27/08/2015
ITCMD SOBRE BENS NO EXTERIOR


ITCMD sobre bens no exterior

26 de agosto de 2015

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu repercussão geral de uma tese extremamente interessante e importante para o direito tributário. Trata­se do Recurso Extraordinário nº 851.108/SP, interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo contra acórdão da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que reconheceu o direito de o contribuinte não ser compelido a recolher o valor referente ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), relativo à doação testamentária de um imóvel localizado em Treviso, na Itália, e sobre a transferência de uma quantia em moeda estrangeira (Euro), ambas operações realizadas em 2005.

Segundo relatam os autos, quase cinco anos após a ocorrência do fato gerador, isto é, a transmissão dos bens, o contribuinte foi notificado pelo Fisco paulista para que procedesse ao recolhimento do ITCMD, acrescido de multa e juros, com fundamento no art. 4º, inciso II, alínea “b”, da Lei Estadual nº 10.705/00, reproduzido no art. 3º do Decreto 46.665/02.

Desse modo, verifica­-se, no caso em análise, que as referidas normas foram editadas pelo legislador estadual com o intuito de suprir a omissão do Congresso Nacional em disciplinar a matéria, doação testamentária sobre inventário processado no exterior, uma vez que, conforme o comando expresso no art. 155, § 1º, III, “b”, da CF, a incidência do ITCMD, neste caso, é reservada à regulamentação por lei complementar.

A Fazenda Pública afirma ser possível a incidência do imposto, mesmo ante a ausência de lei complementar específica

Contudo, a Fazenda Pública, em suas razões recursais, afirma ser possível a incidência do imposto, mesmo ante a ausência de lei complementar específica, pois, em seu entender, o § 3º, do art. 24, da CF, bem como o § 3º do art. 34, da ADCT, concedem competência plena e efetiva aos Estados para disciplinarem a matéria.

Os supostos permissivos constitucionais dispõem, respectivamente, que “Inexistindo lei federal sobre as normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades” e “promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão editar leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto”.

Ocorre que, para se obter uma análise mais apurada da questão, necessário se faz, indubitavelmente, abordar o domínio da função concedida, pelo nosso sistema normativo, à lei complementar.

Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, a lei complementar passou a assumir importância jurídica suficiente a justificar o quórum qualificado, isto porque, coube a ela instituir diretrizes gerais sobre matérias de maior relevância jurídica e social.

Portanto, o constituinte reservou à lei complementar a missão de dispor, dentre outras matérias, regras de uniformidade do sistema tributário pátrio. Isto porque, dispomos de mais de seis mil, se totalizarmos todos os entes federados, de modo que, se a cada um fosse outorgado a possibilidade de instituir normas gerais e distintas, teríamos um verdadeiro pandemônio tributário.

Ademais, na hipótese de incidência aqui apresentada, a transmissão patrimonial depende de uma conciliação entre o direito pátrio e o estrangeiro, o que reforça a necessidade de harmonia entre ambos os ordenamentos jurídicos. No caso do direito brasileiro, mediante, apenas, de edição de lei complementar federal, tendo em vista o disposto no art. 155, § 1º, da CF.

Nesse diapasão, com maestria, Ives Gandra da Silva Martins, em sua obra Uma teoria do tributo esclarece: “(…) sempre que o direito pátrio tributário depender de compatibilização com o direito estrangeiro, a necessidade de uma regulamentação nacional abrangente impõe a exigência de lei complementar, se a matéria estiver fora de órbita federal ­ como é o caso, (…) Sem lei complementar, portanto, não pode ser cobrado o imposto do inciso I do artigo 155 da C.F., nas hipóteses do seu §1º, III, em face da clara subordinação do legislador estadual à disciplina de norma nacional sistematizadora”.

Outrora, nessa mesma linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo quanto a inconstitucionalidade, por ausência de lei complementar, da incidência de ICMS sobre a prestação de serviço de transporte aéreo de passageiros intermunicipal, interestadual, internacional, e de transporte aéreo internacional de cargas.

Entretanto, na atualidade, os tribunais pátrios divergem quanto à possibilidade de os Estados­-membros exercerem a competência plena para legislar sobre o assunto. Daí a grande importância do julgamento em tela. Uma vez reconhecida a repercussão geral, ela acarretará na padronização de uma interpretação constitucional, colocando uma pá de cal sobre o tema.

Diante desse quadro, considerando-­se tudo que até aqui foi demonstrado, esperamos que o Pretório Excelso, ao julgar o caso, decida por adotar a tese que mais se adeque aos preceitos constitucionais tributários, isto é, a de que, para a incidência do ITCMD acerca da transmissão de bens nos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, é necessária, primeiramente, a edição de lei complementar que regule, especificamente, a matéria.

Raul Furieri Pignaton Camargo de Azevedo é advogado do escritório Bichara Advogados em Brasília Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico.

Valor Econômico

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