21/11/2014
Carf, a prova na Câmara Superior e outras questões fiscais

Carf, a prova na Câmara Superior e outras questões fiscais

21 de novembro de 2014

Por Mary Elbe Gomes Queiroz e Antonio Elmo Queiroz
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz

Quando um contribuinte apresenta provas novas ao recorrer para o Carf, a busca da verdade material na tributação normalmente impõe aos julgadores apreciar, mas ficando como obstáculo a conferência dos documentos, o que pode ser superado com a aprovação de diligência para uma autoridade fiscalizadora fazer o cotejo com os elementos da autuação.

Mas o quadro processual fica problematizado quando a prova é apresentada em Recurso Especial perante a CSRF do Carf, pois é órgão julgador que visa pacificar entendimentos jurídicos divergentes e não manusear provas. Porém, no caso abaixo Turma da CSRF deu uma solução para a prova apresentada tardiamente, contemplando os vários princípios envolvidos; aceitando a prova na instância especial, mas abrindo espaço para a administração reanalisar; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 9101-001.961 (publicado em 17.11.2014)
POSTERGAÇÃO DE PAGAMENTO DE TRIBUTO. COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO.

A postergação de pagamento de tributo pressupõe a prova do seu efetivo pagamento e não apenas a contabilização. O Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), pago antes do início da ação fiscal, relativo e vinculado à postergação, é prova efetiva do pagamento.

Voto (…)

8. Não obstante o disposto, a recorrida apresenta neste momento o DARF nº 38026736581 para comprovar o pagamento, com período de apuração de 31/12/2002 e data de vencimento de 31/01/2003; emitido, portanto, em tempo anterior à ação fiscal. (…)

8.2. Para se alcançar a harmonia entre o princípio da preclusão processual e o princípio da verdade material, outros dois princípios devem entrar em jogo, quais sejam: o princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade. Logo, assim como a verificação de um DARF não implica em um esforço demasiado por parte da administração tributária (pois esse trabalho é proporcional aos esforços envidados na participação no processo administrativo tributário), é razoável que o DARF venha a ser recebido pelo julgador, como razão de decidir, e entendido como suficiente para satisfação do crédito tributário.

8.3. Entretanto, pode-se questionar quanto à vinculação do DARF ao crédito tributário discutido, ou seja, se efetivamente o valor pago inclui o valor em discussão. Em homenagem aos deveres de veracidade, boa-fé e lealdade processual, gravados no art. 14 do Código de Processo Civil (CPC), há que se entender que a parte está cumprindo com seu dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade. Assim é que a vinculação (no caso inclusão) do pagamento ao crédito tributário pode ser admitida, sem prejuízo de o titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão utilizar-se da prerrogativa do inciso V do § 1º do art. 65 do Regimento Interno do CARF, caso proceda à análise da vinculação e constate que esta não procede.


Interposição de terceiro grau
No comércio exterior, além da usual “importação por conta própria”, existe a possibilidade de haver terceirização, sendo essa interposição de um terceiro aceita pelo fisco quando se dá via “importação por conta e ordem” (quando interposto um prestador de serviço; IN 225/02) e “importação por encomenda” (quando interposto um revendedor; IN 634/06).

Todavia, no caso abaixo ocorreu uma autuação porque a Receita Federal apontou irregularidade na operação, pois teria havido a ocultação do real importador, com interposição fraudulenta; mas havendo nuance a ser destacada. É que apreciada situação em que registrada a aceita operação de “importação por conta e ordem” da EMPRESA-1 para a EMPRESA-2. Mas a Receita Federal aduziu que a real importadora seria outra empresa, a EMPRESA-3. Ou seja, buscou caracterizar ter havido interposição fraudulenta mesmo na relação de “importação por conta e ordem”.

O contribuinte defendeu-se realçando a peculiaridade do caso, pois seria autuado de qualquer jeito, já que “não há previsão legal (nem campo específico no SISCOMEX) para a situação em análise, pois, se a “EMPRESA-1” declarasse a “EMPRESA-3” como real adquirente na importação por conta e ordem, estaria ocultando a “EMPRESA-2”, que é a real adquirente de fato, uma vez que o campo dedicado à identificação da operação só pode ser preenchido com uma empresa (sendo a prescrição fiscal impossível de ser atendida, ainda mais nos casos, como nestes autos, em que há várias empresas que adquirem as mercadorias importadas em uma mesma DI, (…))”.

Contudo, Turma do Carf manteve, no ponto, a autuação lecionando sobre as espécies de interposição e afastando a limitação técnica do sistema; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 3403-003.319 (publicada em 04.11.2014)
INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA. PRESUMIDA E COMPROVADA.

A interposição, em uma operação de comércio exterior, pode ser comprovada ou presumida. A interposição presumida é aquela na qual se identifica que a empresa que está importando não o faz para ela própria, pois não consegue comprovar a origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados na operação. Assim, com base em presunção legalmente estabelecida (art. 23, § 2º do Decreto-Lei nº 1.455/1976), configura-se a interposição e aplica-se o perdimento. Segue-se, então, a declaração de inaptidão da empresa, com base no art. 81, § 1º da Lei nº 9.430/1996, com a redação dada pela Lei no 10.637/2002.

A interposição comprovada é caracterizada por um acobertamento no qual se sabe quem é o acobertante e quem é o acobertado. A penalidade de perdimento afeta materialmente o acobertado (e o acobertante, conjunta ou isoladamente, conforme o art. 95 do Decreto-Lei nº 37/1966), embora a multa por acobertamento (Lei nº 11.488/2007) afete somente o acobertante, e justamente pelo fato de “acobertar”, quando identificado o acobertado.

Voto Vencedor (…)

Por certo que existir ou não um campo para o “adquirente do adquirente por conta e ordem”, ou o “encomendante predeterminado do encomendante predeterminado”, ou ainda o “encomendante predeterminado do importador por encomenda” (o que poderia se alastrar ad infinitum) também é irrelevante, pois o que deve ser informado na declaração de importação é o real adquirente (não um mero distribuidor, que enviará a mercadoria a alguém que já era conhecido ao momento da importação, e que inclusive antecipou recursos para a realização da importação). Seria absolutamente inútil para coibir a interposição fraudulenta inserir “mais campos no SISCOMEX”. Afinal de contas, se houvesse três campos, passariam a existir processo com quatro elos, e assim por diante. Seguindo a linha da recorrente, o SISCOMEX, para conter a interposição com variados elos na cadeia de importação, teria que ter infinitos campos. (…)

Conclui-se que o “modelo de negócios” apresentado teoricamente é desmentido pela realidade os fatos, evidenciando-se a simulação caracterizadora da “interposição fraudulenta”, de forma geral e individualizadamente, como destacado a seguir.


Expurgo probatório
Quando os fatos geradores de um lançamento tributário tiverem sido descobertos em elementos fornecidos por ação penal, o destino da autuação fica vinculado à mantença dessas provas no processo judicial. No caso abaixo, houve o compartilhamento de provas para uma autuação, mas, posteriormente, houve anulação parcial dessas provas na ação penal. E Turma do Carf, ao tomar conhecimento desse relevante fato jurídico, decide baixar em diligência, não para um inviável relançamento dos mesmos fatos geradores com novas provas, e sim para haver o recorte na tributação, retirando fatos geradores encontrados em provas declaradas como obtidas ilicitamente; assim fundamentado:

Resolução 2801-000.326 (publicada em 12.11.2014)

Como se vê, em 14/09/2006, o Juiz Federal Nivaldo Brunoni, acolheu a solicitação formulada pelo Departamento da Polícia Federal para que a Secretaria da Receita Federal tivesse acesso e pudesse extrair cópias dos elementos arrecadados nas buscas e das informações obtidas na investigação ocorrida no curso da Operação Dilúvio para fins de instrução de procedimentos administrativos fiscais de constituição de créditos tributários.

Posteriormente, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos autos de Habeas Corpus n° 142.045/PR, declarou a ilicitude parcial das provas obtidas por meio das interceptações telefônicas na Operação Dilúvio realizada pela Polícia Federal.

Em sendo parcial a ilicitude das provas obtidas por meio das interceptações telefônicas, entendo por bem converter o presente julgamento em diligência para que a autoridade fiscal, dentro desse novo cenário, faça a separação dos valores lançados em função dos tipos de provas utilizadas. Deve-se discriminar todas as situações de lançamento que podem ser corroboradas sem que os fundamentos tenham sido baseados nas provas consideradas ilegais e também as situações cujos valores tributários lançados deveriam ser anulados por terem dependido exclusivamente das interceptações telefônicas consideradas ilegais. Nos casos de manutenção do lançamento, devem ser juntadas aos autos as provas que poderiam ter sido utilizadas e aonde estariam disponibilizadas.


Flexibilidade na divergência
A CSRF do Carf, fazendo o juízo de admissibilidade de RESPE, analisou se poderia aceitar, para confrontar um Acórdão versando sobre COFINS não cumulativa, um Acórdão divergente tratando de PIS cumulativo. E a Turma da CSRF superou a alegação de diferença fática e jurídica entre a decisão recorrida e o paradigma, fixando que a questão da tributação por Contribuição Social só passaria ser relevante no momento do mérito, portanto bastava haver, para comprovar a divergência, diferença de entendimento se o crédito presumido de IPI é ou não receita tributável; e, no mérito, reconhecida a receita; assim ementado:

Acórdão 9303-002.609 (publicado em 10.11.2014)
NORMAS PROCESSUAIS. ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL.

A admissibilidade do recurso especial de divergência exige que a matéria enfrentada nas decisões conflitantes tenha sido a mesma. No caso concreto, tendo a discussão se cingido à caracterização da natureza jurídica do crédito presumido instituído pela Lei 9.363 e sendo esta a proposição do recurso especial, é irrelevante, para efeitos de admissibilidade, se a consequência dessa definição dirá respeito ao PIS ou à COFINS e se será sob a égide da Lei 9.718 ou 10.833. A essa segunda questão só se pode chegar após a análise da primeira, o que impõe o conhecimento do recurso uma vez comprovada a divergência de entendimentos.

COFINS. BASE DE CÁLCULO NA VIGÊNCIA DA LEI 10.833. CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI. INCLUSÃO.
O direito correspondente ao crédito presumido instituído pela Lei 9.363/96 constitui receita e é tributável pelas contribuições que tenham como base de cálculo a totalidade das receitas auferidas, o que se dá, para a COFINS, a partir do mês de fevereiro de 2004, a teor do art. 3º da Lei 10.833, o qual não foi julgado inconstitucional pelo e. STF.


Decisões variadas
No Acórdão 9101-002.029 (publicado em 17.11.2014), Turma da CSRF do Carf, em causa iniciada ainda sob a égide do anterior regimento interno, posicionou-se contrária à supressão de instância (e implicitamente à causa madura do CPC), não aceitando julgar diretamente argumentos do contribuinte que não foram apreciados em Turma; assim ementado: “em casos nos quais o Conselho de Contribuintes julga recurso de ofício e discorda da tese acolhida pela DRJ, restabelecendo a exigência, deve enfrentar os demais tópicos suscitados pelo contribuinte em sede de impugnação, para evitar cerceamento do direito de defesa e, também, supressão de instância. Caso contrário, em relação às matérias não apreciadas, a Câmara Superior de Recursos Fiscais funcionaria como primeira instância. Declaração de nulidade do acórdão recorrido, para que o processo retorne à Câmara de origem a fim de que sejam apreciadas todas as questões contidas na impugnação apresentada pela autuada”.

No Acórdão 1803-001.425 (publicado em 11.11.2014), Turma do Carf aprecia a natureza do fornecimento de um produto, requalificando como prestação de serviço o que corriqueiramente é tratado como venda de mercadoria; assim ementado: “os ‘kits abadás’ vendidos pelas pessoas jurídicas que promovem eventos públicos de diversão, entretenimento, lazer e congêneres constituem o meio de entrada no evento. Desta forma, a receita auferida na sua comercialização reveste a natureza jurídica de receita da prestação de serviços. Por conseguinte, o lucro presumido advindo dessa atividade deve ser calculado ao coeficiente de 32%”.

No Acordão 3302-002.577 (publicado em 02.06.2014), Turma do Carf reconhece que, se em Embargos de Declaração foi reconhecido erro no Acórdão que traga dúvida sobre o efetivamente decidido, todo o julgamento deve ser renovado; assim ementado: “o resultado de julgamento deve refletir os termos da decisão proferida na sessão de julgamento. Constatado erro na formalização do resultado de julgamento, o mesmo deve ser retificado. Caso o erro traga dúvida quanto aos termos do julgamento proferido pelo Colegiado, o mérito deve ser novamente analisado. Matéria discutível em sede de embargos de declaração”.



Mary Elbe Gomes Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

ConJur

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