21/11/2014
O STF e a “não mutação” jurisprudencial

O STF e a “não mutação” jurisprudencial

20 de novembro de 2014

Quinta-feira, 25 de setembro de 2014. Na pauta do Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº 569.441, de relatoria do Min. Dias Toffoli, em que se discutia a incidência ou não da Contribuição Previdenciária sobre os valores pagos a título de Participação nos Lucros e Resultados – PLR antes do advento da Medida Provisória nº 791/94, posteriormente convertida na Lei nº 10.101/00. Intuitivamente, já se nota que o conflito ali posto é datado de antes de 1994, portanto, tem, no barato, vinte anos.

Em seu voto, o Ministro relator, privilegiando a máxima efetividade das normas constitucionais, entendeu que a importância paga a este título não integra a base de cálculo da Contribuição Previdenciária e, assim, negou provimento ao recurso do INSS.

Segundo a votar, o Ministro Teori Zavascki assim se manifestou:

“Nós estamos tratando de tema de 20 (vinte) anos atrás. Tema polêmico doutrinariamente. O voto do relator salientou muito bem. Mas (trata-se de) tema que até hoje na jurisprudência de ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal tinha uma definição, no sentido da incidência (da contribuição previdenciária. (…) Essa é a jurisprudência. E essa jurisprudência norteou, por sua vez, a jurisprudência do STJ. Eu mesmo lá julguei, muitas vezes, esse tema, invocando os precedentes do Supremo. Então essa é a realidade. Eu não vejo muito sentido, com todo o respeito, e homenageando a profundeza do debate, eu provavelmente teria votado de modo diferente, mas eu não vejo sentido, hoje, nesse tema que não é pacífico (doutrinariamente), alterarmos para o passado a jurisprudência pacífica de ambas as turmas. Eu não encontrei aqui nenhum precedente do Supremo em outro sentido, no sentido que o eminente relator está dando hoje. Por isso vou pedir todas as vênias, por essa razão, para manter a jurisprudência do Supremo, no sentido da incidência da Contribuição Previdenciária sobre distribuição de lucro no período anterior à Medida Provisória nº 791/94.”

Após iniciar seu voto e ser interrompida pela manifestação do Min. Marco Aurélio, a Min. Rosa Weber assim consignou:

“Eu então vou pedir vênia ao eminente Min. Toffoli, embora me seduza, como eu disse, o argumento de sua excelência, para acompanhar a divergência aberta pelo Min. Teori, exclusivamente porque fundada na jurisprudência da casa e se tratando de fatos tão antigos. Então, por essa razão, eu tenho me pautado no Plenário por manter a jurisprudência, a não ser que tragam outros exemplos, que eu desconheço, precedentes que tenham ido noutra linha”

O Min. Luiz Fux, por sua vez, também acompanhou a divergência, sob o argumento de que “se eu modificasse esse entendimento jurídico acarretaria uma surpresa fiscal de alguma maneira, violando a segurança jurídica.”

A sessão foi suspensa e, retomado o julgamento, já no final de outubro, a Ministra Cármen Lúcia acompanhou a divergência. O Ministro Celso de Mello também acompanhou a divergência, mas entendendo que a norma era de eficácia limitada, ou seja, manifestou-se em relação ao mérito efetivamente.

O caso chama atenção porque, afora o voto do Min. Celso de Mello, o entendimento foi o de que não poderia ser alterada a jurisprudência da Corte, ainda que reconhecidamente equivocada, na visão dos próprios ministros, por se tratar de assunto pacificado pelas turmas do STF.

De antemão, cumpre trazer à baila que, como destacado na sessão, não havia precedente sobre a matéria emanado pelo Plenário do STF, embora nas turmas houvesse consenso sobre o tema.

Pois bem. Não se desconhece que, nos últimos anos, o papel da jurisprudência da Suprema Corte – e também dos demais Tribunais – torna-se, cada vez mais, elemento fundamental para a estabilidade do sistema jurídico. O próprio Ministro Luiz Fux recentemente destacou, durante o julgamento do RE nº 240.875 (ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS), que atualmente “ninguém trabalha sem verificar na rede mundial de computadores como está julgando o tribunal superior ou o Supremo Tribunal Federal”.

Contudo, é absolutamente perigoso que, em prol da suposta segurança jurídica em favor do Estado, e sem qualquer fundamentação profunda sobre este ponto, a jurisprudência fique petrificada, especialmente quando não há qualquer razão para manutenção do entendimento anterior.

Modernamente, uma das técnicas para alteração da orientação jurisprudencial consolidada é o chamado overruling, que nada mais é do que a superação total do precedente anterior. Para ocorrer o overruling, em regra, exige-se uma maior grau de fundamentação do julgado, abordando as razões pelas quais torna-se necessária a alteração do entendimento.

Nas hipóteses em que a jurisprudência está consolidada há muitos anos, a possibilidade de superação do precedente deve, necessariamente, além da fundamentação específica, ser conciliada com a análise sobre a confiança depositada naquele entendimento, e as relações jurídicas por conta dele estabelecidas.

Entre nós, sendo prática recorrente a mutação jurisprudencial, a possibilidade de alteração de entendimento pacificado encontra-se expressamente prevista no Capítulo XV do Projeto do Novo Código de Processo Civil, do art. 520 ao 522, sob o título “Do Precedente Judicial”, onde são trazidas as balizas para alteração da jurisprudência.

Tenha-se em mente que, na hipótese sob análise no RE nº 569.441, o contribuinte efetuou pagamentos a título de participação nos lucros e resultados e, com base no texto normativo constitucional, deixou de recolher a contribuição previdenciária.

Mostra-se, destarte, absolutamente questionável o excessivo cuidado com a segurança jurídica, em razão da “surpresa fiscal”. Afinal, não surpresa para quem? Para a Fazenda Nacional, que negou vigência ao dispositivo constitucional?

A resposta é, desenganadamente, negativa. Isto ocorre porque, se houvesse alteração do entendimento das turmas – insista-se, não houve apreciação do tema pelo Plenário da Corte –, não se vislumbraria qualquer prejuízo para quem confiou no posicionamento jurisprudencial.

O princípio da não surpresa, como se sabe, visa garantir o direito do contribuinte à segurança jurídica, materializando uma limitação constitucional ao poder de tributar, que, como tal, deve ser aplicado não só às leis, mas também às decisões do Poder Judiciário.

No entanto, este princípio não pode servir de fundamento quando os eventuais prejuízos decorrentes da mutação jurisprudencial forem suportados pelos cofres públicos. As limitações constitucionais ao poder de tributar configuram um escudo protetivo para o contribuinte, não para o titular do poder de tributar.

Nesse sentido, antiga e reiterada a orientação do STF. Já há mais de vinte anos, na ADI 712/DF (rel. Min Celso de Mello), ao analisar a constitucionalidade da Lei nº 8.200/91, a Corte Suprema deixou consignado que “desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete à imperatividade de suas restrições”.

Noutras palavras, os princípios constitucionais tributários constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento jurídico, sendo, por isso, tão somente oponíveis pelo contribuinte à ação do Estado.

Ainda que assim não fosse, e que se admitisse a aplicação da referida garantia ao Estado, fato é que a sua aplicação deveria necessariamente vir acompanhada de uma robusta fundamentação acerca do suposto ônus a ser suportado pelo Estado. O problema é que, durante a sessão, este ponto não restou analisado – nem sequer perfunctoriamente.

E a previsão que se pode fazer é que, se tivessem sido analisados os efeitos concretos da alteração de entendimento, observar-se-ia que a Fazenda Pública (no caso, o INSS) não sofreria praticamente prejuízo algum, especialmente porque o prazo para eventual repetição de indébito já se encontra expirado, eis que os pagamentos em análise remetem ao ano de 1994 e anteriores.

Em suma, o demasiado apego à segurança jurídica em prol da Fazenda Pública, sem análise dos efeitos práticos da decisão, fez com que o STF mantivesse entendimento anterior, que, sem dúvida, se distancia do princípio da maior efetividade das normas constitucionais e, o mais grave, sem que houvesse uma razão que justificasse esta posição.

Portanto, o que se objetiva é destacar que: (i) mostra-se inegável a valorização dos precedentes judiciais, especialmente aqueles emanados pela Suprema Corte; (ii) não obstante o exposto, é possível que o entendimento jurisprudencial seja alterado, desde que com fundamentação adequada, ainda que para casos cujas matérias encontram-se há anos pacificadas; (iii) é absolutamente essencial, seja para alterar a jurisprudência ou não, que se demonstre, na hipótese concreta, o eventual prejuízo a ser sofrido pela parte prejudicada, o que não ocorreu no presente caso.

Por Luiz Gustavo A. S. Bichara
Por Mattheus Reis e Montenegro
jota.info

TRIBUTÁRIO NET


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