18 setembro 2012
Tributação duplicada - Cobrança de ICMS sobre gorjeta é ilegal, declara TJ-SP
Por Tadeu Rover
O Tribunal de Justiça de São Paulo declarou ilegal a cobrança de impostos estaduais sobre gorjeta. De acordo com o relator do caso, desembargador Ricardo Dip, a gorjeta é verba compreendida na remuneração do empregado e, por isso, só pode ter descontado tributos relativos a salários.
A decisão foi tomada em acórdão da 11ª Câmara de Direito Público ao analisar uma apelação da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes Seccional São Paulo (Abrasel-SP) que pedia a declaração de inexigibilidade da incidência de ICMS sobre a gorjeta pelos seus associados e autorização da compensação tributária dos valores descontados.
O desembargador justificou seu voto afirmando que a gorjeta deve sofrer a incidência de, apenas, tributos e contribuições que incidem sobre o salário, não cabendo a concorrência incidental de tributos municipais e estaduais sobre as propinas.
Para o relator, a cobrança de ICMS sobre as gorjetas configura bitributação. "Se com a gorjeta está a caracterizar se um modo de remuneração, não se pode admitir que sobre ela, fato jurídico unitário, recaiam tributos aplicados por mais de uma pessoa política, certo que isso estaria a configurar bitributação", afirmou.
Em seu voto, Ricardo Dip esclareceu que a inexigibilidade de incidência do ICMS diz respeito apenas aos valores recebidos pelos garçons a título de gorjeta e não àqueles que, mesmo sendo chamado de gorjeta, não são repassados pelos comerciantes.
Sobre o pedido de compensação tributária referente aos valores recolhidos nos últimos anos, Dip explicou que a compensação "somente é possível autorizada por lei expedida na órbita do poder tributante e não há suporte normativo local para amparar o perseguido pleito compensatório".
Segundo Joaquim Saraiva, presidente da Abrasel-SP, a proposição dessas ações obedecem decisão tomada pela diretoria da entidade de se insurgir contra todas as tentativas do fisco de cobrar impostos que não são devidos. As empresas já pagam carga excessiva de impostos e no mínimo não devem ser obrigadas a pagar o que é ilegal, diz ele.
Para Percival Maricato, advogado que propôs a ação, é fundamental que as entidades reajam a imposições abusivas, venham de onde vier. Se mesmo reagindo, já tentam impor cobranças ilegais, imagine-se o que pode acontecer se todo mundo ficar curvado e dócil.
Também para o advogado Diogo Telles Akashi, do escritório Maricato Advogados Associados, a decisão é benéfica para empresários e consumidores. "O aumento dos custos desses impostos recaem sobre os produtos e serviços e o cliente acaba se afastando do restaurante, pois tem um poder aquisitivo limitado, diz. Com informações da Assessoria de Imprensa da Abrasel-SP.
AC 0035703-81.2010.8.26.0053
Registro: 2012.0000439630
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº
0035703-81.2010.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES SECCIONAL
SAO PAULO ABRASEL SP, é apelado DIRETOR EXECUTIVO DE
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA DO ESTADO DE SAO PAULO.
ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento
parcial à apelação, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos.
Desembargadores RICARDO DIP (Presidente), PIRES DE ARAÚJO E
OSCILD DE LIMA JÚNIOR.
São Paulo, 27 de agosto de 2012
RICARDO DIP
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 2/11
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
11ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível 0035703-81.2010.8.26.0053
Procedência: São Paulo
Relator: Des. Ricardo Dip (Voto 27.377)
Apelante: Associação Brasileira de Bares e
Restaurantes -Seccional São Paulo
Apelada: Fazenda do Estado de São Paulo
ICMS. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO.
INCIDÊNCIA SOBRE GORJETA. PLEITO ADICIONAL DE
COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. DENEGAÇÃO DA
SEGURANÇA EM PRIMEIRO GRAU.
Gorjeta é remuneração do empregado. Por isso
que rendimento, atrai a incidência de tributação federal,
não cabendo o concurso incidente de tributos
municipais e estaduais sobre a propina, pois não se
pode admitir que sobre ela, fato jurídico unitário,
recaiam tributos aplicados por mais de uma pessoa
política, certo que isso estaria a configurar
bitributação.
Somente se viabiliza a compensação de
tributos quando existir lei autorizadora na órbita da
pessoa federativa tributante (art. 170 do Cód.Trib.Nac.),
lei essa que não se editou no Estado de São Paulo.
Provimento parcial da apelação.
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 3/11
RELATÓRIO:
1. A Associação Brasileira de Bares e
Restaurantes -Seccional São Paulo impetrou o
presente mandado de segurança coletivo com dúplice
escopo:
(a) o de declarar-se a inexigibilidade da
incidência de Icms sobre valores recebidos à
conta de gorjeta pelos associados da impetrante,
e
(b) o de autorizar-se a compensação
tributária do que, a esse título, onerou, de fato,
os mesmos associados, nos últimos dez anos,
postulando-se sobre o valor correspondente a
aplicação da taxa do Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia.
2. A r. sentença de origem denegou o mandamus,
já por entender irrelevante a distinção da natureza da
gorjeta (equivale a dizer, se receita do empregador ou
remuneração dos garçons), sempre, de toda a sorte,
integrando a base de incidência do Icms, já, de resto,
pela falta de prova adequada do quantum suscetível de
eventual compensação tributária (fls. 111-5).
3. Do decidido, apelou a impetrante (fls. 123-33),
insistente na tese de que o cariz remuneratório das
gorjetas aparta a incidência do Icms, ao par de que a
inexigibilidade e, adiante, a compensação perseguidas
concernem aos valores efetivamente repassados aos
garçons e não à integralidade do quantum
nominalmente recebido à conta de gorjeta.
Respondeu-se ao recurso (fls. 139-74).
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 4/11
Ensejou-se vista do feito à Procuradoria Geral
de Justiça.
É o relatório em acréscimo ao da sentença,
conclusos os autos recursais em 30 de maio de 2012
(fl. 176).
VOTO:
4. A falta de intervenção do Ministério Público, em
primeira instância, na fase recursal deste mandado de
segurança, ainda que configure mácula processual (cf.
art. 12, Lei nº 12.016, de 7-8-2009) não induz à
nulidade, por míngua de indicação alguma de prejuízo
em concreto suportado por qualquer das partes.
Nesse quadro, a economia do processo
princípio maiúsculo que lhe dirige a trajetória
recomenda que se avive sua instrumentalidade,
reconhecendo-se o remédio de que não há nulidade
sem prejuízo: pas de nullité sans grief, suplementado o
vício originário com a intervenção do Ministério Público
em segundo grau.
Não faltam, no egrégio Superior Tribunal de
Justiça, julgados a que ancorar essa orientação.
Recruto, a título ilustrativo, dos ementários daquela
Corte:
A efetividade do princípio da
instrumentalidade das formas afasta a argüição
de nulidade por falta (ou irregularidade) de
pronunciamento do Ministério Público, no juízo
monocrático, quando há, como na espécie,
manifestação do Parquet sobre o mérito da
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 5/11
controvérsia, em segundo grau de jurisdição,
sem suscitar qualquer prejuízo ou nulidade, apta
a suprir qualquer mácula (REsp 308.662)
Precedentes da Corte reconhecem que a
ausência de intervenção do Ministério Público
em 1º grau de jurisdição pode ser suprida com a
manifestação no grau de apelação, considerando
as circunstâncias concretas de cada caso,
descartando a tese do especial sobre a
existência de nulidade absoluta, que não pode
ser suprida (REsp 554.623)
A ausência de intimação do Ministério
Público Federal em feito que versa sobre
desapropriação para fins de reforma agrária,
pode ser suprida pela manifestação do Parquet
em segunda instância, não havendo prejuízo
para as partes (REsp 604.264)
A ausência de intimação do Parquet
federal não é causa de nulidade quando suprida
por pronunciamento posterior deste órgão e
inexiste prejuízo às partes. Precedentes: REsp
271.680/CE, Rel. Min. José Delgado, DJU de
9.4.2001; REsp 549.707/CE, Rel. Min. Franciulli
Netto, DJU de 9.5.2005 e REsp 604.264/RN, Rel.
Min. Castro Meira, DJU de 1.2.2006 (MC 10.651).
5. A breve trecho que se aprecie a pretensão, temse
por viável o vertente mandado de segurança
coletivo, que se inclina à defesa de interesses comuns
à categoria profissional de seus associados, não se
vulnerando a legitimidade ad causam da impetrante ou
seu interesse de agir pela só circunstância eventual de
a alguns de seus associados não se propiciar a
situação de fato atrativa do recebimento de gorjeta.
A questão convoca matiz peculiar, referindo-se
a exigência fiscal não dirigida especificamente contra
a impetrante. Calha sem embargo da perseverança de
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 6/11
alguma controvérsia pretoriana que o colendo
Supremo Tribunal Federal tendeu a admitir, nesse
quadro, a impetração do mandado de segurança
coletivo (cf. RREE 181.438 e 193.382).
Não se vê, além disso, que os discutidos pleitos
declaratório de não incidência do Icms e de
compensação tributária sejam voltados contra lei em
tese (verbete nº 266 da Súmula do eg. STF), porque,
ao revés, empolgam casos concretos em que isto
não o nega a Fazenda Pública paulista se tem exigido
o pagamento do tributo.
Por outro lado, não falta ao caso direito líquido
e certo: bastaria considerar que já com as informações
da Administração pública se caracteriza resistência à
postulação, e essas informações supririam o direito
líquido e certo exigível para a impetração:
&ter-se-á como líquido e certo disse SEABRA
FAGUNDES o direito cujos aspectos de fato se
possam provar, documentalmente, fora de toda a
dúvida, o direito cujos pressupostos materiais
se possam constatar pelo exame da prova
oferecida com o pedido, ou de palavras ou
omissões da informação da autoridade
impetrada (O Controle dos Atos Administrativos
pelo Poder Judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1967, p. 279; a ênfase gráfica não é do
original; cf. também, em sentido equivalente, MS
8.946, do eg. STJ).
Coisa diversa é aferir em fase póstera o
quantum que, em cada situação concreta, acaso deva
(ou não) abstrair-se da incidência do Icms ou a medida
do que talvez deva (ou não) ser objeto da pleiteada
compensação.
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 7/11
Por fim, declarar se se entender, no plano do
mérito, que se há de declarar o direito à não
incidência do Icms e o direito à compensação tributária
não implica substituir ação de cobrança, nem extração
de efeitos patrimoniais pretéritos, que se ensejam para
eventual via judiciária (ou administrativa) própria (cf.
verbetes nºs. 269 e 271 do Direito sumular do eg.
STF).
6. Gorjeta é verba compreendida na remuneração
do empregado (art. 457 do Decreto-lei nº 5.452, de 1º-
5-1943: Consolidação das Leis do Trabalho; cf.
também os enunciados nºs 290 e 354 da Súmula do
eg. TST).
A gorjeta por isso que rendimento atraindo a
incidência de tributação federal (cf., no eg. STF: RE
112.040, RE 596.695, AgR no Ag 692.437, AgR no Ag
739.454), e, exatamente em razão de que a gorjeta
deve sofrer a incidência de, apenas, tributos e
contribuições que incidem sobre o salário (REsp
399.596 -STJ), não cabe a concorrência incidental de
tributos municipais e estaduais sobre as propinas (v.
no eg. STJ: REsp 107.143, REsp 776.152 e AgR no Ag
1.235.274).
Com efeito, se com a gorjeta está a caracterizarse
um modo de remuneração, não se pode admitir que
sobre ela, fato jurídico unitário, recaiam tributos
aplicados por mais de uma pessoa política, certo que
isso estaria a configurar bitributação.
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 8/11
Não impressiona, em contrário ao exposto, que
a norma do § 1º do art. 13 da Lei complementar nº 87
(de 13-9-1996) preveja que a base de cálculo do Icms
se integre pelo valor correspondente a seguros, juros
e demais importâncias pagas, recebidas ou
debitadas (alínea a do inc. II; o realce gráfico não é
do texto original), porque, para logo, essa norma não
pode compreender-se em divórcio da repartição
constitucional de competências tributárias, nem é o
fato de lançar-se numa nota fiscal determinado valor
recebido o quanto basta para dirimir a natureza
jurídica do que se recebe.
Nesse mesmo sentido, julgando o colendo
Supremo Tribunal Federal que o Icms, num caso de
fornecimento de mercadorias com simultânea
prestação de serviços em bares e estabelecimentos
símiles do Estado de Santa Catarina, deveria incidir
sobre o total da operação (RE 187.285) não julgou,
mais além, o que deveria ou não deveria considerar-se
parte dos valores referentes a esse fornecimento e à
concomitante prestação de serviços.
Por isso mesmo, a inexigibilidade de incidência
do Icms diz respeito apenas aos valores, quoad
substantiam, recebidos pelos garçons a título de
gorjeta e não aos que, pese embora o nomen gorjeta,
não lhes sejam repassados.
Cabe averbar um fato superveniente à r.
sentença de primeiro grau e à interposição dos
recursos em pauta. O Diário Oficial da União de 21 de
dezembro de 2011 publicou o teor de convênio (nº 125,
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 9/11
de 16-12 anterior), firmado na 144ª reunião ordinária
do Conselho Nacional de Política Fazendária, pelo
qual se decidiu autorizar o Distrito Federal e o Estado
de São Paulo a excluir a gorjeta da base de cálculo do
Icms concernente ao fornecimento de alimentação e
bebidas por bares, restaurantes, hotéis e
estabelecimentos similares, contanto que observado o
limite de dez por cento do valor da conta.
7. O segundo dos fins perseguidos pela impetrante
é o da compensação tributária referente a valores de
Icms que oneraram de fato seus associados.
Embora vencível, por postergável para a
execução a prova do efetivo ônus financeiro (art. 166
do Código Tributário Nacional), calha que a
compensação pleiteada exige lei local autorizadora
(ver, em caso relativo a gorjeta, no eg. STJ: REsp
912.865).
A compensação tributária somente é possível
autorizada por lei expedida na órbita do poder
tributante (cf., no eg. STJ: AgR no RMS 30.340, RMS
29.951, AgR no Ag 899.540, RMS 19.455, REsp
946.840, RMS 20.526), e não há suporte normativo
local para amparar o perseguido pleito
compensatório.
Com efeito, lê-se no caput do art. 170 do
Código Tributário Nacional:
A lei pode, nas condições e sob as garantias
que estipular, ou cuja estipulação em cada caso
atribuir à autoridade administrativa, autorizar a
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 10/11
compensação de créditos tributários com
créditos líquidos e certos, vencidos ou
vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda
pública.
Ainda que a Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de
1991, torne possível a compensação de tributos da
mesma espécie, esse ato normativo não afeta as
órbitas estaduais.
Nesse mesmo sentido, realçam-se paramétricos
julgados do colendo Superior Tribunal de Justiça,
firmes em ser assente
que a extinção do crédito tributário mediante
compensação somente é possível se houver lei
autorizativa na esfera do Estado (AgR no RMS
32.519, cf. ainda: AgR no RMS 27.769, AgR no
REsp 1.196.680, RMS 31.816, RMS 31.165, REsp
1.192.662, AgR no Ag 1.207.543).
8. Ao fechar, em ordem ao prequestionamento
indispensável ao recurso especial e ao recurso
extraordinário, observa-se que todos os preceitos
referidos nos autos se encontram, quodammodo,
albergados nas questões decididas, invocando-se aqui
o critério que se solidou no egrégio Superior Tribunal
de Justiça:
Já é pacífico nesta e. Corte que, tratando-se de
prequestionamento, é desnecessária a citação
numérica dos dispositivos legais, bastando que
a questão posta tenha sido decidida (EDcl no
RMS 18.205).
POSTO ISSO, pelo meu voto, dá-se parcial
provimento à apelação da Associação Brasileira de
Bares e Restaurantes -Seccional São Paulo, para o fim
Apelação nº 0035703-81.2010.8.26.0053 - São Paulo - VOTO Nº 11/11
de conceder em parte o mandado de segurança
coletivo que impetrou nestes autos (053.10.035703-5
da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São
Paulo) e declarar a inexigibilidade da incidência de
Icms sobre os valores recebidos, pelos associados da
impetrante, efetivamente sob o título de gorjeta.
Custas e despesas processuais repartidas entre
as partes.
É como voto.
Des. RICARDO DIP -relator
(com assinatura eletrônica)
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