20/12/2014
Uso de compensação de tributos pela Petrobras reduz potencial da Cide


Uso de compensação de tributos pela Petrobras reduz potencial da Cide

19 de dezembro de 2014

No primeiro semestre deste ano, a Petrobras recolheu 11,5% a menos em termos reais em Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), contra iguais meses do ano passado. A queda foi muito maior que o recuo, também em termos reais, de 4,21% da arrecadação total dos dois tributos pela Receita Federal no período.

O total de PIS e Cofins pago pela Petrobras no mesmo período recuou 18,1%, enquanto a arrecadação total das duas contribuições caiu apenas 2,53%. O recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pago aos Estados, porém, seguiu tendência inversa. Também no mesmo período, a Petrobras recolheu 3,7% a mais com o imposto estadual.

A divergência de comportamento entre os tributos recolhidos ao governo federal e aos Estados mostra que não foi somente o efeito de política da contenção de tarifas de combustíveis no mercado interno que afetou os resultados da Petrobras e, consequentemente, os recolhimentos de tributos da empresa ao governo federal.

O que também influenciou o recolhimento de tributos à União foram as compensações tributárias, que não afetam os pagamentos do ICMS, que é estadual. Esse fator, diferentemente dos efeitos da política tarifária do governo federal, pode persistir em 2015 e afetar o potencial de arrecadação de um eventual restabelecimento de alíquotas da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide).

Os dados e a conclusão fazem parte de levantamento feito pelo economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV). Afonso lembra que a evolução divergente entre tributos federais pagos pela Petrobras e o ICMS não se restringiu ao primeiro semestre deste ano. Ele recorda que entre 2006 e 2014, o recolhimento de IRPJ e CSLL da Petrobras caiu 75% e de PIS e Cofins, 14%. Na contramão, o ICMS aumentou 74% nesse período.

Os dados levam em conta as informações divulgadas pela Petrobras em seu site, dentro das “contribuições econômicas no Brasil”. Para o ano de 2014 estão disponíveis dados até o primeiro semestre. Para a comparação anual, utilizou-se o recolhimento de 12 meses encerrados em junho.

A evolução divergente entre o ICMS e tributos federais, diz, reforça a tese de que, por força de alterações legislativas e regulamentares, ou usando de instrumentos legais de compensação, a Petrobras conseguiu pagar muito menos impostos para a Receita Federal no decorrer dos últimos anos do que para os Estados. “Provavelmente como forma indireta de compensar seus prejuízos com o notório controle de preços”, diz ele. Procurada, a Petrobras não quis comentar.

Instituída em dezembro de 2001, a Cide, desde 2004, foi alterada por várias vezes, geralmente reduzida, até ter sua alíquota zerada em junho de 2012. Em 2006, lembra Afonso, a Cide arrecadou cerca de R$ 12 bilhões, a preços atualizados. “Isso não significa que necessariamente a contribuição poderia render aos cofres públicos o mesmo valor, caso sua alíquota seja restabelecida.”

Para Afonso, se a Petrobras ainda tiver prejuízos acumulados ou outros créditos, é possível que a empresa utilize para abater dos tributos cobrados pela Receita Federal, inclusive a Cide. Para o economista, antes de se restabelecer a contribuição, é preciso uma mudança na política de preço, de forma a não criar mais perdas para a empresa, como ocorreu nos últimos anos.

Fabio Silveira, diretor de pesquisa econômica da GO Associados, calcula que a defasagem entre os preços domésticos e internacionais da gasolina ficou acima de 10% nos últimos três anos. Em 2011, na média, a diferença era de 12%, porcentual que subiu para 17% em 2012 e ficou em 14% em 2013. Neste ano, mesmo com a recente queda do preço do petróleo, que eliminou a distância entre os preços internos e externos do combustível a partir de novembro, a defasagem média ainda deve ficar em 9%, estima Silveira. O cálculo considera a cotação do barril de petróleo do tipo WTI, que baliza os preços praticados nos EUA e no Golfo do México, referência nos contratos de importação.

O objetivo era não elevar o preço da gasolina no mercado doméstico para evitar aumento da inflação, mas o efeito dessa política foi “desastroso”, avalia Mansueto Almeida, especialista em contas públicas. A União perdeu arrecadação e a estatal ficou sem fôlego financeiro para dar continuidade ao ambicioso plano de investimentos da empresa.

Para recuperar as perdas registradas no passado, Mansueto avalia que a estatal só tem como opção “manter os preços domésticos mais altos do que os externos por um longo período”. Em sua avaliação, porém, o aumento da Cide para elevar a arrecadação do governo, com a necessidade de realização de um ajuste fiscal, pode não ser a melhor medida para melhorar o resultado das contas públicas e, ao mesmo tempo, o balanço da Petrobras.

Além da possibilidade de que a receita com a contribuição seja menos relevante do que antecipado, por causa do uso de compensações tributárias, o economista afirma ainda que o aumento da Cide não resolveria os problemas da estatal. Um aumento de R$ 0,10 da contribuição sobre combustíveis elevaria a arrecadação em 0,1 ponto do PIB, mas não teria efeito sobre o caixa da estatal e nem sobre a arrecadação indireta de impostos pela empresa. Por isso, Mansueto avalia que a combinação entre aumento da gasolina nas refinarias e da alíquota da Cide seria a melhor medida para também aliviar o balanço da Petrobras.

“Até porque qualquer problema que a Petrobras venha a ter, terá que bater na porta do Tesouro”, afirma Mansueto, já que com as suspeitas de corrupção envolvendo a empresa dificilmente a companhia teria acesso aos mercados internacionais de crédito.

Para Luis Fernando Novais, coordenador do grupo de economia da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), o aumento do combustível nas refinarias só deve ocorrer no segundo semestre do ano que vem, para minimizar o efeito sobre a inflação ao consumidor. Em um primeiro momento, o governo deve optar por elevar a Cide.

“A alta da Cide é inevitável porque é uma das medidas a que o governo pode recorrer para aumentar arrecadação sem precisar de aprovação no Congresso”, diz Novais. O aumento dos preços nas bombas, diz, só deve vir em meados do ano, mas também tende a ocorrer, para aliviar os prejuízos já registrados pela estatal, mesmo que, neste momento, a diferença entre preços domésticos e externos da gasolina seja favorável à Petrobras.

Amir Khair, especialista em contas públicas, diz que o potencial de arrecadação da Cide irá depender da carga da contribuição. “Se for bem calibrada, mesmo com as compensações, haverá receita relevante”, diz ele. Para Khair, foi um erro abrir não da contribuição sobre combustíveis, e o restabelecimento deveria acontecer com cobrança alta, “que faça diferença no bolso do consumidor”. Ele diz que não tem cálculo de qual seria a cobrança suficiente. Para ele, além de ser importante para o ajuste no próximo ano, uma exigência alta da Cide serviria para desestimular o transporte individual.

Os recursos arrecadados com a contribuição, defende, poderiam ser aplicados para melhorar a infraestrutura de transporte público. Para ele, a medida deve ser tomada mesmo que gere antipatia popular. “Deve ser feita mesmo com esse custo, no início de governo.”

Marta Watanabe e Tainara Machado
Valor Econômico

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