23/04/2014
Dois pesos e duas medidas


Dois pesos e duas medidas
22 de abril de 2014


A morosidade e ineficiência do Poder Judiciário vêm ganhando contornos mais nítidos com o programa Justiça em Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Nos dois últimos anos, foi identificado que um terço dos processos é de cobrança de tributos. Com a constatação, ganhou nova força uma ideia que foi apresentada ao Congresso Nacional como desjudicialização das execuções.

Em 2009, a Presidência da República parece ter se dado conta dos exageros da proposta, após severas críticas, retirando-lhe o caráter de urgência. Agora se espera que o legislador imponha uma barreira à cobrança: somente quando o devedor tiver bens é que a execução seria levada ao Judiciário.

Esse tema foi destacado no artigo “Justiça é obra coletiva”, do desembargador José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, e no editorial “Justiça irracional”, ambos nesta Folha. Propõe-se que o legislador crie uma barreira legal para os processos como via de solução. Outras possibilidades, contudo, são possíveis.

Em 1980, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Execuções Fiscais, retirando a cobrança de tributo da alçada do Código de Processo Civil. Passamos a ter dois pesos e duas medidas. Uma lei para todos e outra somente para os fiscos e suas procuradorias (advocacia pública).

O resultado pode ser comparado pelo CNJ: a cobrança geral anda mais rápido do que a tributária. O motivo foi que o legislador concedeu favores, vantagens e privilégios para a administração tributária. Por exemplo: todos os advogados têm prazos para cumprir, menos os procuradores fazendários. Os outros têm que acompanhar seus processos. Nas execuções, os juízes é que mandam os processos para os advogados do fisco. Esses excessos levaram à inoperância da execução fiscal.

Além disso, há o descumprimento da lei por parte da Receita Federal. Ela determina, por exemplo, que o processo administrativo de cobrança vá para a Procuradoria da Fazenda Nacional 90 dias após o não pagamento do tributo, para ser levado ao Judiciário. Na prática, eles demoram cinco anos.

Há, também, muita desinformação. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica) diz que o Poder Judiciário demora cinco anos para a citação do devedor. Vejamos o que acontece na prática. O Código de Processo Civil (art. 219, § 2º) estipula que cabe ao autor (que na execução fiscal é o Poder Executivo) promover a citação do devedor. Para que ela ocorra, o juiz dá o despacho mais simples de todos: escreve “cite-se”. Com isso, uma carta com aviso de recebimento, que já vem no processo, é entregue aos Correios e cumprida com 70% de êxito na cidade de São Paulo.

Bem, se o carteiro não localiza o devedor, o processo volta para o juiz, que manda a Procuradoria se manifestar, pois o endereço pode estar desatualizado, pode ser necessário que um oficial de Justiça tente a citação etc. É nessa hora, com o processo nas mãos do advogado público, que a citação pode demorar cinco anos.

Há diversas outras situações que comprovam que existe muita execução como efeito da atuação ineficiente da administração pública.

Por fim, há a questão cultural contra a cobrança de tributos. Quando assumimos uma vara de execução fiscal, em 1997, ouvimos coisas como “você escolheu a Sibéria ou você não gosta de trabalhar”… Hoje esse quadro mudou. Entretanto, ainda há uma mentalidade no Poder Judiciário –que foi condenada por Rui Barbosa na célebre “Oração aos Moços”– de que a administração pública pode tudo, o Estado nunca pode perder um processo.

Se o fisco perde um prazo e é condenado, arranja-se um jeito para salvar o processo. A jurisprudência dos tribunais, por isso, é responsável em grande parcela pela existência de execuções fiscais, inúteis porque velhas, mas sobre as quais os juízes não podem efetivamente julgar.

Se buscarmos a solução legislativa, um caminho pode ser a simples revogação da Lei de Execuções Fiscais, acabando com os dois pesos e duas medidas. Outra hipótese seria o Poder Executivo cumprir as leis e os juízes poderem exigir que assim seja feito.

RENATO LOPES BECHO é Juiz federal em São Paulo e coordenador do Fórum de Execuções Fiscais

Folha de S.Paulo

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