De novo, os velhos problemas do sistema tributário
20 de janeiro de 2015
Tão familiares hoje, essas assertivas foram parte do diagnóstico feito há 50 anos pela comissão de especialistas que elaborou a emenda constitucional nº 18, de 1965, estruturando o sistema tributário ainda vigente no país.
Meio século depois, estão aí, recriados, os mesmos problemas que atormentavam os contribuintes naqueles tempos. No segundo mandato de Dilma Rousseff, recém-iniciado, as propostas de aumento dos impostos voltam a assombrar empresários e trabalhadores.
O livro com as conclusões da Comissão de Reforma Tributária – que funcionou entre 1963 e 1965 na Fundação Getúlio Vargas – estava esgotado e foi reeditado, em dezembro, pelo IBRE/FGV.
Organizado pelos economistas Fernando Rezende e José Roberto Afonso, o trabalho recebeu o título “50 anos da Reforma Tributária Nacional: origens e lições”.
O processo que culminou na reforma começou em 1963, antes do golpe militar, com a comissão que teve a ajuda de especialistas renomados, como o professor Carl Shoup, da Universidade Columbia, que também coordenou a revisão do código tributário japonês no pós-guerra.
O diagnóstico do modelo existente era categórico: tratava-se de um “não – sistema”. Havia mais tributos do que fatos geradores da arrecadação. Diferentes formatos jurídicos serviam para tributar um mesmo fato econômico, acarretando sobreposições de tributos idênticos. Era evidente a necessidade de deslocar o foco: organizar o sistema tributário em função das bases econômicas às quais cada tributo se associa, e não à sua natureza jurídica. Foi preciso abandonar o modelo de coexistência entre os regimes tributários autônomos – federal, estadual e municipal – e construir um sistema nacional.
A unificação marcou a repartição do poder de tributar. A delimitação foi clara: a parte relativa à produção era de direito da União (IPI) e à circulação de mercadorias, dos Estados (ICM). Aos municípios foi garantida participação na receita do imposto estadual (de 15%) e houve a adoção do Imposto Sobre Serviços. A tributação do valor adicionado foi um passo importante para superar a incidência em cascata que os impostos cumulativos geravam.
Eliminar a cumulatividade significa dar mais eficiência econômica aos tributos, na medida em que desonera exportações, investimentos e a produção em cadeias mais longas.
“O sistema tributário que emergiu da reforma foi de fundamental importância para alavancar o crescimento econômico e a industrialização do país”, salientam os autores.
Apesar de se atribuir um caráter centralizador à reforma de 1964, foi notável a execução de um moderno regime de transferência de receita entre os entes federados.
Nesse sentido, destaca-se a equalização fiscal e os fundos de participação – mantidos com 20% da receita do IPI e Imposto de Renda, sendo 60% entregues aos Estados e 20% aos municípios. Havia a preocupação de evitar que o imposto de exportação e o ICM funcionassem como armas de uma guerra tributária entre estados produtores e consumidores.
Tratou-se, portanto, de um novo modelo de federalismo fiscal, para remover os entraves às atividades interestaduais e intermunicipais.
Após a apuração das deficiências do sistema tributário então existente, o ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, detalhou os motivos da emenda constitucional nº 18, encaminhada à Presidência da República em novembro de 1965. Na exposição, ele destacou o entrave ao progresso desempenhado pela multiplicidade e a acumulação de incidências tributárias, que dificultavam e oneravam a produção.
Era urgente um reexame dos impostos, para implementar um sistema compatível com o progresso econômico do país.
O período era conturbado. Na economia, o país vivia uma desaceleração do crescimento, escalada da inflação e um quadro de crise fiscal, com desequilíbrios orçamentários, níveis elevados de endividamento público e ineficiência da gestão pública – que desembocou na lei 4.320/64, do Orçamento e Administração Pública.
A situação política era instável, coma renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart intercalada pelo parlamentarismo.
Se a atual conjuntura econômica e política é distinta da observada às vésperas do golpe militar, o mesmo não pode ser dito sobre as bases do debate tributário de 50 anos atrás em relação à agenda para o futuro. Para os autores, é preciso resgatar questões fundamentais, como a necessidade de reconstruir um sistema tributário nacional; executar a discriminação constitucional da tributação de rendas e formular um novo modelo de federalismo fiscal; reconhecer a limitação do texto constitucional.
José Roberto e Rezende sugerem, também, que se extraiam lições de equívocos cometidos na Constituição de 1988. “Com a redemocratização, tornou-se evidente a rejeição às políticas adotadas à época dos militares, desconhecendo- se alguns avanços institucionais aprovados no regime anterior”.
As mudanças pontuais feitas no Código Tributário Nacional desfiguraram o modelo oriundo da EC 18/65. As disputas federativas se intensificaram com a extinção dos impostos especiais e com o aumento do recurso às contribuições sociais – solução encontrada pela União para compensar as perdas de receita com a descentralização promovida pela Constituição de 88 – que também são responsáveis pela redução da eficiência econômica do sistema tributário. A busca incessante por novas receitas fez de impostos regulatórios fontes de arrecadação.
Da leitura da história da reforma de 65 fica a percepção de que passa da hora de o governo se empenhar para construir um novo sistema para o país.
A economia, a sociedade e o mundo mudaram muito e não faz sentido continuar cobrando impostos e contribuições de forma complexa, danosa à competitividade e socialmente regressiva.
A versão impressa do livro contém as conclusões da comissão.
Em meio digital, porém, o IBRE está disponibilizando em seu portal na internet o “fac símile” dos 21 volumes que compunham os anais da referida comissão.
Claudia Safatle
De Brasília
Valor Econômico
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