o Estado fomenta a educação, facilitando o acesso e promovendo a efetivação desse direito social. Não configura, portanto, simples matéria submetida aos critérios de opção política do Congresso Nacional, pois, antes disso, consubstancia assunto afeto a uma das mais importantes diretrizes delineadas pelo Poder Constituinte Originário, integrante do núcleo básico e intangível de direitos fundamentais albergado pela Constituição de 1988.
O direito à educação, por ser direito fundamental - assim entendido como aquele ínsito a todos os indivíduos em razão da própria natureza de pessoa humana que ostentam - de eminente essencialidade, porquanto imprescindível para o desenvolvimento e fruição dos demais direitos fundamentais assegurados pela Carta Magna, não se sujeita aos arbítrios do Legislador, tampouco aos critérios de conveniência e oportunidade do Executivo, os quais podem apenas ampliar seu o alcance, jamais reduzi-lo ou suprimi-lo.
Seguindo o escólio de J. J. Gomes Canotilho, oportuno destacar, nesse aspecto, a influência do intitulado Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, vetor hermenêutico e guia do Estado na busca pela execução dos objetivos precípuos estatuídos pela Lei Maior, sobretudo quando relacionados com a tutela de direitos fundamentais. Explica o autor, sobre o postulado, que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)". (Direito Constitucional, 6ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, Portugal, 1993, p. 227)
Assim, se a Constituição da República estabelece ser dever do Estado prover educação, correspondendo a esta obrigação a possibilidade de se exigir a implementação material dos pressupostos básicos para a plena fruição deste direito, avulta-se a inconstitucionalidade da norma que veda ou restringe a dedução das despesas com instrução da base de cálculo do imposto de renda.
Ao fazer incidir a exação sobre os valores despendidos para assegurar a concretização do direito à educação, o Estado - que, repita-se, não cumpre seu mister constitucional de garantir a todos, de forma plena e satisfatória, acesso ao ensino público gratuito de qualidade - onera, pela via da tributação indireta, o exercício deste direito fundamental social, enquanto deveria, consoante dispõe o Texto Maior, incentivar e prover a efetivação desse direito. Flagrante, assim, o vilipêndio às diretrizes e objetivos mais caros eleitos pelo Constituinte, bem como a violação das normas constitucionais que consagram o direito à educação.
Não bastassem os argumentos até aqui aventados, análise do conceito de renda e da significação do princípio da capacidade contributiva - por meio dos quais se podem projetar as balizas postas ao legislador no tocante à determinação da base imponível do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza - reforça ainda mais a incompatibilidade da norma impugnada com a Constituição Federal.
Buscando esclarecer a questão de forma objetiva e a fim de evitar digressões impertinentes, considerar-se-á o termo "proventos de qualquer natureza" espécie da qual a palavra "renda" constitui o gênero, possibilitando-se, assim, concentrar a argumentação nos aspectos mais relevantes da discussão.
Embora estabeleça em seu art. 153, III, competir à União "instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza", a Carta Magna não traz em seu bojo, de forma expressa, a definição de renda. Atendendo aos limites constitucionalmente estabelecidos, o Código Tributário Nacional trata do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza em seus arts. 43 e 44, prevendo as hipóteses de incidência do referido tributo e sua base de cálculo:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
(...)
Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
Exegese do dispositivo constitucional referido em conjunto com o CTN revela, assim, consistir a renda no acréscimo patrimonial experimentado pela pessoa, física ou jurídica, e que se agrega a seu patrimônio em certo lapso, representado pelo recebimento em pecúnia como retribuição de serviços de qualquer natureza.
No mesmo sentido, o C. Supremo Tribunal Federal já consignou não ser "possível a afirmativa no sentido de que possa existir re
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